Jorge
Carvalho do Nascimento
O
vetusto salão nobre do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, em João
Pessoa, abriu suas portas em câmara ardente para as exéquias do desembargador Elífio
Campos, magistrado de muito prestígio no Poder Judiciário paraibano. Morto por
uma machadada do Padre Galo, o seu óbito provocou consternação na capital
paraibana. A exceção eram os habitantes de Cabedelo, onde o Desembargador não gozava
de boa fama.
Contrito,
o interventor federal, Gratuliano da Costa Brito, amigo de Elífio desde a
infância, era o primeiro da fila de condolências, cumprimentando a viúva Stella
Campos. Ao lado do interventor, o desembargador Paulo Hipácio da Silva, o chefe
do Poder Judiciário. Com ele, os demais desembargadores.
Toda
a elite paraibana formada por empresários que controlava áreas importantes da
economia estadual como os algodoeiros, proprietários de empresas de navegação,
importadores de máquinas e equipamentos, exportadores de algodão, comerciantes
do varejo, enfim toda a gente poderosa do Estado.
Érica,
a filha mais velha do desembargador, grávida, não compareceu. Tão logo tomou
conhecimento da morte do pai, a primogênita assumiu a culpa pelo acontecimento.
Teve um surto que a levou para atendimento médico em João Pessoa, onde estava
hospitalizada. A menina se sentia responsável pela tragédia, por haver
engravidado do Padre Galo.
O
corpo de Elífio ainda não havia sido levado a sua última morada, no tradicional
Cemitério Senhor da Boa Sentença, e a viúva Stella já havia decidido que
venderia todas as propriedades da família em Cabedelo e em João Pessoa e
retornaria com suas filhas para Natal, no Rio Grande do Norte, onde vivera com
seus pais até casar-se com Elífio que conhecera nas bodas da prima Belmira que
vivia em João Pessoa.
Quanto
a sua filha Érica que havia causado tamanho desgosto a toda a família, Stella
também já decidira. Ela seria colocada como noviça em um Convento de Freiras da
Ordem das Dominicanas de Santa Catarina de Sena. Ali atravessaria a gravidez e
depois do nascimento da criança se dedicaria a vida religiosa.
A
sociedade paraibana não humilharia a família por ter uma filha mãe de um
rebento do pecado, que engravidara de um padre, desonrando o bom nome e as
tradições do honrado clã dos Campos. Logo após o nascimento, as freiras doariam
a criança por adoção a uma família de bem e o assunto estaria resolvido e
esquecido para sempre.
O
arcebispo de João Pessoa, Dom Moisés, passou pelo velório do desembargador, no
Tribunal de Justiça, fez a encomendação do corpo do magistrado e seguiu para
cumprir a obrigação de comandar, em Cabedelo, o velório do Padre Galo a quem
considerava, praticamente, como um filho.
Estava
preocupado com o ambiente que encontraria na Paróquia do Sagrado Coração de
Jesus, dadas as circunstâncias sob as quais morreu o sacerdote. Imaginava que
não haveria pessoas em quantidade suficiente para transportar o corpo embalsamado
do Padre até o cais, onde seria embarcado no paquete Baependi, com destino ao
Rio de Janeiro, onde seria entregue à sua família.
Para
surpresa do arcebispo, ao chegar ao templo, ele encontrou uma multidão entre
contrita e aos prantos, velando os restos mortais do Padre alvejado pela pistola
do desembargador. O Padre Galo era queridíssimo, principalmente entre as
mulheres, tanto as casadas com figurões da alta sociedade quanto as beatas mais
humildes.
O
fato é que por alguma razão, o sacerdote conquistara a confiança, a admiração e
o afeto das mulheres de Cabedelo que o adoravam. O corpo do padre, colocado
sobre uma mesa em meio a nave do templo, era admirado por uma multidão de
mulheres que formavam uma longa fila que serpenteava ao redor do ataúde.
Dom
Moisés chegou, colocou-se em pé diante da cabeceira do morto e iniciou o
serviço religioso de corpo presente. A homilia versou sobre a purificação do
pecado, citando Hebreus 10:12-36:
-
Porém Jesus Cristo ofereceu só um
sacrifício para tirar pecados, uma oferta que vale para sempre, e depois
sentou-se do lado direito de Deus. Ali Jesus está esperando até que Deus ponha
os seus inimigos como estrado debaixo dos pés dele. Assim, com um sacrifício
só, ele aperfeiçoou para sempre os que são purificados do pecado. E o Espírito
Santo também nos dá o seu testemunho sobre isso. Primeiro ele diz: “Quando esse
tempo chegar, diz o Senhor, eu farei com o povo de Israel esta aliança: Porei
as minhas leis no coração deles e na mente deles as escreverei”. Depois ele
diz: “Não lembrarei mais dos seus pecados nem das suas maldades”. Assim, quando
os pecados são perdoados, já não há mais necessidade de oferta para tirá-los.
Por isso, irmãos, por causa da morte de Jesus na cruz nós temos completa
liberdade de entrar no Lugar Santíssimo.
Em
meio a prédica do arcebispo, formou-se no templo um grande burburinho, uma
algazarra geral. A luz do sol que entrava pela porta era muito forte e quem
estava na penumbra da Igreja vislumbrava em contraluz. Foi assim que Dom Moisés
avistou aquela bela silhueta de mulher.
O
arcebispo nunca estivera pessoalmente com Sônia, mas lera muito a respeito da
sertaneja. Mesmo com as anáguas e o camisão que se costumava usar sob as roupas
mais finas, a força da luz do sol permitiu ao prelado perceber o desenho do
belo corpo de fêmea que se insinuava à sua retina.
-
Sagrado coração de Jesus, livrai-me da concupiscência da carne – balbuciou para
si o arcebispo.
Em
uníssono as mulheres começaram a gritar:
-
Fora messalina... Fora messalina... Fora messalina... – todas estavam
indignadas com a presença de Sônia.
As
senhoras de Cabedelo entenderam que deveriam atribuir a responsabilidade pela
morte do Padre Galo aos pecados de Sônia. Coisa que se iniciara com o
desvirtuamento do Frei Fernando. Naquele momento a sertaneja entendeu que dali
pra frente a sua sobrevivência em Cabedelo não seria nada fácil.
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