Pular para o conteúdo principal

DANIEL AARÃO, FRANCISCO BAPTISTA E A HISTÓRIA


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Para o filósofo Renato Janine Ribeiro, é possível fazer história ao estilo de autoficção. São fatos reais tratados como se ficção fossem. Isto permite ao autor prescrutar a vida psíquica de personagens estudados, entrando na mente de cada um e percebendo a realidade por ângulos que a frieza dos fatos nem sempre permite.

Janine assina uma das orelhas do livro NA CORDA BAMBA, no qual o historiador Daniel Aarão Reis Filho põe a nu as suas memórias ficcionais, num trabalho instigante que também recebe comentários e análises favoráveis de historiadores como Heloisa Starling e Cristina Serra que assinam a quarta capa.

Hoje aposentado da sua carreira docente como professor e pesquisador titular de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense, Daniel Aarão continua ativo, orientando teses de doutoramento na mesma instituição, além de prosseguir pesquisando e publicando livros.

NA CORDA BAMBA é uma espécie de autobiografia de Daniel Aarão, na qual ele cria personagens que vivem ficcionalmente uma história que é a sua vida real. Ele organiza as 475 páginas de texto em três partes que denomina de Livro I, II e III. No primeiro, o tema é a ditadura, onde os debates e narrativas giram em torno da tragédia política que se abateu sobre o Brasil em 1964 e persistiu até 1984. O Livro II trata do exílio, que marcou a sua vida. E o Livro III é dedicado ao retorno.

Daniel Aarão foi militante político e assumiu a luta revolucionária contra a ditadura na década de 60 do século XX. Dirigente do Movimento Revolucionário 8 de Outubro, o MR-8, participou conjuntamente com a Aliança Libertadora Nacional, ALN, do sequestro do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Burke Elbrick, em 1969.

Em junho de 1970, ele e outros 39 presos políticos, inclusive o sergipano Agonalto Pacheco, foram trocados pelo embaixador da Alemanha, Enrenfried Von Holleben, também sequestrado. Daniel foi para a Argélia, de lá para Cuba, depois passou pelo Chile e finalmente se estabeleceu na França.

Em Paris cursou graduação em História e, também, defendeu ali a sua dissertação de Mestrado em História. A partir de 1976, como professor, foi trabalhar na Universidade de Maputo, em Moçambique, recém libertada da condição de colônia de Portugal, consequência da Revolução dos Cravos, de 25 de abril de 1974. Viveu em Moçambique até 1979.

Quando retornou ao Brasil, ingressou na Universidade Federal Fluminense e algum tempo depois foi fazer o seu doutorado em História na Universidade de São Paulo, a USP. Ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores, o PT, no Rio de Janeiro e foi membro do diretório regional partidário.

Em 2011, eu estava na condição de presidente da Empresa de Serviços Gráficos do Estado de Sergipe, Segrase, designação da pessoa jurídica que dirigia a Imprensa Oficial do Estado de Sergipe. Recebi a visita do amigo Carlos Pina, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe.

Juntamente com Joseluci Prudente, Carlos Pina me apresentou ao seu amigo médico psiquiatra Francisco Baptista Neto, o Chiquito Baptista, que reside e exerce as suas atividades profissionais em Florianópolis, no Estado de Santa Catarina. Chiquito é filho de Lourival Baptista, ex-governador de Sergipe.

Chiquito Baptista colou grau como médico pela Universidade Federal da Bahia em 1971. Na segunda metade dos anos 60 do século XX, Francisco participou de algumas atividades do movimento estudantil e estabeleceu relações de amizade com importantes lideranças da esquerda estudantil.

Francisco Baptista me apresentou a Daniel Aarão numa visita do historiador a Aracaju. Eu conhecia a obra de Aarão e era entusiasta dos seus estudos sobre a ditadura militar. Com ele, aprendi a conhecer melhor as contradições da ditadura e de muitas das suas políticas. E, também aprendi a perceber contradições próprias à militância política de esquerda.

