Jorge
Carvalho do Nascimento
É
muito bom ter a oportunidade de falar na celebração dos 185 anos de nascimento
de Tobias Barreto, durante um evento como este, organizado pela Casa de Tobias
Barreto, a Academia Sergipana de Letras, conjuntamente com o Memorial de
Sergipe, instituição cultural mantida pela Universidade Tiradentes.
É
bom compartilhar este debate com o Acadêmico José Anderson Nascimento,
presidente que dignifica a Academia Sergipana de Letras pelo trabalho que vem
realizando ao longo de sucessivos anos como acadêmico, estudioso e gestor da
instituição. Anderson, dentre os muitos temas sobre os quais se debruçou fez
também do trabalho sobre Tobias Barreto um seu campo preferencial.
No
seu artigo TOBIAS BARRETO E A CRÍTICA, publicado no livro TOBIAS BARRETO:
CRÍTICA DE LITERATURA E ARTE, Luiz Antônio Barreto chama a nossa atenção para o
fato de ser dedicada a crítica toda a obra de Tobias Barreto de Menezes.
Inspirado
sempre pelo kantismo alemão, Tobias Barreto formulou teorias, indicou caminhos,
fez questionamentos estéticos, discutiu a natureza dos valores éticos e dos
compromissos ideológicos. Soube distinguir o que é crítica consistente daquilo
que é julgamento de valores.
O
diálogo com o kantismo levou Tobias Barreto ao palco de um permanente debate
com o Romantismo alemão. Em 1883, ele escreveu uma NOTA SOBRE O ROMANTISMO
ALEMÃO que sintetiza perfeitamente o significado de tal temática. “O século XIX
abriu-se na Alemanha com a escola romântica, a qual surgiu pelos fins do século
passado [XVIII]. Ela sucedeu ao que se chama em alemão Sturm und Drang
period. É este o nome que ali se dá à época literária de Lessing, Wieland,
Herder, Goëthe e Schiller, todos os quais literariamente pertencem ao século
XVIII, ainda que Goëthe tenha morrido muito depois dos outros” (p. 127), em 22
de março de 1832.
Para
compreensão daquilo que aqui discuto, vale a pena citar o artigo acima
referenciado de Luiz Antônio Barreto, sobre o entendimento que teve Tobias
Barreto da poesia: “o autor de DIAS E NOITES agitou as massas nordestinas no
Recife, fazendo-se poeta do povo. A sua obra poética está repleta de profecias,
de denúncias e de crítica” (p. 3).
Mas,
não foi apenas a poesia que ocupou o crítico Tobias Barreto. Ele também
produziu ativamente crítica de Religião, Filosofia, Direito, Política e
organização da sociedade. A crítica constituiu, enfim, a maior parte da sua
produção como intelectual ativo e combativo que foi.
Tobias
Barreto se manifestou através de recensões, analisando obras publicadas e
espetáculos, debatendo méritos e fragilidades. Para ele, com o seu habitual
sarcasmo, a crítica era uma espécie de dissecação imaginária de cadáveres. Via
o crítico como um arqueólogo, sempre preocupado com a investigação do passado.
A
crítica normalmente era feita a posteriori, não obstante, em algumas situações,
os críticos muitas vezes acompanharem pari passu a produção da obra,
como ocorreu no caso do Modernismo brasileiro da semana de 1922, com a geração
de 1945, com o Concretismo em 1956 ou com o Poema-Processo em 1965.
Tobias
Barreto, além de exercitar a crítica de cultura e arte, era leitor voraz de
críticos de outros países. Um dos que mais lia era o poeta austríaco Hieroymus
Lorm, pseudônimo de Heinrich Landesmann. O filósofo sergipano, entusiasta do
kantismo e de críticos como Heinrich Landesmann, contudo reagia fortemente a
alguns outros críticos de língua alemã que considerava carentes de
aprofundamento, como Carolina Michaëlis.
