Jorge
Carvalho do Nascimento
Depois que o primeiro
presidente da ditadura militar de 1964 assinou o ato institucional número dois,
extinguindo o pluripartidarismo e estabelecendo o bipartidarismo no Brasil, foi
José Carlos Teixeira quem materializou a ideia de fundar o Movimento
Democrático Brasileiro – MDB, a fim de fazer oposição aos governos da ditadura
em Sergipe.
Os riscos
políticos assumidos por ele foram elevados e, algumas vezes, o ônus que assumiu
foi muito alto. Nas eleições de 1970, candidato a deputado federal, ele obteve
a segunda maior votação dentre todos os nomes que disputaram a vaga de deputado
federal, porém não se elegeu porque o seu partido não obteve a legenda mínima que
então se exigia.
Garantir o seu
mandato no MDB era sempre bem mais difícil do que eleger um deputado federal
pela Arena. Por isto, militantes do MDB à época, como Wellington Paixão, chegam
a assumir um tom emocionado quando tratam do papel desempenhado pelo histórico líder
do partido.
Em entrevista
que me concedeu em agosto de 2008, Wellington Paixão afirmou: “Nenhum
historiador ouse escrever a história da resistência à ditadura em Sergipe sem
que comece e termine com José Carlos Teixeira. Quanto mais o tempo passa,
quanto mais eu envelheço, a minha consciência se forja e eu tenho clareza de
que José Carlos Teixeira é o político mais importante de Sergipe nos últimos 40
anos”.
Com o
desdobramento dos fatos políticos, ao longo dos anos de 1964 e 1965, José
Carlos Teixeira relatou a importância da interlocução e das discussões que
travou com Mário Covas, Humberto Lucena, Fernando Santana, Cid Sampaio e
Ulisses Guimarães. Sobre este assunto, entrevistei José Carlos Teixeira em
março de 2008:
“Primeiro houve
a fundação nacional do partido, o MDB. Eu sou um dos 200 signatários do
documento que originou o partido. Nós reunimos um bloco todo, fora os que já
estavam exilados. Conversei com Paes de Andrade, Ivete Vargas, Tancredo Neves,
Ulisses Guimarães, Mauro Borges e outros. Fizemos a subscrição necessária para
alcançar o quorum exigido no plano federal. Fundar o MDB em Sergipe era a minha
responsabilidade nesse processo”.
Num Estado onde
a política partidária tradicionalmente era dominada por grupos oligárquicos que
se dividiam principalmente entre udenistas e pessedistas, era muito difícil a
criação de um partido como o MDB que se propunha a ser, num momento delicado da
vida brasileira, um instrumento de renovação dos métodos políticos.
A atitude de
José Carlos Teixeira ao fundar o MDB em Sergipe no ano de 1966, era um gesto
ousado para um deputado que estava chegando ainda aos 30 anos de idade e que se
encontrava no exercício do seu primeiro mandato parlamentar. Fora eleito a
primeira vez pela legenda do extinto Partido Social Democrático – o PSD e naquele
momento aceitava a tarefa de organizar em Sergipe o partido que faria oposição
à ditadura militar.
Foram poucas as
lideranças que resistiram ao ambiente de pressão criado em Sergipe, na
tentativa de fazer com que as figuras de maior expressão na vida política, no
mundo intelectual, no campo econômico aderissem ao novo partido governista.
Todo tipo de pressão era utilizado em relação àqueles que recusaram os convites
para integrar a Arena, o partido que apoiava a ditadura.
No dia 13 de
fevereiro o jornal Diário de Aracaju publicou uma foto do empresário Oviedo
Teixeira, ao lado do ex-governador Leandro Maciel, anunciando que ambos haviam
fechado entendimento em torno do novo partido e que o empresário estivera no
Palácio Olympio Campos, participando da reunião na qual foram feitos os acordos
para fundar a Arena.
Oviedo reagiu e
três dias depois, na edição de 16 de fevereiro, o periódico publicou a sua
retratação, esclarecendo estar enganado e informando que, na verdade, a foto
fora obtida durante a solenidade de inauguração da nova agência do Banco
Mineiro da Produção, que ocorrera em Aracaju no dia 11 de fevereiro:
“Revendo os
originais das reportagens, os repórteres encarregados da cobertura da reunião,
constataram haver incluído o nome do Sr. Oviedo Teixeira entre os presentes por
equívoco, confundindo-o com outro político pessedista. Registramos a
retificação, confirmando que, efetivamente, o ilustre comerciante e líder
político não fez parte da referida reunião”.
Na verdade,
àquela altura Oviedo Teixeira já havia concordado com a posição do seu filho, o
jovem deputado federal José Carlos Teixeira, de fundar o Movimento Democrático
Brasileiro em Sergipe.
Em entrevista
que me concedeu em 2008, o empresário e político João Augusto Gama da Silva
afirmou que “O MDB de Sergipe foi criado graças a Zé Carlos Teixeira. Ele
chegou em Brasília, jovem, deputado federal e se vinculou ao grupo de João
Goulart. Talvez até, se Zé Carlos tivesse entrado na Arena, com o nome do pai e
o prestígio da família, talvez tivesse sido governador de Sergipe. É inegável a
importância do papel exercido por José Carlos Teixeira em defesa da democracia
em Sergipe, ao fundar o MDB”.
