Jorge
Carvalho do Nascimento*
Luiz
Antônio Barreto completou 50 anos de idade, em 1994. À época ele fez a sessão
de autógrafos de um livro organizado a partir de uma longa entrevista de
memória que generosamente me concedeu em 1992. Eu havia decupado o depoimento
do amigo no mesmo ano de 1992, quando estava iniciando o meu trabalho de
doutoramento em São Paulo e vivia em um apartamento da Alameda Santos, onde passei
bons e maus momentos.
À
época, eu estudava alemão no Instituto Goethe, na rua Lisboa, bairro de
Pinheiros. Quando a gramática do idioma de Goethe me fervia o juízo, eu me
voltava para as micro fitas-cassete nas quais gravara a agradabilíssima
conversa do inesquecível amigo. No mês de janeiro de 1993, ainda em São Paulo,
trancado em meu apartamento, organizei todo o material, dividindo os textos em
10 capítulos.
Com
tudo organizado, escrevi uma introdução, muitos comentários e inúmeras notas.
Enviei tudo a dois amigos que conheciam em profundidade o trabalho de Luiz
Antônio Barreto: Bráulio do Nascimento e Jackson da Silva Lima. O folclorista
Bráulio do Nascimento havia dirigido a Biblioteca Nacional e o Instituto
Nacional do Folclore e vivia, à época, no Rio de Janeiro. A ele pedi uma Apresentação.
A outra cópia mandei para o folclorista Jackson da Silva Lima, solicitando que
ele fizesse um Prefácio.
Tudo
pronto, enviei para Luiz Antônio Barreto, a fim de que ele editorasse e
colocasse em circulação o seu livro. Foi o melhor modo que encontrei de
homenagear o amigo que, afirmo sempre, soube me seduzir para a atividade
intelectual e com toda certeza teve grande responsabilidade por influenciar as
minhas opções como professor e escritor.
Se
vivo estivesse neste ano de 2024, no dia 12 de fevereiro os amigos de Luiz
Antônio Barreto estariam ao seu lado celebrando o seu octogésimo aniversário de
nascimento. Nos últimos meses, eu e o meu amigo João Augusto Gama da Silva
temos conversado muito sobre a genialidade de Luiz Antônio Barreto, das suas
práticas culturais e da sua obra.
Resolvi
reler CULTURA: UM ROTEIRO DE ALUSÕES, o livro que organizei para LAB (assim ele
gostava de ser tratado nos bate papos com os amigos) nos seus 50 anos de idade.
Sem querer ser cabotino, percebi não apenas a grandeza do trabalho que fiz à época,
mas principalmente a grandeza do intelectual que foi Luiz Antônio Barreto.
O
próprio Luiz Antônio deu a dimensão do trabalho na dedicatória que escreveu em
meu exemplar do livro: “Meu amigo e cúmplice Jorge Carvalho, este que sendo,
como o é, um mostruário dos textos, tem o sentido de registrar o andamento de
uma geração que, como bem diz você, renasceu sem ter morrido. Com o abraço de
amizade, com a gratidão de LAB”.
A
estrutura que dei ao depoimento de LAB fala por si e mostra as múltiplas faces
daquele que eu considero o mais importante intelectual sergipano na segunda
metade do século XX e na primeira metade do século XXI. Ali emergem o
jornalista, o editor, o agente cultural, o folclorista, o crítico literário, o
literato, o sociólogo, o historiador, o pedagogo e o crítico de música. Na
primeira metade deste século XXI não há mais espaço para este tipo de homem de
ideias. Vivemos a era dos especialistas. Luiz Antônio era um generalista. Eu
gostava de brincar com o amigo, dizendo-lhe que ele estudava “de formiga a
elefante”. E estudava mesmo, com muito afinco, ia fundo nas investigações que
fazia e nos textos que publicava.
Ao
reler os textos que eu escrevi para o CULTURA: UM ROTEIRO DE ALUSÕES, tomei uma
decisão que vinha postergando faz algum tempo: está na hora de começar a
organizar as anotações que possuo e publicar o meu estudo biográfico sobre Luiz
Antônio Barreto. Espero ter energia, fôlego e saúde para concluir a tarefa.
