Jorge
Carvalho do Nascimento*
Aos
56 anos, Orozimbo já fizera fortuna suficiente para não mais trabalhar viajando
como mascate. Bastava-lhe gerenciar os seis mascates que trabalhavam para ele, viajando
pelo interior da Paraíba, do Ceará, do Rio Grande do Norte, de Pernambuco e
Alagoas, cada um tocando 10 mulas abarrotadas de mercadorias.
A
tropa da qual Orozimbo era proprietário tinha no total 60 mulas. A sede dos seus
negócios ficava em Campina Grande, onde numa propriedade dos arredores do
espaço urbano estavam os currais, o pasto e os depósitos abarrotadas de
mercadorias importadas da Europa e dos Estados Unidos da América, além de muita
bugiganga produzida no Rio de Janeiro.
Orozimbo
morava num palacete da privilegiada Praça da Independência, em João Pessoa,
espaço de residência dos milionários paraibanos. A casa era cercada por
varandas amplas e no seu interior duas grandes salas de visita demonstravam o
poderio econômico da família que ali vivia. A sala de jantar era enorme e no
piso térreo ainda existiam quatro quartos – um para cada filho do sexo
masculino e outro para visitas.
No
andar térreo ficava uma cozinha muito espaçosa e bem equipada, copa, adega,
vários banheiros, dependências de empregados, banheiros e jardins. Tudo isto
muito bem iluminado. Todas as luzes ficavam acesas nas festas que o boêmio Orozimbo
costumava oferecer aos seus amigos.
No
pavimento superior do palacete existiam três dormitórios, dos quais dois com
banheiro privativo. Em um deles vivia o dono da casa e no outro a sua mulher, a
portuguesa Manoela. Desde que a última filha nascera, o casal não mais se tocou
e dormia cada um em seus próprios aposentos.
No
terceiro quarto daquele piso habitava a menina Rocio, filha mais nova do casal.
Também estava ali instalada a biblioteca do mascate, sempre abarrotada de
livros. Orozimbo amava a boa literatura e lia Miguel de Cervantes, Machado de
Assis, Honoré de Balzac, Alexandre Dumas, Euclides da Cunha, Fernando Pessoa,
Eça de Queiroz e outros clássicos.
Quem
subia a escada que levava ao pavimento superior, se deparava com o primeiro
móvel destacado - um relógio de carrilhão que badalava uma vez a cada 30
minutos e dava o número de batidas que indicava a hora, a cada 60 minutos.
Outra peça de destaque era um gramofone movido a corda no qual Orozimbo ouvia
os discos de carnaúba de 78 RPM, da sua coleção de clássicos.
O
dono da casa tinha o hábito de, periodicamente, convidar os irmãos maçons para
banquetes em sua residência, oportunidades nas quais servia bons vinhos
importados, principalmente franceses, espanhóis e portugueses. Também apreciava
as garrafas de bom conhaque francês e charutos que lhe chegavam, importados da
América Central.
Mesmo
com toda aquela vida de luxo, Orozimbo era um homem solitário. Ele e Manoela
mal se falavam desde o nascimento da menina Rocio. Trocavam poucas palavras –
apenas o necessário para tratar do custeio das despesas que permitiam a Manoela
manter a casa funcionando e, também, os gastos dos filhos.
O
cigano espanhol explicava aos amigos que a carência de sexo o fazia continuar
viajando. A cada mês, 15 dias fora de casa, frequentando, boates, dancings,
cabarés e toda sorte de lupanares que encontrava pelo caminho. Isto o havia
viciado e motivava a sua vida de orgias.
Isto
o fez chegar ao Bazar de Dona Clarice, onde conheceu Sônia, aos 14 anos de
idade, pela qual se apaixonou e certificou-se de haver encontrado o remédio que
necessitava para não ser devorado pela permanente carência sexual e pelas crises
de solidão que o angustiavam.
Estava
motivado por haver montado a casa para a sua amante em Cabedelo. Sônia o
aguardava contando as horas que demoravam a passar. Depois de três semanas
sozinha, ela reencontraria o seu Orozimbo, o homem que a conquistara pela
capacidade de ser carinhoso.
Ele
estabelecera, por Sônia, uma nova rotina. Decidiu que não mais passaria 15 dias
viajando a cada mês, a fim de mascatear, mas continuaria mantendo o hábito de
permanecer uma quinzena fora da cidade de João Pessoa. Para a família, o seu
chefe Orozimbo estava correndo fazendas pelo interior da Paraíba, com o
objetivo de vender cada vez mais e ficar ainda muito mais rico.
Todavia,
seria doravante uma semana mascateando e outra semana em Cabedelo, recebendo os
dengos e aconchegos que Sônia sabia oferecer. Se Sônia desejava a sua chegada o
quanto antes, a vontade que tinha Orozimbo de vê-la não era menor. Ambos se
nutriam do mesmo tipo de desejo.
Finalmente,
o mascate chegou. Sônia estava elegantemente vestida aguardando o seu homem.
Ele, com o estilo refinado de sempre, cujos simbolos eram os bem cortados
ternos e os sapatos bicolores. O abraço foi dos mais prolongados, misturando as
fragrâncias dos bons perfumes que ambos usavam.
Ficaram
ali, abraçados. Os dois corpos ardiam em brasa de puro tesão. Para criar um
clima ainda mais favorável, as nuvens escuras de outono dos céus de Cabedelo
resolveram liberar suas águas fazendo subir aquele estimulante cheiro de terra
que mexe com a imaginação de todas as pessoas. Eram quatro da tarde. Saíram do
quarto às oito da manhã.
*Jornalista, doutor em Educação, professor aposentado do Departamento de História, do Mestrado em História e do Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe.
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