Tobias
Barreto divergia principalmente quando ela se derramava em elogios a autores e
críticos literários portugueses como Adolfo Coelho, Teófilo Braga e Joaquim de
Vasconcelos. A reação de Tobias a Michaëlis era muito forte: “Mal se
compreendem as causas que levaram a digna escritora a engrandecer demasiado as
proporções dos seus afilhados, escurecendo um pouco a exatidão dos fatos” (p
101).
Tudo
isto dizia respeito a concepção de Literatura defendida por Tobias Barreto.
Posição que ele deixa muita clara no primeiro parágrafo do artigo LITERATURA
BÍBLICA: NAUM, de 1867, também publicado por Luiz Antônio no volume CRÍTICA DE
LITERATURA E ARTE das OBRAS COMPLETAS de Tobias. Ninguém melhor que o próprio
filósofo oitocentista sergipano para esclarecer sua compreensão: “É uma verdade
demasiado sabida, e mil vezes repetida, que na literatura de um povo se
refletem todas as suas ideias, seus costumes, seu caráter, sua civilização,
enfim” (p. 63).
Tobias
Barreto chamava a atenção para o fato de que o século XIX era o dos grandes
salões literários. O artigo A INFLUÊNCIA DO SALÃO NA LITERATURA, publicado em
1883, afirmava que se os salões literários não eram novidade na Europa, mas era
um assunto novíssimo no Brasil.
Citando
a literatura francesa, ele dizia que os salões contribuíram muito para o
desenvolvimento das letras na França, principalmente no século XVIII. Mesmo
porque, dizia Tobias Barreto, “O salão, como conceito histórico-literário, é um
produto legitimamente francês, mas um produto menos devido à própria índole e
caráter do povo do que às ideias e tendências de uma época” (p. 72).
Na
verdade, Tobias Barreto pretendia afirmar que, do ponto de vista da literatura,
o Brasil ainda tinha muito a aprender, fosse com os franceses e os seus salões
literários, fosse com literatos populares alemães oitocentistas, como Berthold
Auerbach, a quem Tobias Barreto comparava em importância a Victor Hugo.
O próprio Tobias Barreto explicava a
comparação: “A muitos dos meus leitores há de afigurar-se um pouco estranha e
caprichosa a junção destes dois nomes. Tanto tem de conhecido e justamente
apreciado, entre nós, o grande poeta francês, quanto é por todos ignorado, como
quem se acha fora do círculo habitual das nossas contemplações, além de nosso
horizonte, o novelista alemão” (p. 80).
Ao
debater a literatura no Brasil oitocentista, uma das principais preocupações da
forma de pensar de Tobias Barreto dizia respeito ao estilo. Segundo ele, não
havia palavra da qual mais fizessem uso os intelectuais do seu tempo do que a
palavra estilo. Todavia, sob a sua ótica, nenhum deles seria capaz de
conceituar estilo com precisão.
“As
expressões de estilo pinturesco, estilo florido, estilo ameno e outras
semelhantes, com que se mimoseiam, bem ou mal, os escritores, posto que velhas
e muito velhas, conservam o caráter metafórico, e destarte indicam, por si sós,
que quase nada existe de positivo sobre tal matéria” (p. 93) – esclarecia
Tobias Barreto.
O
filósofo de Campos do Rio Real, advogava sempre em favor da valorização da
cultura brasileira. No que concernia a nossa formação intelectual, gostava de
afirmar que o Brasil esteve, pelo seu processo de colonização, condenado a uma
espécie de bloqueio intelectual. Por isto, as principais correntes da
literatura do século XIX vinham passando ao largo da vida brasileira.
POESIA
O
fundador da Escola do Recife dizia que o maior nome de toda a história da
cultura de língua portuguesa fora o poeta Luís Vaz de Camões, embora dissesse
também que este ainda não havia recebido dos portugueses o reconhecimento que
merecia. Considerava o cantor de Inês de Castro um filho legítimo da
Renascença.
