Jorge
Carvalho do Nascimento
Sem
dinheiro, com dois filhos para sustentar, brigada com os irmãos que tentaram
inutilmente dissuadi-la da prostituição, Sônia foi trabalhar, em agosto de
1941, na mansão de Fortunato Mariz, tradicional plantador de algodão paraibano
que vivia no centro da cidade, onde moravam as famílias mais abastadas.
Conseguiu
o emprego assalariado como lavadeira de roupas e engomadeira. Trabalho pesado,
lavar e engomar os ternos de linho branco do Dr. Fortunato, afamado advogado da
Paraíba e principal nome que atuava nos grandes crimes do tribunal do júri paraibano,
além de rico exportador de algodão.
O
trabalho de Sônia era muito penoso. Lavar os ternos brancos e não deixar
nenhuma mancha. Preparar a goma de tapioca para finalizar a lavagem das roupas
de linho e deixar o tecido alvo e com brilho. Colocar brasas no ferro de
engomar, abanar, soprar e balançar o ferro pesado até que ele ficasse aquecido
na temperatura certa. Por último, passar a roupa, dobrá-la e colocá-la estirada
nos cabides dentro do guarda-roupas.
Vaidoso,
Fortunato exigia que todas as suas calças, coletes e paletós estivessem
rigorosamente bem engomados e passados. O vinco bem definido das calças era
obrigatório. Da mesma maneira, os lenços pretos, confeccionados com o mesmo
tecido das gravatas que dobrava cuidadosamente e colocava no bolso do paletó.
Depois
da sua segunda gestação, Sônia percebera que seu corpo se recuperava
rapidamente e retomava sua antiga forma. Depois de um ano do nascimento da sua
filha Carmen, já não mais apresentava barriga protuberante nem as marcas comuns
no corpo de mulher que passou por gestação, parto e amamentação.
Recebeu
o seu primeiro salário e começou a se maldizer. Era muito pouco e não iria
conseguir sustentar os filhos com aquele dinheiro minguado. Resoluta, pediu
para ser dispensada do trabalho na casa do Dr. Fortunato Mariz. Voltou para
casa e encontrou sua velha amiga Ermelinda, com quem continuava morando.
-
Ermelinda, estou tomando coragem pra tomar uma decisão importante em minha vida
– falou Sônia.
-
Já sei. Você resolveu aceitar a proposta do seu irmão e vai embora com seus
filhos pra Campina Grande, trabalhar com ele – respondeu a enfermeira.
-
Você tá doida? Nunca que eu vou querer isso. Eu já tô com 22 anos, sou mãe de
dois filhos e gosto de homem. Num vou querer meu irmão perguntando pra onde eu
vou, com quem eu vou, que hora vou voltar. Me dizendo que a casa dele é de
família e que mulher num pode tá chegando e saindo de madrugada – explicou Sônia.
-
E o que você vai fazer da sua vida? Acabou de sair do emprego na casa do Dr.
Fortunato... – Indagou novamente Ermelinda.
-
Amanhã eu vou procurar o Coronel Belmont. Com fé em Deus eu vou voltar pro
Night Club. Ali que é lugar pra mulher ganhar dinheiro.
No
outro dia eram três da tarde e novamente lá estava Sônia, bem arrumada no salão
do Night Club, conversando de novo com o Coronel Belmont, o velho saxofonista
de sorriso largo.
-
Menina... Como você tá bonita! Não me diga que já quer voltar pra vida. Se
quiser, a porta tá aberta. Você ainda tá supimpa – afirmou alegremente o velho
rufião.
À
noite, lá estava Sônia Era a mulher mais bonita, mais elegante, mais sedutora
do salão do Night Club. Os homens ficaram excitados com a presença dela. Os poucos
que a conheciam e lembravam dela queriam uma nova oportunidade de se deitar com
Sônia. Os que não a conheciam estavam enlouquecidos de desejo.
Em
poucos dias, Sônia novamente era a rapariga que mais dava lucros ao Night Club,
que mais faturava na casa. O programa com ela chegava a custava até três ou
quatro vezes o valor cobrado pelas outras meninas. A rainha do boquete estava
de volta ao mundo da prostituição.
Quando
completou 23 anos de idade, em maio de 1942, Sônia já tinha reorganizado sua
vida financeira. Três dias depois do seu aniversário, após levar Eleutério na
escola e de deixar Carmen no Lar dos Pequeninos, recebeu a visita de Willison.
Seu irmão teve uma conversa aberta e muito clara com ela.
-
Você não vai deixar nunca de ser uma mulher da vida, uma mulher dama – disse.
-
É isso que me sustenta, que me dá dinheiro, que paga as contas da minha casa e
a escola das crianças, que me deixa comer direito e me permite dar comida boa a
Eleutério e a Carmen. É o meu trabalho, do mesmo jeito que o armazém é o seu –
reagiu Sônia.
-
Mas, não é trabalho decente, não é trabalho pra gente de família. Sem falar que
você trabalha no pecado. Isso num é coisa de Deus. É uma pouca vergonha o que
você faz. Sua fama de puta corre longe. Eu tô aqui pra fazer uma proposta a
você. Eu sei que você num quer sair da vida de quenga. Eu num quero que
Eleutério e Carmen tenha ciúme da mãe. Tô aqui pra pedir a você pra eles irem
morar na minha casa em Campina Grande. Eu boto eles na escola. Vou criar como
se fossem meus filhos – propôs Willison.
-
Vamos fazer o seguinte: eu aceito até o final desse ano, como experiência. No
fim do ano a gente conversa pra ver se tá dando certo. Se tiver dando certo e
você quiser continuar eu deixo eles ficarem outro ano.
À
noite, Willison voltou pra Campina Grande levando com ele Eleutério, perto de
completar sete anos de idade, e Carmen, faltando quatro meses pra completar
dois anos.
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