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A DITADURA E A FUNDAÇÃO DO MDB EM SERGIPE

                                                              Tarcísio Teixeira

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

O registro nacional do Movimento Democrático Brasileiro – MDB foi requerido no dia 24 de março de 1966. O ato de fundação do partido oposicionista em Sergipe aconteceu em reunião realizada na cidade de Aracaju, no cinema Rio Branco, à rua João Pessoa, na noite de 22 de abril de 1966, com a participação de autoridades, intelectuais, funcionários públicos e estudantes.

A organização do ato enfrentou os embaraços que a ditadura opunha a toda atividade política que não significasse apoio ao governo dos generais. Um depoimento de Tarcísio Teixeira, que tomei em junho de 2008, esclareceu a natureza das dificuldades que se apresentavam:

“Eu fiquei responsável pela organização da estrutura do evento. Cuidei da decoração do ambiente, mandei organizar a mesa da solenidade, colocar flores e sonorizar, enquanto José Carlos estava recepcionando os deputados e demais convidados que vieram para prestigiar o ato. Uma hora antes da solenidade a Polícia Federal chegou ao local, a título de fazer uma varredura de segurança. Na verdade, era para atemorizar os participantes. Começaram a mexer em tudo e a destruir os arranjos e a decoração. Eu era muito jovem, tinha 22 anos de idade, mas fui interpelar o comandante da operação, dizendo a ele que cuidasse do que quisesse, mas não desmanchasse a decoração. Ele me respeitou. Chamou os subalternos, deu por encerrada a vistoria e se retirou. As pessoas começaram a chegar e a entrar no cinema. O Rio Branco ficou cheio”.

Havia prazo para organizar o partido, a fim de viabilizá-lo, de modo a participar do processo eleitoral de 1966. A solenidade de fundação do partido em Sergipe, presidida pelo senador Josaphat Marinho, contou com a participação de importantes lideranças nacionais, todas do nascente MDB, responsáveis por discursos entusiasmados e recheados com a mensagem da esperança na reorganização do Estado democrático: Vieira de Melo, Padre Nobre, João Herculino, Getúlio Moura e Odilon Ribeiro Coutinho, todos eles membros do Congresso Nacional.

Dentre as lideranças locais, falaram na solenidade José Carlos Teixeira, Ariosto Amado e Walter Batista. Outra tônica dos discursos foi a da crítica dura ao governo do primeiro presidente da ditadura, o marechal Humberto de Alencar Castello Branco.

A festa, transmitida pela Rádio Cultura de Sergipe, reuniu cerca de 800 pessoas, que lotaram o cinema Rio Branco e se aglomeraram na rua João Pessoa, à entrada do edifício onde se realizou o ato. As homenagens que tinham a democracia como seu principal mote, fixaram principalmente a história das tradições do extinto Partido Social Democrático – PSD e o nome do falecido senador Leite Neto, que morreu em 1964, bem como do ex-prefeito de Aracaju, José Conrado de Araujo, também falecido no início da década de 60 do século XX.

A importância que foi dada à instalação do diretório do partido da oposição em Sergipe pode ser avaliada pelo fato de o Jornal do Brasil haver enviado o, à época, prestigiado jornalista Evandro Carlos de Andrade para dar cobertura ao fato. O jornal O Estado de São Paulo mandou o jornalista Carlos Pereira, enquanto o jornal Última Hora enviou o jornalista Afonso de Souza.

O governador de Sergipe, Celso de Carvalho, um dos articuladores da Arena no Estado, enviou o major Lenine Mendes como seu representante na solenidade, enquanto o prefeito de Aracaju, Godofredo Diniz, foi representado pelo major Milton Menezes. O coronel José Félix representou o secretário de segurança pública. Os três foram convidados e tiveram assento à mesa que dirigiu os trabalhos. A Associação Sergipana de Imprensa foi representada pelo provecto jornalista Zózimo Lima.

Na mesma sessão em que o partido foi instalado, foram eleitos os membros da sua Executiva Regional: José Carlos Teixeira, presidente; Eraldo Lemos, Ariosto Amado e Walter Batista, vice-presidentes; Antônio Cabral Tavares, secretário-geral; Umberto Napoleone Mandarino, Tesoureiro; Amélia Farias Figueiredo, Maria Auxiliadora Santos, Manoel Cardoso dos Reis, José d’Oliveira Góes Rezende e José Rabelo Leite, vogais.

