Jorge
Carvalho do Nascimento*
Cinco
dias em Campina Grande foi o melhor curso de civilidade e boas maneiras que
Sônia recebeu em toda sua vida. Aos 14 anos de idade, a menina nunca havia
usado um garfo para fazer a refeição. Sempre pegou os alimentos diretamente com
as mãos. Paciente, Orozimbo ensinou-lhe todas as coisas.
Como
colocar corretamente um garfo em sua mão esquerda e com a mão direita segurar a
faca, como mastigar com a boca fechada, colocando no garfo sempre pequenas
porções e pequenos pedações de carne. Ensinou como beber água, refresco e café
sem sofreguidão e sem produzir ruídos. Também, como usar discretamente e de
modo correto os guardanapos.
Sônia
não sabia como usar sapatos de salto alto e andar com elegância. Coube a
Orozimbo oferecer as lições que a fizeram uma dama elegante também no modo de
andar e se vestir. Como sentar-se mantendo a compostura, as pernas fechadas e como
cruzá-las elegantemente sem escandalizar os convivas.
Pintar
o rosto, arrumar os cabelos e usar uma bolsa feminina. Do mesmo modo, combinar
as peças do vestuário com sapatos, bolsa, brincos, braceletes, pulseiras e
colares, sem parecer vulgar. O cigano espanhol fora educado em um convento secular
do seu país e recebeu aulas de etiqueta e boas maneiras.
No
comércio de Campina Grande, Orozimbo comprou sapatos, joias e os melhores
cortes de seda, organza e outros tecidos que serviram para a confecção do
guarda-roupa da sua menina amada. Rapidamente, o mascate foi responsável pelo
processo que transformou uma tímida tabaroa de São José das Pombas em uma
mulher chic, elegante e bem-vestida.
Frequentar
festas, ir ao cinema, tomar uns tragos, almoçar e jantar em bons restaurantes
foi a principal atividade do casal durante os cinco dias nos quais permaneceram
na maior cidade da região da Borborema. As coisas práticas dos negócios ficaram
sob a responsabilidade do preto Timóteo.
Foi
ele que levou as mulas para a estrebaria que Orozimbo mantinha em Campina
Grande, onde dois empregados seus cuidavam dos animais. Também foi de Timóteo a
responsabilidade para organizar as caixas que seriam embarcadas no trem com o
saldo da mercadoria não vendida durante a viagem.
A
Orozimbo e Sônia, os passeios por Campina Grande, em clima de lua de mel. A
menina se encantava com tudo que via. Quanta diferença da sua humilde São Joé
das Pombas. Ao chegar, conheceu inicialmente o bairro do Prado, onde se situava
a estrebaria de Orozimbo. O bairro, que oferecia pouca dignidade aos seus
moradores, pareceu um luxo ao olhar de Sônia. Ela tinha como termo de
comparação a realidade de São José das Pombas. Campina Grande, mesmo no bairro
do Prado, era luxo só.
Mesmo
os casebres amontoados eram verdadeiros palacetes em face da qualidade da
construção das moradias que conhecia e nas quais vivam os trabalhadores em São
José das Pombas. Mesmo as construções das residências dos bairros da elite, em
Campina Grande, eram muito superiores ao luxo ostentado por gente como o
Coronel Garcia, em seu Sobrado Várzea, e outros fazendeiros da sua terra de
origem.
Os
ricos de São José das Pombas pareciam remediados diante do fausto vivido em
Campina Grande pelos plantadores de algodão que não paravam de enriquecer. Os
senhores de Campina Grande eram exportadores e vendiam a sua produção para os
grandes da indústria têxtil sediados, principalmente, na Inglaterra e na
Bélgica.
Sônia
se impressionara com o comércio. Na sua terra natal conhecia apenas um pequeno
aglomerado que se reunia aos sábados e era chamado de feira. Na sede da
Borborema, as feiras eram permanentes e os negócios se realizavam de domingo a
domingo. O consumo acelerado dos grupos sociais de mais baixa renda e, também
da elite, era atendido em uma feira de frutas, outra de cereais, mais uma de
animais e ainda na feira de móveis.
Sônia
nunca vira antes tão grande quantidade de homens e mulheres elegantes, ostentando
riqueza e circulando naquele comércio ativo, acompanhados de empregados e
empregadas domésticas, transportando cestos sobre a cabeça, enquanto patrões e
patroas compravam desenfreadamente de tudo.
Os
ricos compravam móveis novos, bonitos e bem-acabados. Os de menor poder aquisitivo
adquiriam mesas, cadeiras e camas de segunda mão. Enquanto os pobres compravam
colchões de junco ou capim, ou mesmo catres na feira, os ricos frequentavam movelarias
mais elegantes, naquele 1933, nas quais havia estoque de colchões com molas, a
preferência dos abastados.
E,
nas ruas, também existia uma abundante oferta de serviços. Assim, Sônia teve a
oportunidade de ser fotografada pela primeira vez. A câmera fotográfica de
madeira com um flash à base de pólvora. Além dos fotógrafos, havia uma grande
quantidade de barbeiros com barracas espalhadas pelas ruas. A elite cuidava dos
cabelos e da barba no Salão de Luiz Rodrigues, onde era possível sentar-se em
confortáveis cadeiras americanas, com apoio adequado para o serviço.
À
noite, Orozimbo e Sônia se dedicavam a frequentar o cinema, os bares e os
restaurantes antes da de se entregarem por completo aos prazeres do sexo no
hotel que escolheram para o período de permanência na cidade. Sônia percebeu
que a vida agora lhe sorria.
*Jornalista, doutor em Educação, professor aposentado do Departamento de História, do Mestrado em História e do Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe. Membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
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