Jorge
Carvalho do Nascimento
Quando
Sônia completou 25 anos de idade, em 1944, era bem visível o quanto prosperara
nos últimos dois anos e meio nos quais esteve exclusivamente dedicada ao
negócio da prostituição no Night Club. Estava bem cuidada, com ótima aparência,
pele lisa e viçosa, cabelos bem alinhados, muito arrumados.
Eleutério,
seu filho, estava completando oito anos de idade naquele ano, enquanto a sua
filha, Carmen, completaria o seu terceiro aniversário de nascimento. A
maternidade de Sônia era quase simbólica. As crianças viviam com o seu irmão,
Willison, e sua mulher Rafaela, a quem os dois chamavam de mãe.
Eleutério
e Carmen chamavam a mãe biológica, Sônia, de mãe Ninha, por causa do costume que
tinha Willison de tratá-la por Soninha. Graças a generosidade do seu mano,
Sônia se encontrava com os filhos uma vez a cada semestre. Durante o mês de
junho ela recebia a visita dos dois em sua casa durante três dias.
A
ausência do afeto que deve existir naturalmente entre mãe e filhos, Sônia,
agora mais endinheirada, procurava suprir cobrir oferecendo aos dois rebentos muitos
presentes. Comprava roupas, sapatos, brinquedos e tudo mais que eles pedissem
enquanto estavam com ela. Além disto eram três dias de passeios por João Pessoa
para Eleutério e Carmen. O mesmo ritual se repetia no mês de dezembro.
Matriculado
no Instituto Pedagógico Alfredo Dantas, em Campina Grande, Eleutério cursava o
segundo ano primário e era considerado um ótimo aluno. Carmen, aos três anos de
idade, estava em seu primeiro ano como aluna do Jardim de Infância da Paróquia
Nossa Senhora da Conceição. Mas, em mais de dois anos afastada dos filhos,
Sônia nunca demonstrou nenhum interesse em saber do desempenho escolar das
crianças.
Do
ponto de vista dos afetos, Sônia era uma mulher fria, embrutecida pelas
condições de sobrevivência que conheceu desde os seus 13 anos de idade. As
emoções do amor materno e da relação de paternidade eram dadas a Eleutério e a
Carmen por Willison e Rafaela. Sônia via tudo como dinheiro, inclusive o afeto
dos filhos que julgava comprar quando os cobria de presentes.
Sob
a ótica pela qual enxergava a vida, Sônia estava feliz. Desde que retomara o
caminho da prostituição no Night Club, ganhou muito dinheiro. Era a rapariga
mais cara do lupanário, com a fama de ser, a mais bonita, a mais gostosa e de
corpo melhor torneado entre todas as meninas da casa.
E,
pedra de toque, Sônia também era tida como a mais safada. A fama do seu boquete
ia longe. E ela não se furtava em atender os homens quanto a nenhuma fantasia
sexual. Era somente a imaginação do cliente criar o desejo, ela discutia o preço
e fazia rigorosamente aquilo que o pagante desejava, sem nenhum tipo de tabu.
Era
isto que estava lhe permitindo ganhar muito dinheiro. Em pouco mais de dois
anos Sônia elevou muito o seu padrão de vida. Saiu da acanhada casa em que
vivia e alugou uma casa melhor na região mais próxima do centro de João Pessoa.
Era uma rua de residências nas quais vivia uma espécie de classe média
ascendente.
A
nova casa de Sônia era ampla, tinha três quartos, duas salas, uma grande
cozinha, um bom banheiro, uma varanda grande à frente e uma outra nos fundos.
Um pomar e um bom quintal tornavam o ambiente ainda mais agradável. A cisterna
da casa fornecia uma água potável de boa qualidade. Enfim, uma residência
preparada para se viver desfrutando de conforto.
Ermelinda
foi convidada por ela a acompanhá-la nessa nova moradia. Diante da explicação
dada pela amiga quanto a sua dificuldade de compartilhar as novas contas, bem
mais elevadas, Sônia insistiu no convite e passou a remunerar Ermelinda para
esta gerenciar o funcionamento da casa. Além disto contratou uma empregada
doméstica para fazer a faxina e cozinhar, e, ainda, uma lavadeira.
Sônia
voltou a ter dinheiro guardado em banco e, também voltou a comprar joias, além
de receber de presente muitos anéis, colares, correntes de ouro e prata, joias
adornadas com pedras preciosas. Tudo oferecido pelos homens que frequentavam a
sua badalada cama e enlouqueciam com os agrados sexuais que Sônia sabia fazer.
Era
outra vez a preferida de ricos comerciantes, proprietários de empresas
industriais, de criadores de boi, plantadores de algodão, donos de empresas de
navegação, altos funcionários públicos, magistrados, advogados, delegados,
contadores e médicos, dentre outros. Não havia mais espaço em sua cama para
homens pobres.
Numa
noite de quarta-feira do mês de julho de 1945, mal se instalara em uma mesa,
aguardando a chegada do seu primeiro cliente, ficou chocada com a silhueta longilínea
que passou porta à dentro, indo em sua direção. Conhecia aquele homem esbelto
cujo perfume forte e abundante tomou conta do ambiente.
Impossível
não reconhecer o gosto pelo bem cortado terno azul confeccionado em tweed. As
calças estreitas e curtas, na altura do tornozelo, a camisa impecavelmente
engomada e discretamente listrada, além da gravata com nó fino denunciavam ser
aquele o conhecido cirurgião Dr. Costa, pai da sua filha Carmen.
Resoluto,
ele caminhou em direção à mesa de Sônia. Parou diante dela e perguntou:
-
Posso me sentar?
-
Se você se sentar nesta mesa eu levanto e você fica aqui sozinho – respondeu Sônia.
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