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TRIBUTO À MEMÓRIA DE JOSÉ CARLOS DALLES


 

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

Em 1963, a Indústria Textil Peixoto Gonçalves, a conhecida Fábrica de Passagem, em Neópolis, Sergipe, mandou ao Rio de Janeiro o seu gerente, José Idelfonso Alves, com a missão de recrutar dois novos técnicos têxteis formados pela Escola Técnica Federal da Indústria Química e Textil, mantida pelo Senai.

Recomendado pela Escola e convidado por Idelfonso, José Carlos Dalles viu a grande oportunidade da sua vida e recebeu o endereço do escritório da empresa no Rio de Janeiro, onde foi manter um contato para acertar as possibilidades de trabalhar em Sergipe e as condições sob as quais atuaria.

Ele não se considerava preparado para assumir tamanha responsabilidade, não obstante haver sido um brilhante aluno na Escola. Entrevistei Dalles em maio de 2010, enquanto pesquisava sobre a história da indústria têxtil e da família Peixoto Gonçalves no Baixo Rio São Francisco, especialmente nas cidades de Penedo, em Alagoas, e Neópolis, em Sergipe.

Ao ser entrevistado, Dalles relatou: “Eu saí da Escola com a impressão que não sabia nada. Esse pessoal vai descobrir que eu não sei nada e vai me despedir - pensava. Era o meu primeiro emprego como Técnico em Química Têxtil e minha primeira viagem de avião – Rio de Janeiro-Penedo.

Inseguro, o novo técnico se dedicou de modo integral ao trabalho: “Isso era um incentivo para eu me matar de trabalhar. Nós vínhamos para a fábrica cinco e meia da manhã, juntamente com o gerente José Idelfonso, e não tínhamos horário para sair. Era uma luta muito grande, uma coisa sem fim”.

A chegada a Penedo causou um impacto muito positivo e mudou de maneira radical o padrão de vida de José Carlos Dalles. Jovem, solteiro, bem remunerado e com moradia privilegiada. Ele foi morar em Penedo no dia três de janeiro de 1964, quando ingressou na fábrica de Passagem.

Além de atuar na área técnica têxtil, Dalles trabalhou na área comercial, aperfeiçoou a produção da empresa e a fábrica passou a ocupar melhores posições no mercado. Em pouco tempo se transformou em secretário comercial de José da Silva Peixoto. Viajou para negociar os contratos da fábrica e adquiriu autoridade para sugerir alterações no padrão dos tecidos que a empresa colocava no mercado.

Os bons resultados do seu trabalho o transformaram em gerente comercial da indústria. A partir dessa posição, estudou administração na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Concluído o curso foi contratado como Superintendente Industrial da Fábrica de Tecidos Cometa, no Rio de Janeiro. A fábrica pertencia ao grupo de empreendedores sergipanos da família Amado.

Já havia casado com Ana Peixoto, filha de Lucinda e Roberto Peixoto, e para que sua esposa ficasse mais perto da família que morava em Penedo, Alagoas, aceitou o convite para dirigir três fábricas de tecidos em Recife, pertencentes ao empresário Luiz Dias Lins. Trabalhou ainda como gerente da Fábrica do grupo Lundgreen, em Paulista, Estado de Pernambuco. Foi também dirigente da Fábrica Rio Tinto, na Paraíba; do Centro Distribuidor da empresa em Recife e em Belo Horizonte.

Conheci José Carlos Dalles, em 2009, quando eu estava pesquisando a história da Fábrica de Passagem e da família Peixoto Gonçalves. Gentil, ele me recebeu bem, abriu os arquivos da fábrica para as minhas pesquisas, e me apresentou a Lucinda Peixoto que me abriu os arquivos da família.

Em 2009, José Carlos Dalles era já o diretor presidente da Fábrica de Passagem. Havia retornado ao grupo Peixoto Gonçalves em 1979, num momento de dificuldades da empresa, ameaçada de falência pelo Banco do Brasil. Um acordo entre Roberto Peixoto e o banco fez de Dalles o diretor industrial, ao lado do seu sogro, o mesmo Roberto Peixoto, então diretor presidente.

Quando a saúde não mais permitiu que Roberto Peixoto permanecesse à frente da fábrica, José Carlos Dalles assumiu o posto de diretor presidente. Gestor de hábitos espartanos, ele governou a empresa com mão de ferro até que, em 2020, acometido pelo vírus da Covid 19, passou o comando dos negócios para os seus filhos.

Dalles relatou, na entrevista que me concedeu em maio de 2010 que depois de haver recuperado a indústria, acreditava ser vocacionado para a administração, sentindo-se mais especialista em administração que em química têxtil. Ao longo da sua vida administrou fábricas, lojas e hospitais. Mas, deixou claro que recuperar a fábrica de Passagem foi a maior prova de gestão a qual foi submetido.

Foi essa capacidade de administrar que fez de José Carlos, além de diretor-presidente da fábrica, proprietário e dirigente da rede de Lojas Diana e das lojas Datelli, dedicadas ao comércio varejista de tecidos e calçados. Ademais dessas responsabilidades, José Carlos Dalles também desenvolveu intensa atividade como dirigente sindical e de órgãos corporativos.

Foi presidente do Sindicato da Indústria Têxtil do Estado de Sergipe e, também vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de Sergipe – a FIES. Em Alagoas, foi dirigente do Clube de Diretores Lojistas, do Sindicato do Comércio Varejista e da Federação do Comércio do Estado de Alagoas.

A Fábrica de Passagem e a vida em Neópolis e Penedo possibilitaram a José Carlos Dalles também se casar e organizar a sua família. Conheceu sua mulher, Ana de Almeida Peixoto, filha de Lucinda e Roberto Peixoto, poucos meses após a sua chegada em Penedo. Casaram-se em 1969, quando José Carlos tinha 26 anos de idade.

José Carlos e Ana tiveram quatro filhos. Alexandre, o mais velho, faleceu de modo trágico, em um acidente, aos 20 anos de idade. Depois de Alexandre veio Diana. Em seguida Renato e, por fim, Bruno. Diana é mãe de dois dos netos de Ana e José Carlos.

Dalles nasceu no dia 10 de maio de 1943. Infelizmente, hoje tomei conhecimento da sua morte e não havia mais tempo hábil para comparecer ao velório. Aqui, com este texto, tributo a minha homenagem póstuma a um amigo que deixa saudades.


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