Jorge
Carvalho do Nascimento*
Não
há nenhuma prova efetiva da existência do chamado “Direito da Pernada” ou “Direito
da Primeira Noite”, mas são inúmeros os relatos de tal prática como abuso que tradicionalmente
os senhores feudais praticavam com as mulheres virgens que viviam em suas
terras.
Os
relatos dizem que em alguns lugares da Europa, quando a moça chegava virgem à
noite de núpcias, antes do noivo, era do proprietário das terras aquilo que se
considerava ser o privilégio do defloramento. Daí costumeiramente se falar que
a primeira pernada deveria sempre ser concedida ao senhor feudal.
No
Brasil Colonial era hábito dos senhores de engenho e dos grandes proprietários desvirginar
as mulheres escravizadas que viviam em suas terras logo após a primeira
menstruação. Não esperavam a aproximação das bodas, tamanho era o abuso em
relação a tal prática.
Em
São José das Pombas, a tradição era persistente. O Coronel Garcia era
colecionador de cabaços, como se costumava dizer na linguagem dos que habitavam
naqueles confins da região dominada pela Serra da Borborema. O despudorado
Coronel costumava propagandear os seus feitos nas conversas com os amigos,
quando reunido com eles no Bazar de Dona Clarice ou nas paradas para tomar um
trago na bodega de Oliveira.
O
seu imaginário libidinoso fazia com que afirmasse sempre ter sido desmamado
cedo. Por isto não resistia a meninas de peitos grandes, as suas preferidas –
justificava. Ana e Sônia, as filhas de Dona Valentina, estavam na sua mira.
Depois que as enviou para o Bazar de Dona Clarice, o Coronel Garcia não perdia
mais uma noite naquela casa de lascívia.
As
duas irmãs adolescentes tinham pele negra brilhante, numa tonalidade que os
homens de São José das Pombas classificavam como Cor de Jambo. Os cabelos pretos
encrespados, sempre bem escovados, com tranças pendentes dos dois lados do
rosto. O pescoço esguio e comprido punha em destaque as saboneteiras acentuadas
em cada lado da clavícula.
O
fetiche do Coronel Garcia era estimulado pelo deslumbramento das tetas fartas e
protuberantes das duas garotas, a desafiar a lei da gravidade – como gostava de
comentar o poderoso, sempre movido por um tipo de lubricidade que não conhecia nenhum
limite.
Ana
e Sônia eram esbeltas, com cintura de pilão, quartos largos e bunda que atraía
os desavergonhados olhares masculinos. As coxas grossas com torneamento perfeito
pareciam esculpidas por Alexandre de Antióquia, a quem se atribui a autoria da
Vênus de Milo.
O
Coronel Garcia sonhava em ter as duas irmãs na sua cama, mas sabia que teria
muito trabalho para realizar tal proeza. Principalmente pela resistência de
Sônia, sempre muito arredia aos assédios do agrônomo. E não eram poucas as
investidas que ele costumava fazer.
Todas
as noites, buscava sempre Sônia para servir os tragos que tomava no Bazar. E
sempre agradecia com gordas gorjetas que excediam os padrões normalmente
praticados pelos clientes de Dona Clarice. A menina recebia o dinheiro, de bom
grado, mas não baixava a guarda.
Depois
que tomava o primeiro trago, o Coronel Garcia tinha costume de pedir ao
sanfoneiro Zé de Marcos para tocar o samba Gosto Que Me Enrosco, de Sinhô,
gravado por Mário Reis, que fazia sucesso desde os anos 20. No primeiro acorde,
convidava Sônia pra dançar. A menina aceitava, mas assim que o sanfoneiro
atacava os primeiros acordes de Jura, também ao gosto do fazendeiro, Sônia
manifestava o seu desejo de voltar à mesa. Tudo que o Coronel não fazia era
contrariar a menina.
As
outras moças do Bazar, aí incluída Ana, irmã de Sônia, ficavam se roendo de ciúmes
e sem entender por que Sônia não cedia aos desejos do Coronel Garcia. A menina Sônia
só lembrava das narrativas que ouvia de outras mulheres a respeito da primeira
vez. Falavam das dores, do sangramento, da violência do ato. Tudo deixava Sônia
muito assustada, em pânico.
Logo,
a preferida do freguês privilegiado arrumava um pretexto para se retirar da
mesa por algum tempo, prometendo voltar logo. Invariavelmente, Ana, a sua irmã,
se apresentava à mesa do Coronel Garcia para substituí-la. Mais atirada, em
poucos dias já não demonstrava mais nenhum receio nem manifestava temor quanto
a possibilidade da primeira vez.
As
insinuações de Ana começaram a surtir efeito no imaginário do agrônomo. Notava
que a moça era tão bem-acabada quanto sua irmã. E começou a imaginar que seria
menos trabalhosa a difícil missão do desvirginamento. Ambiciosa, Ana vislumbrou
as compensações financeiras que poderia obter.
No
seu quarto, Ana concedeu ao Coronel a primeira pernada sob a promessa de uma
gorda compensação financeira que incluía a reforma e modernização da casa em
que vivia Dona Valentina. Não imaginou que doeria tanto e que sangraria com
sangrou. Lambuzado e com o terno de risca de giz desalinhado, o Coronel Garcia montou
em seu cavalo e partiu pela madrugada. A pobre Ana ficou desmaiada em seu altar
de sacrifício.
*Jornalista, doutor em Educação, professor aposentado do Departamento de História e do Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe. Membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
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