Jorge
Carvalho do Nascimento
Como
fazia a cada último sábado do mês, Orozimbo acordou cedo, arrumou a mala e as
sete e meia estava sentado à mesa, ao lado de Sônia. Era a época da safra dos
sapotis, a fruta predileta do mascate. Comeu apenas um. Contudo, refestelou-se
com as bananas. Foram quatro bananas d’água e um copo cheio de jenipapada.
-
Tenho fé que a banana vai me curar dessa brochura temporária. Tenho comido
banana d’água diariamente. Meu compadre Jacaré, o relojoeiro, teve um problema
pior do que o meu e ficou totalmente curado comendo banana d’água – falou Orozimbo.
Sônia
não concordou com o amado:
-
Você pode comer um pomar inteiro de bananeiras que não vai ficar curado. Já
perguntei a Dadá que entende de homem e ela acha que macho com a doença do
sangue doce nunca mais vai ver uma mulher de perna aberta.
O
fato é que Orozimbo estava buscando de todas as formas um caminho para se
sentir macho novamente. Voltar a fazer a sua Sônia gemer de satisfação na cama.
A moça, contudo, não dava nenhum crédito a tal possibilidade. Já tentara de
tudo e a libido do mascate não deu nenhum sinal de recuperação.
Discutindo
sobre o assunto, ele resolveu perguntar a algo que o deixava intrigado. Notou
que a casa sempre consumira banana prata, mas nas suas últimas três visitas a dispensa
estava abarrotada de banana d’água.
-
Você nunca gostou de banana d’água. Sempre preferiu a prata. Por que essa
mudança? – indagou.
-
Não tenho mais homem. Sou uma mulher carente. Antes e depois das regras eu fico
subindo pelas paredes. Não quero cornear você. Uma banana d’água ainda meio
verdosa, sem casca, é tudo que uma mulher fogosa pode desejar, na falta de um
homem. E quando falta banana, ainda tenho a cenoura. Uma cenoura raspada, bem
limpa, bem lisinha, depois de cinco minutos no fogo é tudo que uma mulher
carente precisa. Não pode deixar ferver. Eu enlouqueço de tanto prazer –
respondeu Sônia.
Orozimbo
saiu pensando:
-
Ao menos não sou corno.
Tomou
o trem e retornou a João Pessoa.
Sábado
era dia de feira. Sônia foi às compras. No mercado contratou o musculoso
Hildebrando, como costumava fazer habitualmente. Balaio enorme na cabeça e uma
sacola em cada mão, além das duas sacolas carregadas por ela, o musculoso a
acompanhou até sua casa e ajudou Dadá a arrumar as compras na dispensa.
Eram
pouco mais de três da tarde, Sônia descansava no seu quarto quando foi
admoestada por Dadá. Era Henrique, o caboclo seu amigo, zelador da Casa
Paroquial, informando que o Padre Galo avisara que necessitava dos préstimos
dela a partir das seis da tarde, para redigir um relatório urgente que deveria
ser encaminhado ao arcebispo na manhã seguinte.
Pontualmente
as 18 horas, lá estava Sônia. O Padre Galo a recebeu com muitas gentilezas e
perguntou se Orozimbo já havia regressado a João Pessoa. Sônia respondeu que
ele partira na manhã daquele sábado. Imediatamente, o pároco lhe repassou as
responsabilidades do trabalho e passaram os dois a cuidar das tarefas.
Trabalharam
em uma mesa grande, na sacristia da casa paroquial. Cada um em uma cabeceira.
Produziram um inventário circunstanciado acerca dos bens da Igreja do Sagrado
Coração de Jesus. Sônia ficou atenta, mas não conseguiu perceber em nenhum
momento acusações infundadas de dilapidação dos bens materiais que
eventualmente Galo tivesse feito ao Frei Fernando.
Perto
das nove da noite, prontos os relatórios, assinados pelo Padre e colocados nos
envelopes que seriam enviados para o arcebispo, Galo convidou Sônia a jantar
com ele. A mesa já estava posta. Arrumada com muito esmero para duas pessoas,
com pratos, talheres, copos, taças e guardanapos de linho bordado.
-
Mandei preparar a mesa toda especialmente para você – comentou o Padre Galo.
Sônia
se fingiu de desentendida. Sentou-se à mesa em silêncio e foi servida pelo Padre
com água e uma taça de vinho tinto. Em seguida, o sacerdote foi ao fogão e com
uma concha transferiu da panela que descansava sobre a chapa quente para uma
terrina de porcelana branca esmaltada com flores douradas o consomé de
abóbora.
Tomaram
a sopa e, na sequência, o pároco serviu um filé a Osvaldo Aranha, naquele ano
de 1934 o prato que era sensação nos restaurantes mais sofisticados do Rio de
Janeiro. Galo dominava a culinária desde o tempo em que vivia a vida boêmia e
era conhecido como Pente Fino.
Na
sobremesa, o sacerdote serviu o doce que encantava a moça e que ela própria já
havia falado ao padre da sua paixão pelo Doce de Putas. A iguaria era o
conhecido doce de banana cortada em rodinhas cozidas com uma calda de açúcar escura
reduzida, quase mel. Simplesmente irresistível.
-
Quase meia noite. É melhor você dormir aqui. A charrete não está arreada e sair
pelas ruas de Cabedelo esta hora não é seguro – afirmou Pente Fino.
- Durmo se você prometer que se comporta e me trata com respeito. Informo que antes das seis da manhã eu vou embora pra minha casa. Não posso deixar que as fofoqueiras da Igreja comecem tudo novamente. Já escapei de uma situação difícil e não quero cair em outra - foi a resposta da sertaneja.
Excelente, leitura agradável e conteúdo oportuno.
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