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LAUDELINO FREIRE, DEPUTADO EM SERGIPE, FILÓLOGO NO BRASIL


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Em boa hora o presidente da Academia Sergipana de Letras, José Anderson Nascimento, anunciou um evento que se realizará no dia 16 de março vindouro com o objetivo de celebrar os 150 anos de nascimento do intelectual sergipano que nas primeiras décadas do século XX teve muito destaque, principalmente como filólogo.

Para tanto, Anderson convocou o acadêmico, professor e juiz de Direito, José Anselmo de Oliveira, encarregado de proferir a conferência destinada a homenagear o cidadão lagartense que foi um dos mais importantes dentre os intelectuais brasileiros que no início da centúria antecedente produziram no Rio de Janeiro uma espécie de belle époque tropical.

Laudelino de Oliveira Freire nasceu em Lagarto, Estado de Sergipe, no dia 26 de janeiro de 1873. Foi advogado, jornalista, professor, político, crítico literário, historiador e filólogo. Morreu no Rio de Janeiro em 18 de junho de 1937. Chegou à então capital do Brasil como aluno da Escola Militar, da qual se afastou por problemas de saúde. Alguns anos mais tarde, trabalharia como jornalista no Rio de Janeiro, assinando vários trabalhos com o próprio nome e também utilizando os pseudônimos de Lof e Wulf.

  Antes de se fixar definitivamente no Rio de Janeiro, viveu em Aracaju e exerceu três mandatos como deputado estadual na Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe.  Exerceu os mandatos nas legislaturas iniciadas nos anos de 1894, 1896 e 1898. Encerrado este último período tomou a decisão de se desligar da vida partidária e fixar definitivamente sua residência no Rio de Janeiro.

Pela importância intelectual do então político sergipano, fica uma sugestão ao Poder Legislativo deste Estado. Está na hora de produzir uma coletânea contendo os discursos parlamentares e projetos de lei de Laudelino e de buscar nos jornais e revistas do final do século XIX as entrevistas e os eventuais textos produzidos e publicados por ele. Tudo pode render um alentado volume que tem grande potencial de contribuir para com a História de Sergipe e, também, com a cultura brasileira.

Laudelino Freire migrou para o Rio de Janeiro e concluiu o curso de Direito, em 1902. Naquela cidade foi professor catedrático do Colégio Militar, onde lecionou Português, Espanhol, Geografia, História e Geometria. Escritor e filólogo, Laudelino trabalhou como jornalista e em tal condição foi diretor da “Gazeta de Notícias”, além de colaborar com o “Jornal do Brasil”, “Jornal do Comércio” e “O País”. Os artigos que produziu como jornalista entre 1925 e 1930 foram reunidos e publicados em 11 volumes sob o título Notas e Perfis.

Incansável, Laudelino Freire fundou em 1918 a Revista da Língua Portuguesa da qual foi diretor, possibilitando a publicação de importantes trabalhos como a Réplica de Rui Barbosa. Foram 68 volumes do periódico que hoje constituem importante fonte de pesquisa.   

Laudelino Freire foi também fundador e diretor dos 15 volumes da Estante Clássica. Uma das suas obras de maior importância foi publicada após a sua morte, com a colaboração de J. L. de Campos, Vasco Lima e Antonio Soares Franco Junior – o Grande e Novíssimo Dicionário da Língua Portuguesa, em cinco volumes.

Publicado entre os anos de 1939 e 1944, o Dicionário de Laudelino foi, efetivamente, o primeiro grande dicionário brasileiro da Língua Portuguesa. Ao todo, o trabalho teve três edições. A primeira sob a responsabilidade da editora A Noite, no Rio de Janeiro. A segunda e a terceira edições foram empreendidas nos anos de 1954 e 1957 pela Livraria José Olympio Editora, sem que fossem feitas alterações no texto original do trabalho.

Laudelino trabalhou por cerca de 15 anos naquilo que foi a grande obra da sua vida. Para que se tenha ideia, em 1924 ele já havia apresentado o projeto do Dicionário à Academia Brasileira de Letras. Naquele ano, a revista da ABL publicou texto no qual informava que o Dicionário tomaria por base o trabalho português de Morais, incluindo as palavras existentes nos dicionários portugueses mais utilizados no Brasil, acrescidas de brasileirismos e muitos regionalismos.

A Academia deliberou não adotar o Dicionário de Laudelino. Todavia, quando publicado como empreendimento póstumo do autor, no final dos anos 30, o estudo fez um extraordinário sucesso editorial. Os acadêmicos da ABL preferiram deliberar, em 1943, decidindo assumir o patrocínio do Dicionário de Língua Portuguesa, de Antenor Nascentes que somente entrou em circulação entre os anos de 1961 e 1967.

O dicionário de Laudelino incorporou a citação literária de autores portugueses e brasileiros, bem como diversos termos científicos e, também, a linguagem cotidiana, incluídos elementos da cultura brasileira, dos povos originários e dos africanos que viviam no Brasil.

O Dicionário de Laudelino Freire provocou muitas polêmicas principalmente da parte de filólogos muito ligados aos cânones da herança portuguesa. Estes reclamaram do fato de não haver o filólogo nascido em Sergipe referenciado no Dicionário os chamados brasileirismo que ele havia incorporado ao trabalho.       

Como filólogo, Laudelino sempre defendeu a simplificação ortográfica da Língua Portuguesa utilizada no Brasil. Aliás, a sua Filologia retirava o foco da Gramática e o colocava na história, no desenvolvimento e nas práticas de uso da língua nacional. “A defesa da língua nacional” foi o tema de uma conferência que ele proferiu como convidado da Liga de Defesa Nacional.

Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Na sucessão de Rui Barbosa, foi eleito, em 16 de novembro de 1923, para ser o segundo ocupante da Cadeira 10 da Academia Brasileira de Letras, onde tomou posse no dia 22 de março de 1924, recebido pelo acadêmico Aloísio de Castro. Na ABL foi também seu presidente.

 

 

*Jornalista, doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e fez estágio de pesquisa na Universidade de Frankfurt, Alemanha. É professor aposentado do Departamento de História, do Mestrado e do Doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.

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