A
admiração de Tobias por Camões era tamanha que ele chegou a se lançar em um
estudo pesquisando as origens do nome do poeta. “Camões costumava assinar-se Ludovicus
de Camoenis (Luís das Musas). Com o tempo desapareceu o prenome latino e
ficou Luís de Camoenis, que o povo, ignorando o valor do ditongo, pronunciava:
de Camo-e-nis. Assim corrompida a frase latina e entregue à lei do
desenvolvimento, prosódico e ortográfico, foi pouco a pouco eliminando-se a
função do i e chegou-se a formar a palavra Camões (p. 130).
Para
o sergipano, a atmosfera política e social portuguesa não foi capaz de
compreender o coração de um poeta da envergadura de Camões. O poeta, disse
Tobias Barreto, excedia em muito o seu tempo e a cultura portuguesa que estava
dada. Por isto Camões fora, sob o seu entendimento, um homem solitário que
viveu a maior das solidões, a maior das tristezas: a solidão do pensamento.
Em
seu texto O DIA DE CAMÕES que Tobias Barreto escreveu em 1880 para celebrar o
terceiro centenário da morte do poeta, ele retomou os argumentos da homenagem
que prestou ao português em 1862, em Maceió, durante uma apresentação da
Sociedade Dramática Maceioense.
“Dar
a uma língua, como fê-lo o épico português, uma feição acentuada e
característica, esculturar, por assim dizer, nas formas eternas da poesia,
vazar com moldes homéricos uma das fases do seu desenvolvimento, é ainda um
modo de criação, é cria-la segunda vez” (p. 119) – escreveu Tobias
Barreto.
Como
se sabe, Tobias Barreto foi poeta e crítico de poesia, tendo comentado vários
clássicos como Camões e, também trabalhos publicados por colegas seus da
Faculdade de Direito. “A PAIS DE ANDRADE” é o título de um artigo seu
analisando o livro FLORES PÁLIDAS, do seu colega Pais de Andrade, publicado em
1865. O texto de crítica foi incluído por Luiz Antônio Barreto no volume
CRÍTICA DE LITERATURA E ARTE das OBRAS COMPLETAS de Tobias.
“Li
teus versos. Ao primeiro ímpeto de minha simpatia quis lançar mão da pena para
escrever para o público sobre o livro mimoso, que vais oferecer-lhe. Era uma
loucura. Que de valor ou de peso iriam juntar à grande massa da opinião uns
grãos insignificantes do meu pensamento obscuro?” (p.53) – asseverou Tobias
Barreto.
Um
ano depois, lá estava Tobias Barreto comentando a poesia de Licurgo de Paiva,
publicada em livro de 1866. Tobias disse demonstrar simpatia em relação ao
trabalho do autor. Mas, nem por isto, se furtou ao seu duro papel de crítico.
“Não que neste livro encontre-se a perfeição; pelo contrário. Nele figura
grande número de versos desleixados. Não é que nesse livro o autor nos tenha
dado grandes e novas aspirações, grandes e novas ideias sobre o que mais
interessa a humanidade; pelo contrário, digamos-lhe a verdade, as suas vistas
não alcançaram além do individual” (p. 58).
RELIGIÃO
Tobias
Barreto exerceu a crítica da Religião em vários dos seus trabalhos e, também
analisou os livros bíblicos. O seu primeiro trabalho sobre a Bíblia foi
publicado em 1886, o artigo LITERATURA BÍBLICA: NAUM, também incluído por Luiz
Antônio Barreto no volume CRÍTICA DE LITERATURA E ARTE das OBRAS COMPLETAS de
Tobias.
O
texto é uma crítica mordaz aos tradutores da Bíblia, mas valoriza muito um
livro profético de um profeta menor, Naum, tido como poeta nacionalista e
grande consolador do povo de Judá. Considerado obra-prima da literatura
hebraica, o livro de Naum trata da sentença contra Nínive, a capital da
Assíria, e é composto por três capítulos: o que descreve a ira e a misericórdia
de Deus, o que trata do cerco e da tomada da cidade e, por fim, a discussão da
ruína completa de Nínive (p. 63).