O partido nasceu com a característica de ser uma frente das oposições, da qual participavam pessoas de distintos matizes ideológicos. Em entrevista que concedeu ao jornalista Osmário Santos, publicada no livro MEMÓRIAS DOS POLÍTICOS DE SERGIPE, o padre Gerard Olivier afirmou que o MDB “acolhia, praticamente, toda a esquerda, todos que não tinham um espaço, pois só existiam no Brasil, dois partidos políticos” (p. 184).

Wellington Paixão, em entrevista que me concedeu no dia nove de agosto de 2008, disse que quando da sua fundação, o partido era visto como “a sublimação e a materialização da indignação”, apto a reunir políticos já estabelecidos e jovens que estavam iniciando a vida política.

Era um espaço que se abria para os que queriam contestar a ditadura, pois o partido oferecia o ambiente propício a tal prática. Para Jackson Barreto, que eu entrevistei em maio de 2008, “O papel daqueles que pegaram o livro e se reuniram no Cinema Rio Branco para fazer um partido de oposição foi fundamental para a ressurreição da democracia no Brasil. Eles tiveram coragem de contestar o regime, de gastar as suas economias, porque nós que militávamos no MDB não militávamos para servir a Norcon, para servir a Oviedo, para servir a Tarcísio, para servir a Luiz. Nunca nós fomos usados em qualquer tipo de manobra que tivesse como objetivo atender interesses econômicos da empresa Norcon”.  

Em entrevista ao jornal DIÁRIO DE ARACAJU, publicada na edição do dia seis de abril de 1966, o deputado federal Ariosto Amado definiu o que entendia ser, à época, o ideário emedebista: “O Movimento Democrático Brasileiro é uma corrente de opinião que está se estruturando no Brasil e tem como finalidade imediata a redemocratização do país. Com este objetivo o partido bater-se-á pela volta integral da Constituição de 1946 na sua parte política, incluindo basicamente o retorno às eleições diretas, que o partido considera nas atuais circunstâncias condição fundamental para a volta do país ao regime de plena normalidade democrática. Desta forma o Deputado Federal Ariosto Amado iniciou suas declarações prestadas a reportagem do “DA”, ontem. Com relação a política econômico-financeira do Governo, o MDB já formulou suas críticas, que são dirigidas principalmente contra os métodos utilizados no combate a inflação. Estes métodos, acentuou o Deputado, vêm agravando a crise que o país atravessa, pois estão causando o empobrecimento acelerado do povo brasileiro, não só das classes trabalhadoras que têm os salários reais reduzidos, mas também da classe média e do próprio empresariado nacional, que atualmente atravessa uma fase de enormes dificuldades”.

A decisão tomada por José Carlos Teixeira ao fundar o MDB atraiu políticos experientes e também algumas lideranças jovens da política de Sergipe, da capital e do interior do Estado. Um deles foi o então jovem estudante de Direito Carlos Alberto Menezes, hoje conceituado advogado e professor de Direito.

Entrevistei Carlos Alberto em setembro de 2008, quando ele esclareceu que o MDB não era um partido revolucionário. “José Carlos Teixeira cumpriu um papel forte. José Carlos Teixeira é um liberal, de uma família de empreendedores, figuras expressivas do mercado sergipano, com uma formação política orientada para a ideia de que os valores liberais podem se realizar de forma mais eficaz dentro do Estado democrático. Foi esta a luta de José Carlos Teixeira, a luta pela supressão do Estado forte para construir um Estado democrático”.

O partido era uma legenda que tinha características de frente que lutava contra a ditadura militar. O objetivo maior era o de reorganizar o Estado democrático de Direito no Brasil. Dentre os que aceitaram o convite de José Carlos Teixeira estavam Jaime Araujo, Viana de Assis, Tertuliano Azevedo, Baltazar Santos, Núbia Macedo, Otávio Martins Penalva, Pedro Garcia Morena, Carlito Melo, Umberto Mandarino, José Lavres da Fonseca, Raimundo Souza, Deoclécio Vieira, Bismarck Santos, Manoel Cardoso, Eraldo Lemos e Antônio Tavares, dentre outros.

Entrevistei o próprio José Carlos Teixeira em março de 2008 e ele me explicou que para organizar o MDB em Aracaju contou, principalmente com a base do antigo Partido Trabalhista Brasileiro – PTB: “Agnaldo Menezes, a viúva de José Conrado de Araujo, dona Rute, e meu tio Antônio Mesquita, dentre outros”.

