Jorge
Carvalho do Nascimento*
Pancada
de sete e meia pra oito da noite o trem chegou a Cabedelo resfolegando a
pressão do vapor que o fazia bufar por todas as válvulas. A estação de trens da
localidade era muito boa, porém muito modesta quando comparada com a Estação
Ferroviária Conde D’Eu, em João Pessoa, a última parada da composição. O estilo
da Estação na capital paraibana era muito eclético com vários janelões e uma
bonita fachada.
A
estação de trens de Cabedelo fora inaugurada em 1889, para atender o movimento
de cargas daquele importante porto paraibano. A plataforma de embarque e
desembarque de passageiros sempre estava lotada de pessoas elegantes e muito
bem-vestidas nos horários de chegada e partida das composições.
Sônia
e Orozimbo estavam exaustos. Viajaram por mais de 13 horas até o destino. As
caixas de mercadoria pertencentes ao mascate estavam no vagão de cargas e
somente seriam liberadas no dia seguinte. Ele tinha uma mala que o acompanhou
no carro de passageiros. Da mesma forma, Sônia também transportou consigo a sua
bagagem pessoal.
Desde
1928 Cabedelo perdera o seu status de município e era distrito de João
Pessoa, a capital da Paraíba. Um carro de aluguel os transportou até o hotel
onde habitualmente Orozimbo costumava pousar. Dormiram e no dia seguinte, o
mascate procurou o seu amigo Felipe Neves, exportador de algodão estabelecido no
porto de Cabedelo.
Além
de ganhar dinheiro com os negócios de exportação e importação, Felipe era
agiota e proprietário de muitas casas e terrenos na localidade portuária. Com
ele, Orozimbo tratou da compra de uma casa cujo registro de compra e venda foi
feito em nome de Sônia e onde ela se instalou e passou a viver, conforme
prometera o mascate.
A
rua do imóvel, perto dos galpões portuários e oficinas da ferrovia era um
espaço habitado por operários de remuneração média. Ali viviam estivadores e
outros trabalhadores do porto. Também maquinistas, mecânicos, guarda-chaves,
foguistas e outros empregados do serviço ferroviário.
Praticamente
não existiam ruas pavimentadas em Cabedelo. Todas eram de terra coberta com
piçarra. Nos meses de verão a poeira era insuportável e durante as demoradas
temporadas de chuva, a lama tomava conta de todas as vias públicas, o que
também dificultava a limpeza da casa. Mas, Sônia estava muito feliz e não era
pra menos.
A
casa era toda construída em alvenaria e coberta com telhas de barro em duas
águas. A fachada era uma platibanda, pintada de azul. Uma porta de duas folhas
com bandeira e postigos em treliça e, também um janelão de duas folhas grandes,
igualmente dotado de postigo e treliças adornavam a frente da residência.
Depois
de comprar a casa e passar todos os papeis com a propriedade em nome de Sônia, Orozimbo
permaneceu mais três dias em Cabedelo e foi com sua amada visitar marcenarias e
movelarias, além de lojas que vendiam móveis novos e usados. Foram compradas uma
cama de casal e duas de solteiro para os dois quartos da habitação.
Os
quartos ganharam cada um guarda-roupas de casal e de solteiro. Do mesmo modo, a
uma costureira indicada por Felipe Neves foram comprados lençóis, travesseiros
e fronhas, além de cobertores um pouco mais grossos para uso nos dias chuvosos
de Cabedelo, quando a temperatura caía um pouco.
A
sala de visitas ganhou quatro poltronas e duas cadeiras, todas em madeira
escura envernizada, além de uma mesa de centro, no mesmo padrão. Duas cadeiras
de balanço confeccionadas em palhinha foram colocadas no mesmo cômodo. Para a
sala de jantar foi comprada uma mesa de peroba rosa envernizada e um conjunto
de seis cadeiras com igual acabamento.
No
mobiliário da sala de jantar foi incluída uma boa cristaleira, também de
peroba, com vidros trabalhados e bem decorados. Orozimbo fez questão de comprar
copos e taças que foram guardados no bonito móvel. A composição ficou completa
com a aquisição de um armário tipo buffet para guardar toalhas de mesa,
guardanapos e talheres.
Na
cozinha, um grande armário tipo atajé colocado em um canto distante do fogão de
lenha. No atajé eram guardados os utensílios necessários a preparação dos
pratos que a casa consumia. Além disto, um grande paneleiro, filtros e moringas
para água e, também um porrão.
Sônia
olhava para trás, remoía seu passado. Nunca imaginara viver numa casa tão
bonita e tão confortável. Nunca pensou que pudesse existir no mundo um homem
tão carinhoso quanto o seu Orozimbo, presente que lhe caiu dos céus para
satisfazer todas as suas vontades e desejos materiais e lhe dar prazer na cama.
No
quarto dia, a realidade se impôs. Orozimbo partiu logo cedo, de trem para João
Pessoa, onde Manoela o aguardava com seus filhos: Martim, Caetano, Miguel e a
menina Rocio. Martim, o mais velho, aos 16 anos de idade; Caetano, com 14 anos.
12 anos era a idade de Miguel enquanto a menina Rocio havia acabado de
completar 10 anos.
Sônia
aprenderia a viver com o seu mascate durante uma semana a cada mês. Mas, valia
muito a pena. Aquele era mesmo o grande amor da sua vida. Pouco importava a
necessidade de dividi-lo com a corpulenta portuguesa Manoela, com quem Orozimbo
casara 20 anos antes na cidade do Porto.
*Jornalista, doutor em Educação, professor aposentado do Departamento de História, do Mestrado em História e do Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe. Membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
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