Jorge
Carvalho do Nascimento
A
noite foi muito difícil para o Padre Galo. Ele tinha certeza de que se fora
Pente Fino, Sônia não escaparia. Aquela seria a noite do banquete tão esperado
por ele, no qual Sônia deveria ser o prato servido em bandeja rica e bem
ornamentada posta sobre a sua cama. Galo sabia que o objeto do desejo estava no
quarto ao lado do seu.
Padre
bem formado pelo Seminário Arquidiocesano São José, Galo era consciente quanto
a importância do voto de celibato que fizera ao prometer a castidade. Não
pretendia quebrá-lo, mas o desejo falava mais alto. Seu corpo ardia em brasa e
em seus ouvidos, na sua consciência, a voz de Lúcifer não parava de ecoar.
-
Vai Pente Fino. Não se acovarde. Você é homem e precisa disto. Não deixe
escapar uma mulher tão bonita, tão atraente, tão sedutora. Não se preocupe com
o voto de celibato. Você não será o primeiro sacerdote católico a quebrá-lo. O
mundo está cheio de filhos de Padre. A Igreja finge que não vê, mas é normal.
No
quarto ao lado, Sônia também não conseguiu pregar o olho. No período
pré-menstrual ela costumava sentir algumas dores causadas pela sua
endometriose. O efeito colateral era o exacerbado e insaciável desejo de
coabitar. Suas mamas estavam enormes, como ocorria mensalmente.
Ela
pensou muito. Não gostava do Padre Galo por tudo o que ele fizera com o Frei
Fernando, mas refletiu com os seus botões:
-
Não é homem para ser jogado fora por uma mulher que gosta de macho. Eu não vou
sair da minha cama, mas se ele vier até aqui e tomar saliência eu não vou
recusar. Sei que vai ser muito bom. Eu estou carente, eu preciso muito e hoje
vai ser uma noite que eu nunca vou esquecer.
Com
esses pensamentos, Sônia cochilou um pouco, para despertar logo em seguida. O Padre
resistiu bravamente e lá não apareceu. Quando Sônia percebeu os primeiros raios
de sol atravessando as frestas da janela do quarto, abriu a bolsa e verificou o
relógio de ouro presenteado por Orozimbo. Eram cinco e cinco da manhã.
-
Este Padre Galo não gosta de mulher – pensou Sônia.
Se
vestiu ajeitou rapidamente os cabelos e as cinco e 20 já estava na calçada,
iniciando o caminho até a sua residência. Do seu quarto, o Padre vira tudo, mas
fingiu estar dormindo. Sônia não sabia se uma oportunidade como aquela poderia
se repetir. O fato é que estava indignada com Galo e foi até a sua casa
praguejando contra ele.
Quando
abriu a sua porta, Dadá ainda não tinha chegado para preparar o café da manhã.
Caiu na cama cansada e dormiu o sono dos justos. Sonhou com o Padre Galo nu
sobre a sua cama. A raiva que sentia dele se transformara em desejo e no sonho não
entendia por que o Padre não foi até o quarto onde ela dormiu. Tinha a sensação
de haver sido rejeitada.
Quando
acordou eram nove horas. Foi ao banho e cumprimentou Dadá. A preta
perguntou-lhe por que acordara tão tarde.
-
Estou bem cansada, trabalhei muito na noite de ontem, na Casa Paroquial –
respondeu.
-
Eu conheço muito bem esse tipo de trabalho – comentou Dadá.
Antes
tivesse sido – resmungou Sônia.
Como
fazia sempre aos domingos, Dadá serviu o almoço da sua patroa e voltou para sua
casa. Sônia ainda estava sentada à mesa quando ouviu batidas na porta da frente
da sua residência. Não estava esperando ninguém. Tomou um gole d’água e foi até
a porta. Abriu o postigo e ficou chocada. Era o desembargador Elífio, em carne
e osso.
-
Posso entrar, Dona Sônia? – perguntou o magistrado.
-
O que o senhor deseja aqui na minha casa? Nós não somos amigos e não há nada
que a gente possa conversar – disse ela.
-
Por favor. Prometo que não serei inconveniente.
Sônia
cedeu, abriu a porta. Apontou ao desembargador uma poltrona que havia na sala de
visitas e sugeriu que ele tomasse assento.
-
Sou toda ouvidos – disse, passando a palavra a Elífio.
.
Devo-lhe um pedido de desculpas – começou o magistrado. E prosseguiu:
-
Eu a julguei mal, a prejudiquei e estou profundamente arrependido. O Padre Galo
mostrou-me o seu depoimento e eu pude conhecer a história da sua vida. Estou
mesmo terrivelmente arrependido. Por isto, além do meu pedido de desculpas,
peço-lhe que aceite este buquê de rosas.
O
desembargador colocou a mão na sacola que levava e apanhou as flores amarradas
com um laço de fita vermelha e um cartão escrito de próprio punho:
-
À Senhora Sônia, com o meu arrependimento pelo equívoco que cometi. Com a minha
admiração e o meu respeito. Elífio.
Sônia
recebeu as flores e o cartão. Pela primeira vez percebeu que aquele homem de
quase 60 anos, apesar de rechonchudo, se vestia com muita elegância e tinha um
grande sorriso iluminado no seu rosto. Prestou atenção na elegância do terno de
linho branco e nos sapatos bicolores. Pensou:
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