Na
Apresentação que assinou em 1994, Bráulio do Nascimento aponta a estatura de
Luiz Antônio Barreto como intelectual: “Reunindo escritos produzidos num
período de 25 anos, de 1969 aos dias atuais, o organizador do volume, Professor
Jorge Carvalho do Nascimento, efetivamente delineou um panorama amplo e
representativo da atividade cultural de Luiz Antônio Barreto”. Um dos problemas
do pretenso biógrafo é que LAB continuou produzindo intensivamente até 2012.
Na
mesma direção aponta o Prefácio assinado por Jackson da Silva Lima: “Em boa
hora, e com o talento que lhe é peculiar, o professor Jorge Carvalho assumiu,
de iniciativa própria, o difícil encargo de organizar a presente antologia –
CULTURA: UM ROTEIRO DE ALUSÕES, selecionando, por área, um acervo mínimo de 27
artigos entre centenas de trabalhos dispersos em jornais e revistas da terra e
de outros Estados brasileiros, e oferecendo, assim, ao leitor um pequeno
mostruário da atividade mental do homenageado...”
Considero
Luiz Antônio Barreto o último intelectual brasileiro de um modelo que começou a
desaparecer em 1934, quando foi criada a Universidade de São Paulo, mas que
persistiu até o início deste século XXI. A USP tinha como um dos seus
propósitos criar as condições para a gestação de um novo modelo de intelectual.
Pelo
menos, essa ideia estava presente nas discussões que eram feitas entre vários dos
seus articuladores, que se punham como críticos daquilo que até então tinha
sido o protótipo do intelectual brasileiro. Havia uma aspiração que indicava o
novo modelo: o do especialista.
A
formação que até aquele momento fora a dos intelectuais brasileiros não mais
interessava e era condenada com clareza, nas palavras do professor Fernando de
Azevedo: “a nossa cultura ficou sem pensamento e sem substância quase
exclusivamente limitada às letras” (A CULTURA BRASILEIRA, São Paulo,
Melhoramentos, 1964. p. 518).
Pouco
importa o modelo de atividade intelectual que Luiz Antônio Barreto assumiu. A
grandeza do seu legado à cultura do povo brasileiro, especialmente dos
sergipanos, fala por si. Nós, sergipanos, devemos a Luiz Antônio Barreto um
reconhecimento que as injunções da vida política não permitiram que ele
recebesse em vida. Publico este texto fazendo um convite aos sergipanos e
especialmente ao poder público para pactuarmos em defesa da memória de LAB.
Os
poderes Legislativo e Executivo do Estado lhe devem um reconhecimento de
memória, eternizando-o no bronze de uma estátua que pode ser instalada no calçadão
da orla de Atalaia, onde outros brasileiros e sergipanos já são homenageados,
de idêntico modo. Ou em outros espaços pertinentes, a exemplo da Biblioteca
Epifânio Dórea.
O
poder municipal, por intermédio do Legislativo e do Executivo podem eternizá-lo
designando com o seu nome uma grande avenida, uma rua importante ou uma praça
de Aracaju, cidade sobre a qual ele tanto pesquisou e escreveu, esclarecendo
fatos relevantes da sua história e das suas práticas culturais.
A
Universidade Federal de Sergipe, pode aproveitar este 2024, quando se registra
os 80 anos de nascimento de Luiz Antônio Barreto e conceder-lhe post-mortem
o título de Doutor Honoris Causa que lhe foi negado enquanto vivia.
Da
minha parte, pactuo com a memória do amigo a responsabilidade de concluir o
estudo biográfico do qual me sinto devedor desde que LAB se foi do nosso
convívio cotidiano.
*Jornalista, Doutor em Educação, professor aposentado do Departamento de História, do Mestrado e do Doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe. Membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação. Governador eleito do Distrito 4391 do Rotary International.
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