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O VEREDITO


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

O Padre Galo estava pronto para encerrar o seu inquérito e produzir o relatório que entregaria ao arcebispo Dom Moisés, em João Pessoa. Ouvira atentamente o quarto e último depoimento de Sônia e estava certo quanto a inocência da concubina do mascate Orozimbo.

Silenciosamente tomou o trem para João Pessoa e na sexta-feira estava sentado à mesa do café da manhã com o governante da Arquidiocese. A conversa durou toda a manhã. Galo relatou circunstanciadamente tudo que acontecera na Paróquia do Sagrado Coração de Jesus.

O Padre Galo conseguira convencer o chefe da Igreja Católica em João Pessoa que Sônia era uma vítima da pobreza, das circunstâncias de uma sociedade injusta, uma filha da estiagem no sertão da Paraíba, uma menina-mulher que lutou precocemente para conseguir a sobrevivência.

Principalmente, era vítima de uma sociedade hipócrita que vivia ao redor do Porto de Cabedelo, onde existia todo tipo de negócios desonestos e antros de perdição onde mesmo as moças de família acabavam se perdendo e passavam a vida entregues ao pecado da luxúria.

Por fim, o Padre Galo convenceu o arcebispo de que Sônia fora vítima da boa conversa de um homem que deveria zelar pela manutenção da honra da moça e se insinuou nos passeios a praias bucólicas que encantou a sertaneja criada longe do luxo e da sensualidade dos balneários de água salgada.

Galo colocou um peso muito grande na responsabilidade que havia apurado quanto ao comportamento moral degradado de Sônia, alegando que pela boa formação que tivera o frade, pelos votos de castidade que fizera, era imperdoável o modo como havia se relacionado com a amante de Orozimbo.

O arcebispo ficou agradecido ao Padre Galo pela investigação e apuração das responsabilidades de tudo que ocorrera em Cabedelo. Depois de manifestar a sua satisfação com o trabalho do seu assessor, o governante da Igreja paraibana perguntou o que ele desejava como reconhecimento aos seus méritos. O Padre não se fez de rogado e pediu para ser o titular da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus. Dom Moisés aquiesceu imediatamente. 

Quando chegou ao gabinete do arcebispo no final da tarde, atendendo a convocação que lhe fizera Dom Moisés, o Frei Fernando já havia percebido que o caldo azedara e que ele teria problemas gravíssimos. A cara do arcebispo era de poucos amigos e a rispidez com que recebera o alemão não deixou nenhuma dúvida quanto a isto.

O arcebispo de João Pessoa sequer convidou o frade para tomar assento em uma das cadeiras. Manteve o moço de pé e com base no relato que ouvira pela manhã da parte do Padre Galo, foi logo dizendo ao Frei Fernando que considerava o seu comportamento reprovável e que na manhã seguinte ele deveria partir com destino a Manaus onde trabalharia em uma paróquia que se encontrava vaga na periferia da capital do Amazonas.

O Frei Fernando teria uma longa, penosa e demorada viagem pela frente e antes de se retirar da sala ouviu do arcebispo algumas importantes observações: não voltar a Cabedelo para se despedir de ninguém e aproveitar os dias que passaria viajando em trens e em barcos para se penitenciar rezando o terço.

O Padre Galo arrumou suas coisas e no sábado mesmo chegou à Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, em Cabedelo, para assumir a titularidade do seu novo trabalho como sacerdote. Na primeira missa que rezou, deixou informados os fiéis de que o misericordioso Dom Moisés resolvera perdoar os pecados da irmã Sônia e com base nos bons serviços prestados à Paróquia por ela decidiu manter o contrato dela como Secretária da Casa Paroquial.

Após a missa da manhã do sábado, o Padre Galo foi até a residência da sertaneja indagar do porquê da sua ausência no serviço religioso daquele dia. Sônia afirmou que estava ansiosa e que somente retornaria à Igreja depois que tomasse conhecimento da solução que fora dada pelo arcebispo a investigação que Galo realizara em Cabedelo.

O Padre informou que Sônia se tranquilizasse. O arcebispo a perdoou quanto a eventuais pecados que ela pudesse ter cometido e, mais ainda, o autorizou a mantê-la trabalhando com secretária da Casa Paroquial. Sônia sorriu. Estava muito feliz e perguntou ao Padre Galo quando o Frei Fernando reassumiria a liderança da Paróquia.

Sônia ficou com o moral ao rés do chão e foi tomada por um enorme sentimento de culpa quando soube que o Frei Fernando estava em um trem, viajando para o Porto do Recife, onde embarcaria em um navio com destino ao Porto de Belém do Pará e de lá tomaria um outro navio para Manaus.

Revolta e indignação foram os sentimentos de Sônia ao perceber toda a trama que fora armada pelo Padre Galo, buscando aproximar-se dela. Sentira que o seu primeiro amor estava lhe escapando entre os dedos por culpa da disfunção erétil provocada pelo diabetes. O Frei Fernando, o seu novo amor, fora tirado pela maldade e pela inveja do Padre Galo, já claramente interessado em Sônia.


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