Jorge
Carvalho do Nascimento*
Viajar
de trem desde Campina Grande até João Pessoa era um acontecimento social
relevante. Desde 1907, o trem era um importante fator de estímulo ao desenvolvimento
econômico da cidade de Campina Grande. Além de passageiros que viajavam nos
carros da primeira classe e da classe econômica, transportava em seus vagões de
carga muitas toneladas de algodão e outras mercadorias até o Porto de Cabedelo.
O
trem era mais um elemento que dava vida ao progresso de Campina Grande. A empresa
multinacional Great Western Railway administrava as operações do serviço ferroviário
no Estado da Paraíba. As composições, movidas por máquinas a vapor, eram
consideradas modernas e os carros muito confortáveis, principalmente os dois
vagões da primeira classe. Em um deles Orozimbo e Sônia viajaram naquele maio
de 1933. O preto Timóteo ficou em Campina Grande, onde morava.
Eram
120 quilômetros de trilhos desde Campina Grande até João Pessoa e mais 30 da
capital paraibana a Cabedelo. A viagem era bucólica, com duas locomotivas que
seguravam os 10 vagões na descida da Serra da Borborema, numa viagem com
velocidade média que oscilava entre 20 e 30 quilômetros por hora. Para cobrir
todo o percurso era necessário um tempo de 12 horas, das quais cerca de quatro
horas de tempo de parada nas estações e oito horas rodando, de fato.
À
frente dos carros de passageiros e dos vagões (destinados ao transporte de
animais e cargas) uma máquina a vapor conhecida como Maria Fumaça que segurava
a composição ladeira abaixo e a puxava nas subidas. Para dar mais segurança ao
comboio, depois do último vagão, uma outra máquina a vapor do mesmo tipo
segurando o trem nas descidas e ajudando a empurrá-lo montanha acima.
Nos
vagões de carga, um grande estoque de mercadorias que seriam entregues no Porto
de Cabedelo e dali embarcadas em navios destinados aos portos do Recife, de
Salvador, Ilhéus, Vitória, Rio de Janeiro e Santos. Também cargas que deveriam
seguir para a Europa e para a América do Norte. Eram fardos de algodão,
barricas de álcool e aguardente, sacas de açúcar e muito minério.
Cada
locomotiva era conduzida por dois maquinistas auxiliados por dois foguistas
cuja missão era colocar lenha na fornalha e manter a pressão das caldeiras que
garantiam a força motriz dos motores a vapor. Da equipe de serviço, em cada
locomotiva, participavam ainda dois mecânicos ferroviários que cuidavas dos
engates das composições e verificavam a situação da linha férrea e dos seus
dormentes.
A
composição descia a Serra da Borborema, atravessando usinas de açúcar vilas,
matas nativas do agreste paraibano até chegar às matas do litoral. Sônia estava
fascinada com tudo aquilo e cada vez mais apaixonada pelo seu Orozimbo e pelas
oportunidades que este lhe proporcionava.
A
menina de São José das Pombas, agora elegantemente vestida, pensava – como é
grande este mundo de meu Deus. Foi importante para ela a descoberta de todas
aquelas paisagens bucólicas do campo, cada uma das estações por onde passou e
onde o trem fazia longas paradas.
A
mata densa em volta da estrada de ferro chamava a atenção, mas todos, inclusive
os passageiros habituais, se extasiavam ao atravessar a ponte inglesa,
construção monumental que permitia ao comboio atravessar o largo e caudaloso
Rio Paraíba. Era uma espécie de monumento erguido pela engenharia ferroviária.
Tudo
era diferente naquele caminho. Os estreitos de pedra que a composição
atravessava eram assustadores. As plantações sempre pareciam a Sônia muito
grandiosas, o convívio entre garças e gado, nos pastos e nos terrenos pantanosos,
mostravam à menina a diversidade de vida existente. Quanto beleza Sônia extraiu
de uma revoada de carcarás assustados com o apito da locomotiva soltando seus
grossos rolos de fumaça.
Entre
as cinco da manhã e as seis e meia da tarde, o trem saiu de Campina Grande e
parou nas estações de Ingá, Mogeiro, Itabaiana, São Miguel de Taipu, Cruz de
Espírito Santo, Santa Rita, Bayeux, João Pessoa e Cabedelo, o seu ponto final.
O
vagão restaurante, frequentado pelos passageiros da primeira classe, era muito
elegante. O horário do café da manhã e do almoço permitia uma espécie de
desfile de modas com os homens vestidos em ternos de linho diagonal ou confeccionados
em tropical inglês. As mulheres envergando seus vestidos de seda, voil
ou de organza.
Orozimbo
brindou ao sucesso da viagem e da nova vida e ofereceu uma taça de vinho a
Sônia que o acompanhou. Para comer, por sugestão do mascate, cada um pediu um Tournedos
Rossini au Foie Gras, à La Truffe, et Sauce au Porto. Sônia nunca tivera
antes suas papilas gustativas estimuladas por sabores tão raros e tão refinados
como aqueles da culinária francesa que acabara de conhecer.
Quando
o trem abriu as portas na estação de João Pessoa, faltava menos de uma hora
para a última estação do périplo. Sônia pressentia que estava colocando os pés
num mundo novo e completamente desconhecido. Tudo pronto para iniciar vida nova
em uma terra que lhe sorriria ou ofereceria um ciclo de pesadelos. Ela não era
capaz de ter resposta para todas as suas indagações.
*Jornalista, doutor em Educação, professor aposentado do Departamento de História, do Mestrado em História e do Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe. Membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
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