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DRESS CODE

                                                Os Pholhas
 


 

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

A Walter comprei um dos melhores dentre todos os carros que a vida me possibilitou possuir e guiar. Era um Volkswagen Passat Iraque vermelho, 4 portas. Uma máquina com muita potência no motor, confortabilíssimo e com excelente dirigibilidade. Nas estradas era segurança total. Quando chegou às minhas mãos o carro tinha menos de dois mil quilômetros rodados e aquele cheirinho característico de carro novo.

Comerciante, Walter foi meu contemporâneo no Atheneu Sergipense e meu vizinho durante três anos nos quais morei em um apartamento da rua Senador Rollemberg, em Aracaju. Eu o conhecia desde os primeiros anos de juventude quando ele ainda morava na rua Dom Quirino, bairro Santo Antônio.

Ainda jovem, Walter e o seu irmão se transformaram em prósperos comerciantes. À época em que fomos vizinhos eu estava beirando os 30 anos de idade e ele em torno dos 35. Walter negociava também com automóveis, mas o seu forte era o comércio de vestuário, os artigos de moda jovem.

Nos anos 70 do século XX, Walter e seu irmão mais velho abriram na rua de Itabaianinha, no quarteirão localizado entre as ruas São Cristóvão e Geru, uma loja que revolucionou completamente o comércio sergipano de moda masculina: A Elegante. Ali era possível comprar os modelos mais modernos e as marcas mais contemporâneas de roupa da chamada jovem guarda que eram lançados em São Paulo, no Rio de Janeiro e nas cidades da Europa e dos Estados Unidos.

Quando jovem, sempre gostei de inovar no vestuário. Se tivesse a possibilidade de chocar, ainda melhor. Afinal de contas, na juventude tudo assenta, tudo fica bem. O jovem necessita fazer um grande esforço para ter a aparência de ridículo. Foi com tal espírito que na segunda metade dos anos 70 procurei A Elegante, a fim de modernizar meu guarda-roupas. Buscava ficar up to date na forma de me vestir.

Eu havia me encantado com o dress code do grupo musical paulistano Pholhas, que surgira em disco no início dos anos 70 e atravessou a década fazendo muito sucesso. Não apenas o dress code do Pholhas me deixou fascinado. Primeiro me entusiasmei com a música de Hélio Santisteban (teclado), Paulo Fernandes (bateria), Oswaldo Malagutti (baixo) e Wagner “Bitão” Benatti (guitarra).

O primeiro compacto simples do Pholhas que eu adquiri quase fura de tanto tocar. Ouvia My Mistake o dia inteiro. Escutava também outras canções como She Made Me Cry. A banda brasileira cantava sempre em inglês e cada um dos seus discos tinha vendagens fantásticas entre 300 e 400 mil exemplares.

Mas, voltemos à loja de Walter. Entrei na Elegante e encontrei ninguém menos que ele próprio atendendo atrás do balcão. Meu desejo era comprar uma roupa parecida com aquilo que os Pholhas vestiam. Comprei quatro camisas dessas que atualmente são chamadas de slim. O detalhe: além de grudadas ao corpo, elas terminavam antes do umbigo. Felizmente eu era jovem e ainda não ostentava a volumosa pança que me acompanha na terceira idade.

Achei que a compra das camisas necessitava de um bom complemento. Walter me sugeriu calças tipo boca de sino, então última moda. Comprei três: uma azul, uma verde e outra amarela. Todas com o cós da cintura tipo Saint Tropez, começando bem abaixo do umbigo. Depois disso tudo, necessitava somente estar calçado à altura daquelas camisas e daquelas calças. Lá se foram dois pares de sapatos modelo cavalo de aço, ambos na cor marrom. Plataformas altíssimas que a boca de sino das calças se encarregava de cobrir.

Para a renda que eu possuía à época, a conta foi uma enormidade. Precisei fazer um crediário e dividir o débito em quatro parcelas. Tudo anotado em uma ficha pautada de cartolina branca que a loja guardava em uma caixa de madeira, todas as fichas ordenadas alfabeticamente, ao lado de outros jovens devedores. Todo mês lá ia eu quitar mais uma parcela daquele papagaio. Walter, bom comerciante, sempre queria vender mais algumas coisa.

Eu estava feliz por haver adotado aquele modelo de vestiário à imagem e semelhança do dress code do Pholhas. Me sentia o máximo. Hoje, olhando para trás e lembrando de como era a minha imagem vestido daquele jeito, fico feliz. À época, jovem e esbelto, nada me caía mal. Tenho certeza que nos dias atuais seria um horror. Nada como as lembranças da nossa linda juventude... 

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