Em 2004, quando dos 40 anos do golpe militar de 1964, publiquei vários textos, sempre inspirado por muitos estudos e pesquisas realizados por Daniel Aarão dos Reis Filho. Deste modo, pude interagir nas discussões sobre o golpe, assumindo interpretações esclarecedoras.

Agora, acabei de ser presenteado com o livro NA CORDA BAMBA, de Daniel Aarão, que me foi enviado por Francisco Baptista e me chegou pelo Sedex. Chiquito mantém o hábito saudável de oferecer, aos amigos que gostam de ler, livros cuja leitura lhe agradou e ele considera ser importante para algum amigo.

Desde a chegada do novo trabalho de Daniel Aarão me lancei à leitura fascinante. Só consegui parar quando cheguei ao final do trabalho. NA CORDA BAMBA é um livro que recomendo aos que gostam de se entregar ao prazer dos bons estudos.

 

 

Jornalista, doutor em Educação, professor aposentado do Departamento de História, do Mestrado em História e do Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A MORTE E A MORTE DO MONSENHOR CARVALHO

  Jorge Carvalho do Nascimento     Os humanos costumam fugir da única certeza que a vida nos possibilita: a morte. É ela que efetivamente realiza a lógica da vida. Vivemos para morrer. O problema que se põe para todos nós diz respeito a como morrer. A minha vida, a das pessoas que eu amo, a daqueles que não gostam de mim e dos que eu não aprecio vai acabar. Morreremos. Podemos mitologizar a morte, encontrar uma vida eterna no Hades. Pouco importa se a vida espiritual nos reserva o paraíso ou o inferno. Passaremos pela putrefação da carne ou pelo processo de cremação. O resultado será o mesmo - retornar ao pó. O maior de todos os problemas é o do desembarque. Transformamo-nos em pessoas que interagem menos e gradualmente perdemos a sensibilidade dos afetos. A decadência é dolorosa para os amigos que ficam, do mesmo modo que para os velhos quando são deixados sozinhos. Isolar precocemente os velhos e enfermos é fato recorrente, próprio da fragilidade e das mazelas da socied...

O LEGADO EDUCACIONAL DE DOM LUCIANO JOSÉ CABRAL DUARTE

  Jorge Carvalho do Nascimento     A memória está depositada nas lembranças dos velhos, em registros escritos nas bibliotecas, em computadores, em residências de particulares, em empresas, no espaço urbano, no campo. Sergipe perdeu, no dia 29 de maio de 2018, um dos seus filhos de maior importância, um homem que nos legou valiosos registros de memória que dão sentido à História deste Estado durante a segunda metade do século XX. O Arcebispo Emérito de Aracaju, Dom Luciano José Cabral Duarte, cujo centenário de nascimento celebramos em 2025, foi uma das figuras que mais contribuiu com as práticas educacionais em Sergipe, sob todos os aspectos. Como todos os homens de brilho e com capacidade de liderar, despertou também muitas polêmicas em torno do seu nome. Ao longo de toda a sua vida de sacerdote e intelectual da Educação, Dom Luciano Duarte teve ao seu lado, como guardiã do seu trabalho e, também da sua memória, a expressiva figura da sua irmã, Carmen Dolores Cabral Duar...

A REVOLTA DE 13 DE JULHO, OS SEUS REFLEXOS SOCIAIS E OS MÚLTIPLOS OLHARES DA HISTÓRIA

      José Anderson Nascimento* Jorge Carvalho do Nascimento**                                                                                              Qualquer processo efetivamente vivido comporta distintas leituras pelos que se dispõem a analisar as evidências que se apresentam para explicá-lo. Quando tais processos são prescrutados pelos historiadores, a deusa Clio acolhe distintas versões, desde que construídas a partir de evidências que busquem demonstrar as conclusões às quais chega o observador. Historiadores como...