Há dificuldades em listar os nomes de todos os fundadores que assinaram o livro de registro do MDB, em 1966, na solenidade do Cinema Rio Branco. Em função das contingências políticas que a ditadura militar impôs aos militantes de oposição, o primeiro livro de registro de filiações terminou desaparecendo e, com isso, muitos nomes ficaram perdidos na memória dos fundadores.

Em depoimento que concedeu ao autor do presente trabalho, o jornalista Luiz Antônio Barreto informou que esteve presente à solenidade daquela noite e também assinou o desaparecido livro de registro das filiações partidárias. Na entrevista que Jackson Barreto de Lima me concedeu, ele comentou a ilimitada capacidade que José Carlos Teixeira demonstrou para filiar ao MDB pessoas de diferentes matizes:

“José Carlos Teixeira tinha esse dom de procurar, a capacidade de conversar, de buscar quadros, de cativar pessoas, ninguém pode negar. Ninguém pode deixar de reconhecer que muitos quadros que o MDB conseguiu colher foram fruto da conversa, da perseverança de José Carlos, dos seus irmãos Tarcísio e Luiz e do seu pai, Oviedo Teixeira”.

Os familiares de José Carlos Teixeira também acompanharam a sua decisão e os primeiros a se filiar ao partido foram o próprio Oviedo Teixeira e os seus filhos Luiz Antônio e Tarcísio Mesquita Teixeira, mesmo sabendo que aquele tipo de decisão poderia criar dificuldades para a concretização de alguns negócios das suas empresas.

Na entrevista concedida em maio de 2008, Luiz Antônio Teixeira contou que “a nossa empresa de engenharia tinha contratos com os governos federal, estadual e municipal. Nós tomamos a posição com plena consciência dos riscos que estávamos correndo, mas não iríamos abandonar o nosso irmão num momento como aquele”

Filiar-se ao MDB naquela oportunidade significava ser oposição, sem perspectiva de ser governo. Por isto, Jackson Barreto entende que “Tarcísio, Luiz Teixeira e Oviedo Teixeira contribuíram muito para organizar o partido, colaboraram com trabalho e com recursos financeiros para organizar o partido, se dispuseram a fazer contatos, conversar com muitas pessoas, recrutando muita gente para o MDB. Sempre estavam sugerindo: vamos conversar com fulano, vamos convidar beltrano”.

As dificuldades para estruturar o partido são constatadas pelo esforço que se impôs à organização dos diretórios no interior do Estado de Sergipe. Enquanto a Arena articulou com facilidade os seus diretórios em todos os municípios do Estado, o MDB somente conseguiu formar diretórios em 16 municípios: Aracaju, Itabaiana, São Cristóvão, Estância, Pedra Mole, Santa Luzia do Itanhy, Boquim, Itaporanga d’Ajuda, Frei Paulo, Carira, Ribeirópolis, Nossa Senhora da Glória, Própria, Cedro de São João e Neópolis. Mesmo em Aracaju, foi muito difícil organizar o diretório do partido, em face dos receios que as pessoas manifestavam diante dos governos da ditadura:

Outra vez recorro ao depoimento de Wellington da Mota Paixão: “Eu lembro quando se fundou o MDB em Sergipe, Ulisses Guimarães veio a Aracaju fazer uma pregação sobre o programa do partido e nós não conseguimos colocar 15 pessoas na plateia. E olhe que se divulgou, se convidou, mas ninguém foi. E ele disse uma frase marcante: eu sou MDB, nem que doa”.

José Carlos Teixeira conseguiu organizar o partido, dentre outros fatores, em face da sua capacidade de congregar lideranças, de ouvir aspirações e de conciliar interesses à esquerda e à direita, de jovens e de políticos mais experientes, na capital e no interior do Estado de Sergipe.

Ao ser entrevistado, no dia 14 de agosto de 2008, Jonas Amaral apontou algumas características da personalidade de José Carlos Teixeira: “Ele sabia identificar as lideranças políticas e os seus interesses, por mais equidistantes que fossem. Ele era capaz de reunir antagônicos e fazer com que todos sentassem à mesa. Por isto, ele foi um homem muito importante”.

 

 

*Para saber mais, leia:

NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. MEMÓRIAS DA RESISTÊNCIA: O MDB E A LUTA CONTRA A DITADURA MILITAR EM SERGIPE. Aracaju, Criação Editora, 2019.

SANTOS, Osmário. MEMÓRIAS DE POLÍTICOS DE SERGIPE NO SÉCULO XX. Aracaju, UFS/Fundação Oviedo Teixeira/Banese, 2002.

 

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