GRAMÁTICA
No
seu amplo conceito de Literatura, Tobias Barreto incluiu também as suas
reflexões sobre Gramática. Certamente as melhores contribuições que ele
ofereceu neste campo foram a reforma e o aperfeiçoamento da décima edição do
Compêndio Elementar de Gramática Nacional, de J. A. de Castro Nunes.
Ali,
Tobias Barreto publicou um texto introdutório ao livro que passou de 79 para
180 páginas, em face do seu trabalho de anotação e de reforma. A sua
contribuição recebeu muitos comentários e o jornal Diário de Pernambuco fez um artigo
elogioso na sua edição do dia cinco de julho de 1883.
Na
Introdução ao Compêndio elementar de Gramática Nacional, Tobias Barreto
explicita o seu entendimento de Gramática: “A gramática forma uma parte da
glótica ou linguística, isto é, da ciência da linguagem, que também é, por sua
vez, uma parte da história natural do homem” (p. 125).
CULTURA
POPULAR
O
tema da Cultura Popular raras vezes frequentou os estudos e as publicações
assinadas por Tobias Barreto. Este era um campo que entusiasmava o seu amigo
Sílvio Romero que estudou a poesia popular no Brasil, recolheu e catalogou
muitos cantos populares, estudou os grupos do folclore brasileiro, suas danças
e os seus diferentes folguedos.
O
tema sempre foi, também, ponto sensível de divergência entre Sílvio Romero e
Tobias Barreto, em face das posições do primeiro, principalmente quanto ao tema
das raças. Tobias era defensor de uma posição menos conservadora que a de
Romero que era leitor e admirador dos trabalhos de Gustave Le Bon.
Um
dos raros textos de autoria de Tobias Barreto sobre este tema foi publicado em
1884, em forma de carta a João Alfredo de Freitas, autor do livro LENDAS E
SUPERSTIÇÕES DO NORTE DO BRASIL. Tobias dizia ter gostado do trabalho e também
confessava não ser muito afeiçoado `àquele gênero de estudo.
Dentre
os pontos nos quais Tobias Barreto divergia de João Alfredo estava justamente a
questão racial. Ele não aceitava o preconceito difundido pelo seu amigo Sílvio
Romero e igualmente assumido por Alfredo. Luiz Antônio Barreto escreveu uma
nota a esse texto na qual esclarece o teor da divergência.
“Ele
tinha sérias divergências com Sílvio Romero sobre o assunto e, apesar da
aparência em contrário, estava na frente do autor dos ESTUDOS SOBRE A POESIA
POPULAR, incluindo aí a delicadíssima questão da raça, que Sílvio Romero
entendia não ser leviana a afirmação da existência de raças inferiores, no que
discordava, radicalmente, Tobias Barreto” (p. 131).
JORNALISMO
Por
último, vale a pena dizer que também o Jornalismo cabia no conceito de
Literatura trabalhado por Tobias Barreto. Ele atravessou a vida escrevendo e
publicando em jornais e revistas. Ele próprio foi fundador e mantenedor de
algumas revistas e de alguns jornais, mas não alimentava muitas ilusões quanto
a uma mitificação da imprensa que se costumava fazer no século XIX.
No
lançamento da REVISTA DAS ARTES, em 1885, ele assinou um artigo de fundo, O QUE
NÓS QUEREMOS, apresentando a carta de intenções do periódico. Com o estilo
aziago que muitas vezes esgrimia, mais uma vez foi duro no recado que
transmitiu naquela primeira edição, quando advertiu sobre o papel da imprensa.
