José
Vieira da Cruz*
A
leitura do livro “Memórias de um político”, de autoria de João Augusto Gama –,
fizeram-me revisitar os impactos da ditadura, os significados da resistência
democrática e, de modo particular, os desafios políticos de um mundo no qual a
democracia está sob constantes tensões, ameaças e disputas.
Em
meio a este presente histórico, já na fila para receber o autógrafo do autor do
mencionado livro de 167 páginas – observei o público formado por algumas
personalidades do meio político, conhecidos do autor e poucos pesquisadores –,
lá mesmo comecei a apreciar a escrita direta, objetiva e pontuada de memórias
pessoais, estudantis, profissionais, empresariais e políticas do autor.
A
obra, além de falar do golpe de 1964 e da ditadura, também é perpassada pelas
memórias de João Augusto Gama narrando suas origens, cotidiano cultural e
bastidores da política em Sergipe na segunda metade do século XX e primeiras
décadas do século XXI.
Adianto
que o texto escrito esculpe uma narrativa fluída, articulando lembranças
afetivas, acontecimentos políticos e preocupações do autor tanto de sua
trajetória autobiográfica e da geração de seus contemporâneos quanto dos
desafios recentes enfrentados pela democracia.
A
obra evidencia não ter pretensões acadêmicas formais mas enquanto texto de
recordações, reminiscências e lembranças, como observado pela literatura
especializada, evoca memórias afetivas, seletivas e constantemente
(re)elaboradas a partir de momentos, acontecimentos, pessoas e significados
vivenciados a partir do presente do fazer-se da escrita.
E
é nesta perspectiva que o leitor pode compreender o dito, o não dito e,
sobretudo, aquilo que o autor deseja enfatizar de suas memórias, redes de
sociabilidade e de interesses. Aos acadêmicos, por sua vez, resta reconhecer a
quebra do monopólio da reserva escrita sobre o passado e analisar a obra
enquanto mais uma fonte para estudo das apropriações acerca do passado.
Penso
a respeito, que o texto, organizado em 21 capítulos e três outros textos
(apresentação, iconografia e agradecimentos), cumpre a missão de trazer a lume
o ponto de vista do autor/político/cidadão João Augusto Gama, acerca de suas
memórias sob o ponto de vista de um Aracajuano que desde o secundário atuou no
teatro amador, em centros/movimentos/campanhas de cultura e de educação popular
e em entidades estudantis como a União Sergipana dos Estudantes Secundaristas
(USES) e do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Sergipe
(DCE/UFS) – do qual foi seu primeiro presidente.
Gama
fala das prisões e das arbitrariedades políticas sofridas, da proximidade com
os militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), de seu ativismo político
junto ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), das eleições que apoiou e das
quais participou da disputa, de sua gestão e legados à frente da prefeitura de
Aracaju e, para descontentamento dos leitores mais críticos, faz algumas poucas
revelações dos bastidores da política partidária.
A
obra, é apresentada pelo tarimbado pesquisador Jorge Carvalho do Nascimento e
conta também com um texto de orelha de Francisco Varela, ambos e a maneira de
cada um, anunciam que o livro trata de um ponto de vista de um “homem comum”
ou, como preferem alguns, “de uma pessoa no mundo”.
Penso,
ao meu juízo, que o livro trata de mais que isso, tem contribuições, limitações
e provoca os contemporâneos de sua geração a também escreverem sobre suas
memórias. Uma limitação é o uso da iconografia como ilustração sem a devida
contextualização, análise e discussão. A exploração contextualizada de fontes
escritas acerca da atuação estudantil, cultural, empresarial e política do
autor também ficou a desejar. Mas, por outro lado, deixa em aberto uma seara de
possibilidades para outros estudos, cotejamentos e publicações.
O
fato é que Gama esteve no centro de inúmeros eventos/movimentos/ações
culturais, sociais e políticas desde a década de 1950/1960. Mas, nem por isso,
sua narrativa se resume à tentação de promoção exclusiva de sua autoimagem -
penso que esta perspectiva da publicação é muito importante e deve ser
destacada.
A
respeito, em vários capítulos e oportunidades do texto ele se propõe a
registrar, resgatar e reconhecer pessoas que marcaram sua trajetória biográfica
e participaram de acontecimentos históricos com os quais ele compartilhou
experiências, vivências, aprendizados e memórias. Entre estas destacam-se:
Tertuliano Azevedo, Jaime Araújo, Paschoal Carlos Magno, João Costa, Luiz
Antônio Barreto, Jackson Barreto entre outros.
Gama,
sem constrangimentos, registra suas lembranças pessoais, denuncia os arbítrios
da ditadura e compartilha suas memórias político-partidárias de próprio punho.
Penso que este fato, independente de eventuais ajustes, complementos e
críticas, deve ser estimulado e valorizado, sobretudo, como um alerta para
aqueles(as) políticos(as) que pensam que sua estada no poder é eterna. Para
estes fica a pergunta de como gostariam de ser lembrados(as)? E por quais atos,
ações e posturas serão lembrados? Nem todos tem um biógrafo habilitado a
disposição ou a iniciativa, destreza e ousadia de escrever sobre si.
Enfim,
o livro “Memória de um político”, evoca memórias e discussões que nos fazem
refletir, como dito pelo próprio autor quando autografou o exemplar, diante do
avanço reacionário da extrema-direita é necessário defender ainda mais a
democracia. Por isso, recomendo aos interessados que façam sua própria leitura
e alimentem suas conclusões.
*José Vieira da Cruz é historiador, professor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
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