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AS TRAQUINAGENS DE CARLA


   

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

Carla se adaptou facilmente à vida na Maison do Internato do Colégio das Damas da Instrução Cristã, no bairro Ponte d’Uchoa, em Recife. Em poucos dias ela estava completamente familiarizada com as colegas internas, com as religiosas que dirigiam e trabalhavam na instituição escolar e com os professores.

Foi assim construindo a reputação de boa aluna, disciplinada. Visível o seu entusiasmo com as práticas escolares vividas em sala de aula e com as atividades religiosas da catequese, formando-se na fé católica. Uma verdadeira defensora da sociedade tradicional, do comportamento e dos valores do cristianismo.

Mas, nem só de orações Carla estava aprendendo a viver dentro do Internato do Colégio. O espaço interno de confinamento se fazia também de travessuras, pequenas e muito prazerosas subversões que a própria Carla gostava de liderar. Eram os novos caminhos da liberdade feminina vividos ali dentro por um bando de adolescentes rebeldes, mas aparentemente disciplinadas.

A inculcação dos valores morais, dos costumes era fato, mas Carla e suas colegas sabiam fazer outros usos do espaço pleno de liberdade vigiada vivido na Maison. Como Carla, suas colegas de travessura eram meninas filhas de famílias que enriqueceram, como a sua, e outras filhas das tradições da alta sociedade de Pernambuco e de outros Estados da região, como a Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Alagoas, Sergipe e Bahia.

Do ponto de vista do currículo, dos livros didáticos, da qualidade dos professores e dos padrões disciplinares, Carla estava recebendo formação de altíssima qualidade. Sairia preparada para ingressar na faculdade que desejasse ou para escolher um bom marido, caso quisesse tal caminho.

Carla e suas colegas tinham no Internato do Colégio muitas festividades religiosas, retiros e ações de caridade. Participar de atividades religiosas fora do ambiente escolar era uma boa oportunidade de conhecer outras pessoas, conhecer a cidade do Recife e escapar, mesmo que brevemente e de modo sutil, aos olhares vigilantes das irmãs da ordem das Damas da Instrução Cristã. Uma boa ocasião para conversas mais picantes com as colegas e para uma troca rápida de algumas frases com meninos bonitos que encontravam pelo caminho.

Mesmo no ambiente da Maison, ir à missa na Igreja do Colégio era uma boa oportunidade de respirar fora do ambiente reprimido da instituição. Sem falar nos momentos de lazer e de práticas esportivas nos quais as meninas jogavam voleibol, ping-pong, queimado. Nas festas, as quermesses envolviam o entusiasmo das internas pela presença de rapazes que frequentemente as presenteavam com os brindes que arrematavam em leilões.

Nos momentos das festas religiosas e durante a arrumação do templo, Carla e suas amigas Graça, Teca, Socorro e Evangelista roubavam velas dos altares e as escondiam sob a roupa. O roubo das velas resultava da criativa atividade da imaginação de Carla que sabia liderar as colegas que viviam, como ela, excitadas pela quantidade de hormônios própria às meninas de 15, 16, 17 anos de idade como era o caso.

Carla, a mais assanhada e exibida, logo descobriu o espaço do depósito existente nos fundos do auditório da escola. Ali com as colegas se entregava a leitura de livros então m proibidos para elas, como O Crime do Padre Amaro ou textos de Pitigrili. A leitura excitava as meninas e Carla, a mais atirada se livrava da roupa para exibir às amigas os seus peitos rosados a desafiar a lei da gravidade.    

As velas eram usadas à noite na cama, por Carla e suas amigas em demoradas sessões de masturbação, depois de apagadas as luzes. Tais práticas eram objeto de comentários por parte do grupo de meninas traquinas que Carla liderava. Era grande o esforço para sufocar os gemidos de prazer. Nada poderia ser percebido pela irmã Aída, que era companheira de dormitório das meninas, com a responsabilidade de fiscalizá-las e preservar a moral e os bons costumes.

Carla já era vista com desconfiança pela irmã Aída, principalmente depois que ela encontrou a moça lendo às escondidas uma edição pirata de O AMANTE DE LADY CHATERLEY que circulava clandestinamente na escola. Isso gerou muitos dissabores a mamãe Sônia.

A mãe de Carla foi convidada mais de uma vez a comparecer a escola em função do gosto da filha pela literatura erótica clandestina que quase lhe custou a expulsão da Maison, o que os generosos óbolos de Sônia sempre conseguiam evitar. Contudo, as preferências de Carla pela literatura clandestina, algumas vezes foi flagrada pela irmã Aída. Passaram pelas leituras de Carla outros livros proibidos, como AS RELAÇÕES PERIGOSAS, de Choderlos de Laclos; e, MADAME BOVARY, de Gustave Flaubert.


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