“Um
jornal não existe senão para ser lido; e somente sob esta condição é que se
pode compreender a possibilidade da sua eficácia, quando mesmo a simples
leitura fosse bastante para produzir o efeito desejado; mas, num país como o
nosso, onde cerca de noventa por cento da população não sabem ler, nem
escrever, não há mister de grande esforço intelectual para concluir que a
imprensa, como instrumento cultural, como força civilizatória, tem pouca
significação” (p. 134).
ROMANCE
Sem
nenhuma dúvida o romance foi, no século XIX, o palco principal do debate
literário. Também no Brasil, o romance ocupou os escritores e preocupou os
críticos em todas as suas ramificações. Em 1872, Tobias Barreto publicou o
artigo O ROMANCE NO BRASIL, analisando tal manifestação literária.
“O
romance ocupa maior espaço na mesa de trabalho do produtor literário. O romance
histórico, o romance social, político, artístico, de família, de salão, e
quantos outros se queira distinguir, todos contam na atualidade um sem-número
de cultores, e são representados por uma soma de obras que o leitor mais
aplicado não seria capaz de revolver, em sua vida inteira” (p. 66) – analisou
Tobias Barreto.
Mas,
o filósofo não deixava de manifestar sua tristeza, sua indignação com o que
considerava a pobreza intelectual brasileira quanto ao romance oitocentista.
Para ele, a literatura brasileira não havia conseguido gerar uma boa massa
crítica de romancistas, campo no qual, de acordo com a sua avaliação, o Brasil
era mais pobre.
UM
ROMANCE E UM ROMANCISTA, publicado em 1882, é o texto no qual ele analisa com
mais profundidade o trabalho dos romancistas brasileiros. “Bem longe estou de pôr
em dúvida a existência de alguns produtos da espécie, os quais, em falta de
outros predicados, atestam pelo menos a infatigável atividade com que nossos
romancistas cultivam o seu pequeno pomar, mas são produtos degenerados que em
regra não deixam aos seus autores senão o prazer resultante da consciência de
haverem empregado, ainda que inutilmente, todos os esforços possíveis para a
completa realização da coisa” (p. 122).
Não
obstante o posicionamento crítico de Tobias Barreto, sob a minha ótica, a
intelectualidade brasileira oitocentista é extremamente complexo e deve ser
compreendida em todas as suas nuances, pois essa intelectualidade viveu as
contradições do seu tempo.
Um
tempo que era o do século do Romantismo, que marcou as visões de política,
literatura, moral e ciência dos homens. Um tempo de luta dura entre a moral
religiosa e o ateísmo. Um tempo de consolidação do evolucionismo. Uma fase na
qual o Brasil conheceu o liberalismo do Segundo Império e a decadência da sua
monarquia.
Um
período no qual se lutou pela preservação da unidade nacional na única
monarquia que sobreviveu ao processo de liberação política do continente
americano onde se adotou a República como modelo de Estado. Monarquia
Constitucional, é bem verdade, onde o Romantismo foi a primeira crítica radical
e consistente que a sociedade capitalista brasileira efetivamente sofreu.
Para
compreender a dimensão de tal crítica é necessário que se opere uma
discriminação quanto às múltiplas dimensões do Romantismo, como fizeram Michael
Lowy e Robert Sayre no livro REVOLTA E MELANCOLIA: O ROMANTISMO NA CONTRAMÃO DA
MODERNIDADE.
O
Romantismo, portanto, não foi um movimento único. No caso brasileiro, há
indicadores factíveis de haver o Romantismo colocado para as nossas elites o
dilema da decisão entre Monarquia e República, posto que se cria ser a
República a única saída que viabilizava a entrada das ex-colônias americanas no
modelo de modernidade que o liberalismo europeu gestara.
Assim,
no caso brasileiro o Romantismo foi, claramente, a racionalização das forças
condenadas pela modernidade capitalista. Daí ser fundamental lançar-se sem
posições prévias à leitura do Romantismo brasileiro e operar conscientemente
com a ideia da existência, entre nós, de Românticos Regressivos e Românticos Não-Regressivos,
para perceber a força criadora de tal movimento.
