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O SONHO DO ABORTO


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

Quase uma semana tentando diferentes métodos abortivos e nenhum resultado. Sônia cada vez mais tensa e Dadá mais preocupada a cada novo dia. Um, insucesso após o outro e o medo do que as marocas cabedelenses falariam quando a barriga começasse a crescer. Esta era a nova rotina de vida da sertaneja.

Na tarde do sábado, uma nova e surpreendente visita do Desembargador Elífio. Desta vez, nada de abraços, nem presentes, nem dinheiro e nenhum sorriso. O rosto sisudo revelava a cara de poucos amigos e denunciava que a missão do magistrado não seria a celebração da paz e a retirada das tensões dominantes.

- Você já se livrou da barriga? – foi o boa-tarde do magistrado.

Suando frio, as mãos e os lábios trêmulos, o medo do uso da força física e da violência por parte do juiz torturavam a menina Sônia.

- Tenho tentado de tudo e até agora não consegui – balbuciou a cortesã.

Em tom imperativo e com voz tonitruante, Elífio sentenciou:

- Se você continuar prenha e sua barriga começar a crescer, vai ter que se mudar de Cabedelo. Eu não vou permitir essa desonra praticada por uma mulher da vida, uma rapariga como você. Se for preciso, compro sua casa, boto suas coisas num carro de bois e deporto você daqui. Daqui a uma semana venho de novo ver se você já resolveu esse problema. Você só sabe criar problema. Não consegue resolver nada. Quem você pensa que é?

O poderoso deu meia volta, saiu batendo os pés e se retirou deixando a porta aberta. Sônia fechou a porta e caiu em choro convulsivo na sua cama. Tarde de tormentos, noite de pesadelos. Quando Dadá chegou para preparar o café da manhã, a encontrou vestida numa camisola de seda, sentada na cama com as olheiras da noite mal dormida e com as maçãs do rosto marcadas pelo oceano de lágrimas derramadas.

Sentou-se a seu lado, fez Sônia deitar um pouco e colocar a cabeça em seu colo e em seguida perguntou-lhe o que acontecera. A sertaneja contou detalhadamente a visita do Desembargador, as ameaças que este fizera e a sentença que promulgara antes de sair da sua casa.

Dadá consolou Sônia e disse-lhe que na semana seguinte tentariam outros métodos abortivos mais eficazes. E assim aconteceu. Aconselhada pela sua empregada doméstica, Sônia foi e voltou a pé de Cabedelo a João Pessoa. As marchas forçadas eram tidas como um eficaz método abortivo.

Perceberam que a metodologia não surtiu nenhum efeito além do cansaço nas pernas e nos quadris da moça. No quintal de casa, assistida por Dadá, forçou algumas quedas, sempre procurando cair com a barriga para baixo. Não funcionou. A preta fez muitas compressões no ventre de Sônia, sem conseguir provocar nenhum sangramento vaginal. Sem falar nas massagens quase diárias.

Dadá sempre dizia que esses métodos funcionavam com outras mulheres, mas não funcionaram com Sônia, certamente por esta ser uma mulher muito jovem, bem nutrida e forte.

- A nossa esperança agora é tentar alguns chás – orientou a empregada doméstica.

E assim aconteceu. Primeiro foram os chás e depois as decocções, o cozimento de algumas ervas para extrair o princípio ativo nelas existente. A primeira tentativa foi a cila, uma planta com bulbo que dá umas flores brancas, A sabedoria popular crê que a planta possui poderes de estimular o aborto. Mas, Sônia tomou o chá e nada aconteceu.

A salsaparrilha é uma planta com propriedades anti-inflamatória e sudorífica. A medicina popular diz que a erva não deve ser tomada por mulheres grávidas porque se acredita que ela provoca o aborto. Dadá administrou generosas quantidades do chá de salsaparrilha, mas Sônia não abortou.

Outra tentativa foi a do chá de gaiaco, também conhecido no norte do Brasil como lenho-santo ou pau-santo. Outra vez, tempo perdido. O organismo de Sônia era absolutamente insensível a todos esses chás, mas a sua empregada doméstica era incansável e sempre encontrava uma nova substância abortiva para fazer uma nova bebida.

O chá de melissa era outro que a medicina popular desrecomendava para mulheres grávidas por considerá-lo abortivo. Dadá não teve dúvida e empanturrou Sônia com a bebida. Nada era suficiente para interromper a gestação da moça. No máximo ela tinha crises de incontinência urinária. A mesma coisa se repetiu com os chás de camomila e Artemísia.

Nem drogas mais pesadas, com ação direta sobre o útero e que colocavam a vida das mulheres em risco foram suficientes. Teixo, sabina, zimbro, tuia, atanásia, arruda e centeio espigado não foram capazes de resolver o problema que poderia destruir a boa vida da sertaneja.

Ela não teve coragem de se entregar a terapias mais arriscadas que, normalmente, provocavam o aborto e em boa parte dos casos também matava a gestante. Métodos que tinham por base substâncias químicas venenosas como arsênico fosfóro, antimônio, mercúrio, chumbo, sulfureto de carbono, iodeto de potássio, sulfato de quinina, clorofórmio, cantáridas, permanganato de potássio, veratrina e pilocarpina foram recusados por Dadá e pela própria Sônia.

Triste, ela confessou à sua doméstica:

- Sei que vou sofrer muito. Resolvi lutar contra o juiz. Vou ficar com a barriga...


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