Jorge
Carvalho do Nascimento
Desde
a sua chegada a Cabedelo até o segundo depoimento de Sônia, o Padre Galo mudou
completamente de opinião a respeito do comportamento da sertaneja. A mulher
desqualificada que existia anteriormente na consciência do sacerdote, era agora
uma vítima da desigualdade social e da crueldade do mundo.
Ele
não parava de pensar no que deveria fazer. Havia lido detalhadamente cada um
dos 22 depoimentos que ouviu e agora, marcara já um terceiro encontro para
registrar mais informações sobre a vida de Sônia. As dúvidas lhe assaltavam o
pensamento sem parar. Deveria acusar Sônia, como fizeram todos os detratores
que depuseram contra ela? Deveria responsabilizar o Frei Fernando?
Sem
falar que a beleza, a doçura e a leveza daquela jovem mulher despertaram um
pouco do Pente Fino que ainda habitava os recônditos da consciência do Padre
Galo. Pela segunda noite consecutiva acordara sobressaltado, em ereção, com o
imaginário construindo-lhe inconscientemente imagens daquela mulher em
situações de erotismo.
Imediatamente
levantou-se da cama, caiu de joelhos em oração, tomou um banho frio e rezou o
terço para tentar conseguir pegar no sono novamente. O pároco estava confuso e
não conseguia saber se aquilo era bom ou ruim. E assim, com sono interrompido,
atravessava o resto da madrugada até os primeiros raios do sol se infiltrarem
entre as frestas dos seus aposentos.
Na
missa das oito horas daquela terça-feira em que faria a terceira oitiva de
Sônia, durante o seu sermão, resolveu predicar a respeito do Evangelho de São
João que trata do caso da mulher adúltera apresentada a Jesus para que Ele
decidisse se ela deveria ou não ser apedrejada.
Os
homens e mulheres cercavam Jesus na expectativa de que ele discursasse
mostrando a importância do poder da lei e da autoridade. Os escribas
apresentaram a Jesus a mulher que fora surpreendida em flagrante de adultério.
O Padre Galo conduziu o seu discurso mostrando ao templo que ontem como hoje a
sociedade está enlameada pela própria imoralidade e pela falsidade da maior
parte das pessoas que fazem a pregação moral excluindo o diferente. Tudo
falsidade, sob a ótica do celebrante.
O
sacerdote fez ver aos fiéis presentes na Igreja que em tal episódio Jesus agiu
com muita serenidade. O Messias destacou o valor e a imutabilidade das leis de
Deus, dos mandamentos divinos. Mostrou que o bom cristão deve retirar do lixo o
indigente e colocá-lo à mesa, ao lado dos nobres.
Lembrou
das palavras do próprio Cristo: “nem eu te condeno. Vai e de agora em diante
não peques mais”. O Padre Galo, sóbrio naquele dia, revelou que o homem e a
mulher devem ser restaurados do pecado pela ação do Espírito Santo. E novamente
citou Jesus: “Quem de nós está sem pecado, que atire a primeira pedra”. Nós
julgamos sempre que o pecado está no outro e nunca em nós.
Aquele
sermão foi libertador para o Padre Galo que recebeu Sônia às nove e meia da
manhã com um largo sorriso no rosto e a certeza que estava diante de uma boa
cristã marcada pelo sofrimento. Ao recebe-la, afirmou: “Irmã Sônia, o amor
nasce sempre da misericórdia”.
Ela
começou a discorrer sobre a importância que teve na sua vida o encontro com
Orozimbo. Foi o primeiro homem delicado e carinhoso que ela conheceu. Como se
fora pouco, era elegante e andava sempre com trajes que se ajustavam ao seu
corpo revelando o quanto ele sabia cuidar de si.
Toda
a atmosfera que o mascate criou foi essencial para a sua decisão de entregar a
ele a primazia da perda da virgindade. Percebeu que acertara ao acreditar em
todas as promessas que ouviu e não relutou em seguir com o comerciante em
direção a Cabedelo. Foi a oportunidade de se ver livre da vida miserável que
levava em São José das Pombas. Pena que sua mãe e a sua irmã optaram por permanecer
naquela localidade.
Era
grata pela chance que teve de conhecer os caminhos que percorreu com a tropa de
éguas e burros do mascate. Pelos lugares que conheceu e pela descoberta do
desenvolvimento de Campina Grande. Nunca pensou em frequentar os hotéis
luxuosos nos quais se hospedou nem se sentar à mesa dos restaurantes nos quais
Orozimbo a levou. Algo que nunca havia imaginado antes.
Jamais
pensou que teria roupas elegantes e sapatos tão refinados. Muito menos que
fosse aprender tantas regras de boa educação que iam de saber falar baixo,
entrar e sair, ser delicada a todo sortimento de bons modos próprios das
pessoas bem nascidas e não de uma sertaneja pobre como ela.
E
o que dizer da viagem de trem que a fez chegar em Cabedelo? Como ela, uma
sertaneja que nasceu tão miserável poderia ser, como era, a proprietária de uma
casa tão confortável quanto a que o seu amado lhe dera em Cabedelo. Como
agradecer a renda que lhe fora garantida todos os meses, fonte de uma vida tão
confortável e que causava tanta inveja?
Por
último, ela chorou copiosamente ao contar ao Padre Galo os estragos que a
doença vinha fazendo na saúde de Orozimbo. Não escondeu que temia pelo seu
futuro e pela perda da renda garantidora do seu conforto. Pedra de toque: abriu
seu coração e contou ao Padre o quanto era sexualmente carente desde a descoberta
da impotência sexual de Orozimbo.
"O amor nasce sempre da misericórdia"! Dá Senhor Jesus Cristo, sabedoria ao Sacerdote!
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