Assim
como não seria possível pensar em um Romantismo Europeu na sociedade medieval,
é necessário adquirir a clareza de que são os dilemas da necessidade de busca
de um modelo brasileiro de modernidade que liberam as forças criadoras que o
Romantismo anunciou no Brasil.
Não
é possível continuar imaginando ter sido o Romantismo alemão apenas
irracionalismo. É necessário verificar de qual Romantismo se fala. O Romantismo
de Göethe e Schiller se diferencia em muito do Romantismo de um Novalis –
apenas para exemplificar. É importante dizer que também há diferenças quanto a
natureza do Romantismo da música de Beethoven ou de Schumann.
O
Romantismo francês que foi transposto para o Brasil teve um papel criador da
maior importância. Se a marca que o Romantismo francês deixou na memória foi a
de um movimento conservador, é fundamental observar que ele teve, nas suas
origens, de certo modo, um conteúdo revolucionário posteriormente transformado
em conservador.
No
Brasil, o Romantismo se voltou ao trabalho de criar um conceito de nação no
plano cultural. Gonçalves de Magalhães efetivamente introduziu a discussão do
problema de uma cultura nacional. Dessa influência surgiram autores como Teixeira
e Souza e Joaquim Manoel de Macedo – não apenas o de A MORENINHA, mas
principalmente o de MEMÓRIAS DA RUA DO OUVIDOR e, também de MEMÓRIAS DO
SOBRINHO DO MEU TIO, textos fundamentais para a compreensão da cultura
brasileira.
Assim,
no Brasil, o Romantismo efetivamente consolidou um projeto de cultura nacional
que até então não estava posto em sua plenitude. O Romantismo tem, desta forma,
entre nós um outro reflexo. Não é revolucionário, mas é basicamente
nacionalista e proporcionou bases essenciais para a formação da nacionalidade.
Elevado
pela intelectualidade brasileira, ainda no final do século XVIII, à condição de
modernizador do Brasil, o pensamento francês fez com que os brasileiros
incorporassem as bases que se fizeram necessárias ao desenvolvimento, entre
nós, do Romantismo. A estética e o conteúdo deste movimento literário
contaminaram o Brasil desde as primeiras décadas do século XIX e, como moderno,
apresentou-se com uma enorme capacidade de auto renovação permanente.
Foi
sob a égide do Romantismo, é importante lembrar, que a intelectualidade
brasileira desenvolveu as suas interpretações anticlericais e viu consolidar-se
o pensamento liberal. Entre nós o Romantismo foi efetivamente uma forma de
combate assumida pelo liberalismo na sua luta contra as tendências
conservadoras católicas.
No
Brasil, foi a intelectualidade Romântica que discutiu e defendeu a maturidade e
o aprofundamento das tentações republicanas, democráticas, abolicionistas e
nacionalistas. Foram tais tentações que levaram os românticos brasileiros a
articularem uma crítica consistente da sociedade, das instituições e da
política nacional brasileira.
Essa
crítica rejeitava os vínculos portugueses e abdicava de um passado no qual era
dominante a presença da herança lusitana. Tal como explicitou o filósofo
português Francisco da Gama Caeiro, em seu artigo FILOSOFIA, CULTURA E
NATUREZA: SOB A ÉGIDE DE TOBIAS BARRETO, “do mesmo modo, antes, Verney, contrariando
a vigência da mediação latina do pensar filosófico, propusera o idioma francês,
como via de acesso aos autores que importava cultivar na filosofia”.
Na
riqueza das reflexões que fez sobre o Brasil e a cultura brasileira reside a
grandeza do pensamento do Tobias Barreto. É necessário voltar ao filósofo
oitocentista para compreender a transição do Império à República, no processo
de afirmação de uma literatura que se fez expressão da cultura brasileira.
Não sabia da veia kantiana de Tobias. Muito bom.
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