Jorge
Carvalho do Nascimento*
Desde
que chegou a Cabedelo, Sônia se encantou com o mar. Andar pelas muitas praias
daquele distrito paraibano era o seu passeio predileto. Em pouco tempo conhecia
as praias de Mar do Macaco, Jacaré, Ponta de Campina, Almagre, Camboinha, Formosa,
Miramar, Ponta de Mato.
Sônia
acordou cedo. Era novembro de 1933. O dia ensolarado, era convidativo. Ela
sentou-se numa cadeira de balanço e começou a pensar no quanto de mudanças
havia experimentado durante aquele ano. Chegara em Cabedelo no mês de maio,
ganhou de presente do seu amado uma bonita casa na cidade, completamente
mobiliada.
Vivia
bem. Desde que chegara, recebia mensalmente uma pensão financeira que lhe
permitia de uma vida igual a das madames ascendentes das camadas médias da
sociedade paraibana. Na última semana de cada mês recebia a visita do seu amado
Orozimbo. Eram dias muito agradáveis nos quais amava, se entregava aos prazeres
do sexo e recebia muito carinho.
Mas,
faltava-lhe algo. Sônia não sabia bem o que era. Três semanas sozinha a cada
mês se arrastavam e aos poucos o tempo se encarregava de apagar o prazer de uma
única semana ao lado do seu Orozimbo. Agora, mesmo com apenas 15 anos de idade,
os solavancos da vida serviram para que ela conhecesse precocemente os sabores
amargos da maturidade.
Notava
que o fogo, o ardor do desejo que Orozimbo manifestava quando se conheceram já
não era mais o mesmo. Havia um esfriamento do apetite sexual do amado, como um
fogão à lenha, cujo calor vai esmaecendo à medida que a madeira se torna em
cinzas. Acostar-se já não era tão bom quanto fora no início.
A
ausência de amizades em Cabedelo fazia mais intenso o gosto travoso da solidão.
As marocas que frequentavam a sacristia da Igreja do Sagrado Coração de Jesus a
viam como uma mulher-dama e não aceitavam a sua presença entre as mães de família,
mesmo tendo aquelas senhoras fantasias e pensamentos pecaminosos e recônditos,
quando não um romance real secreto.
O
frei Fernando não cansava de adverti-las que Sônia era a principal contribuinte
das campanhas e das obras da paróquia, que era uma rica herdeira, que tinha
investimentos nos bancos de João Pessoa e que o homem que a visitava mensalmente
durante uma semana era o seu tio que recebera a incumbência de proteger a rica órfã.
O frade não conseguia convencer ninguém.
Da
última vez que recebera a visita de Orozimbo, Sônia questionou o porquê do esfriamento
do seu homem. Ele esclareceu que vinha muito preocupado nos últimos tempos com a
sua saúde, o enfraquecimento das suas forças, da sua energia. O desejo
continuava a existir na sua cabeça, mas o corpo já não mais respondia do mesmo
jeito.
Sônia
descobriu que o seu homem fora a uma consulta em João Pessoa com o médico Valmir
Vinicius, o mais importante clínico da capital do Estado da Paraíba, que
acabara de chegar depois de um ano de estudos avançados em Londres, então o
mais importante centro de pesquisa da temática das doenças sexuais masculinas.
Foi
o Dr. Valmir que descobriu o avançado quadro de diabetes instalado no corpo de
Orozimbo. Explicou ao seu paciente a razão dele sentir tanta sede e de ter
tanta vontade de descarregar a urina, complicações crônicas da doença. Orientou
Orozimbo a se afastar de um dos prazeres que mais apreciava – o consumo de
doces.
Por
fim, o médico esclareceu os problemas de visão que já acossavam os olhos do seu
paciente. Alerta final: em pouco tempo o mascate seria sexualmente impotente e
não teria mais ereções que permitissem a este desfrutar do prazer da boa cama
com a mulher da qual tanto gostava.
A
revelação dilacerou o peito da menina de 15 anos que tinha dificuldade de
compreender e aceitar essas coisas. Sabia que a impotência de Orozimbo
representaria gradativamente a cessação da sua fonte de receita e que o mascate
estaria cada vez mais limitado em seus movimentos, podendo até perder completamente
a visão e os membros inferiores.
Depois
daquela semana, quando Orozimbo partiu para João Pessoa, Sônia buscou a única
pessoa que se dispunha sempre a ouvi-la e que lhe tratava com respeito,
compreendendo as suas sensibilidades e dificuldades diante de um mundo que lhe
era sempre absolutamente hostil. Num final de tarde foi até a Casa Paroquial e
abriu seu coração, revelando suas angústias ao Frei Fernando.
Ferdinand
Hollensteiner Wietzel, nome civil do frade alemão mandado ao Brasil pela sua
Ordem logo após o início da atividade clerical, era um homem branco de cabelos
loiros e lisos, com 1,75 metro de altura, esbelto, com o hábito de praticar
diariamente exercícios físicos que o faziam musculoso aos 36 anos de idade.
Em
12 anos de Paraíba, Frei Fernando tinha pleno domínio da Língua Portuguesa e se
desvencilhara do sotaque do seu idioma original. A sotaina escura não conseguia
esconder o brilho dos seus olhos verdes e a elegância do corpo esbelto e cheio
de músculos que arrancava suspiros e estimulava os sussurros das beatas da paróquia.
Naquela
noite, Sônia conversou com o Frei Fernando durante mais de três horas, chorou,
recebeu o seu apoio e o seu abraço. Passava das 10 da noite quando o Frade
colocou uma sopa quente e um pão para ele e Sônia. Ambos estavam famintos. Não
era recomendável que quase meia noite, depois de encerrada a refeição, ela
saísse da casa paroquial para a sua residência. Seria muito perigoso.
Sônia
foi acomodada no quarto de hóspedes da Casa Paroquial. O frade se instalou em
seus aposentos e, após as orações que fazia habitualmente antes de dormir,
fechou os olhos, completamente exausto.
*Jornalista, doutor em Educação, professor aposentado do Departamento de História, do Mestrado em História e do Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe. Membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
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