Jorge
Carvalho do Nascimento*
Seis
meses depois de haver deflorado Ana, a irmã de Sônia, o Coronel Garcia
continuava a assediar a filha mais velha de Dona Valentina. Mesmo tendo vivido
já durante oito meses no Bazar de Dona Clarice, Sônia não fora desvirginada por
nenhum dos homens que frequentavam a casa e não admitia a possibilidade de se
acostar com o arrogante Coronel, de quem sentia um asco tão intenso quanto o
ódio que guardava pelo estrago que o fazendeiro fizera na vida da sua irmã.
Não
que a Sônia faltasse apetite sexual. Esbanjava volúpia e estimulava o
imaginário masculino. Nunca abrira as pernas para receber a penetração
masculina. Todavia inaugurou uma prática que não era usual em São José das
Pombas – o sexo oral. Virou uma espécie de especialista em boquete.
Numa
mesma noite chegava a saciar cinco ou seis marmanjos, cada um aguardando
pacientemente a sua vez e pagando caro pelo serviço. As outras meninas não
admitiam esse tipo de prática. A prática sexual, mesmo naquele bordel, era
extremamente conservadora e não passava do chamado “papai e mamãe”.
Para
os padrões da pequena comunidade, naqueles poucos meses, Sônia conseguiu se
transformar numa mulher que obteve algum sucesso econômico. Era uma espécie de
messalina donzela que sonhava em trocar a vida em São José das Pombas por novas
experiências existenciais em Campina Grande ou em João Pessoa.
Dona
Valentina tentava convencer a moça a tentar a vida em um lugar mais próximo, na
própria região do Cariri ou da Borborema. A matriarca considerava que a
principal cidade da Borborema, Campina Grande, era muito distante. Sugeria
lugares como São José do Egito, Pau Caído, São João do Cariri ou Cabaceiras,
todos lugares próximos a São José das Pombas.
O
mascate Orozimbo se vestia e cheirava como um grã-fino. Se a aparência, as
roupas e a moda são importantes na produção da imagem das mulheres e dos
homens, o mascate sabia impressionar. Era uma espécie de dândi pelo seu
jeito de se vestir. Modernista usava coletes, calças e sapatos de cores
diferentes.
A
chegada do mascate Orozimbo trouxe de volta à vida de Sônia a esperança e a fé
no futuro. Ao vê-lo entrando pela primeira vez no Bazar de Dona Clarice, os
olhos de Sônia foram tomados por um brilho especial e encontraram de imediato o
olhar do espanhol, cigano de origem.
Ele
chegou a São José das Pombas com uma tropa de 10 burros, acompanhado do negro
Timóteo, alto e musculoso, uma espécie de ajudante e segurança pessoal. Orozimbo
vendia perfumes para homens e mulheres de bolsos e bolsas fartas, como o
festejado Joy, lançado em 1930 pelo perfumista Jean Patou. Também negociava com
brincos, pulseiras, correntes e braceletes femininos e outras joias. Para os
homens, havia um significativo estoque de relógios.
Orozimbo
deitou-se com Sônia e ficou deslumbrado com o carinho e a voluptuosidade com
que foi lambido e bem sugado por Sônia. Nem nos melhores bordeis da sua Espanha
fora tão bem cuidado e sentira tanto prazer. Aquele era um tipo raríssimo de
prática sexual, quase impossível naqueles tempos, principalmente em uma comunidade
pequena e conservadora como São José das Pombas.
O
casal se grudou por quatro noites. Na quinta já haviam acertado que ficariam
juntos e que Sônia iria com o mascate viver em Cabedelo, cidade portuária
vizinha a João Pessoa. Transparente, Orozimbo não escondeu a sua condição de
casado e pai de um menino e três meninas.
Apresentado
a Dona Valentina, garantiu que estabeleceria uma casa própria para Sônia, Ana e
Valentina em Cabedelo, mas continuaria vivendo em João Pessoa, com a sua
família. A velha matriarca agradeceu dizendo que em São José das Pombas viveria
com a sua filha Ana até o dia que seu corpo fosse depositado em uma cova do
cemitério local.
Já
com 14 anos de idade, Sônia partiu com o mascate e a sua tropa de burros. O
destino era Cabedelo. O casal tinha a segurança garantida pelo negro Timóteo
que tinha permanentemente um rifle carregado, preso à sela da sua montaria e na
cintura uma pistola Luger Parabellum.
Os
três se protegiam do frio cortante da madrugada envergando, cada um deles, uma
capa colonial. A jornada seria longa. Até Campina Grande, onde trocariam as
mulas pelo trem, seriam sete dias percorrendo cerca de 110 quilômetros que
separavam a próspera cidade da Borborema da comunidade de São José das Pombas,
no Cariri.
Atravessar
rios e vencer os terrenos mais difíceis na subida das montanhas reduziam muito
a velocidade média da viagem. A primeira dificuldade era a travessia do rio
Taperoá, grande obstáculo a ser vencido na etapa inaugural da jornada até a
próspera cidade algodoeira de Campina Grande.
O
percurso incluía a passagem por muitas fazendas, a travessia de pântanos e
matas e um risco permanente posto para os viajantes e as montarias que eram as
picadas de cobras ou outros animais peçonhentos. Sem falar nos felinos, dos
quais o gato do mato era o menos perigoso. Vale ainda citar os salteadores de
estrada, raros, mas sempre uma ameaça real.
*Jornalista, doutor em Educação, professor aposentado do Departamento de História, do Mestrado em Educação e em História e do Doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe. É membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
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