José Carlos buscou
seduzir não apenas aqueles que lhe eram mais próximos, mas buscou alargar o
horizonte dos quadros com os quais fundaria o MDB, mantendo contato com
intelectuais, profissionais liberais e empresários que se dispusessem a
integrar o partido oposicionista.
Mas, o resultado
desses contatos era sempre muito desanimador. Um bom exemplo dessas
dificuldades é relatado por Ibarê Dantas, ao discutir a insistência com a qual
José Carlos Teixeira cortejou o jornalista Orlando Dantas, tentando seduzi-lo a
ingressar no novo partido, em face da sua posição política de vanguarda em
Sergipe.
Orlando Dantas
foi fundador e dirigente do Partido Socialista Brasileiro, deputado federal
pelo PSB e sempre buscou, através do seu jornal, formar novas lideranças.
Todavia, Ibarê Dantas publicou um depoimento de José Carlos Teixeira sobre
essas tentativas, quando o líder do MDB sergipano procurou o jornalista
acompanhado de Ariosto e Eurico Amado, para oferecer-lhe a presidência do
partido ou a secretaria geral e numa segunda etapa que ele fosse candidato a
senador ou deputado federal ou deputado estadual.
Ibarê Dantas
revelou no livro A TUTELA MILITAR EM SERGIPE, 1964/1968 a posição tomada
naquele processo por Orlando Dantas: “Então ele dizia que agradecia, mas não
aceitaria. Em primeiro lugar, com relação às candidaturas, ele afirmava que não
podia se ausentar de Sergipe. Então só teria chances de ser candidato a
deputado estadual. Mas o resultado da eleição de 1962, quando ele foi candidato
a deputado estadual derrotado, fez com que desanimasse. Na ocasião disse: eu
preciso de vinte mil cruzeiros e não tenho esse dinheiro. [José Carlos Teixeira
respondeu:] ‘Sr. Orlando deixe essa parte conosco. Nós vamos mobilizar em
caráter prioritário a sua eleição à Assembleia Legislativa’. (...) Ele então
disse: Não, não vai dar certo. A minha preocupação, a minha prioridade, já que
agora eu assumi a direção da Usina, é dedicar-me inteiramente a ela. Por outro
lado, esse governo revolucionário que aí está, militar, não aceitaria em
hipótese nenhuma minha presença na oposição e vai dificultar através do IAA e
do Banco do Brasil todas as minhas aspirações creditícias
(p. 43).
Algumas
lideranças políticas ligadas à antiga UDN assumiram posição pendular, oscilando
entre os antigos correligionários e a possibilidade de assumir a postura
oposicionista e partir para o enfrentamento da ditadura. Um bom exemplo desse
tipo de situação foi dado pelo prestigiado médico pediatra José Machado de
Souza.
Ex-vice-governador
de Sergipe, eleito em 1954 na chapa da UDN, ao lado de Leandro Maciel, o médico
Machado de Souza chegou a anunciar a sua candidatura a prefeito de Aracaju pelo
MDB, no início de 1966, antes que a ditadura proibisse a realização das eleições
diretas para prefeitos das capitais dos Estados brasileiros. Mas, logo
recuaria, desistindo do projeto de militar no MDB.
No entanto,
ex-udenistas como Edson Mendes de Oliveira, Lucilo da Costa Pinto e Umberto
Mandarino assumiram o projeto liderado por José Carlos Teixeira. Do mesmo modo
o fizeram antigas lideranças do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, como
Eraldo Lemos.
O arquiteto
Wellington Costa, um dos organizadores do MDB no município de Moita Bonita
analisa a atuação de José Carlos Teixeira no período como movida por uma forte
crença e muita esperança na democracia. Entrevistei Wellington Costa em agosto
de 2008 e ouvi dele, a respeito de José Carlos Teixeira, a seguinte afirmação: “Ele
tinha incorporado determinados princípios democráticos que rejeitavam a
ditadura e não se ajustavam a proposta da Arena. Eu acredito que ele, na Arena,
teria mais facilidades para ser eleito que no MDB”.
A visão aberta
em relação a participação da juventude assumida por José Carlos Teixeira foi
fundamental no processo de organização do partido e na formação de lideranças
que contribuíram para consolidar a organização em face das adversidades
políticas que estavam postas para o deputado federal que se posicionara na luta
contra a ditadura.
Outra vez
recorro ao depoimento que ouvi de Wellington Paixão: “Eu sou testemunha do
esforço de José Carlos Teixeira para arrebanhar, buscar pessoas para se filiar
ao MDB e disputar mandato eletivo. Eu acompanhei José Carlos Teixeira em várias
e várias tarefas e missões de tentar convencer pessoas da sociedade a ingressar
no MDB. Pessoas da classe média, da classe médica, advogados, mas as pessoas
rejeitavam. Muita gente recusava”.
Luiz Antônio
Mesquita Teixeira relatou que mesmo nas derrotas eleitorais, como a da eleição
de 1978, José Carlos Teixeira não renunciava ao entusiasmo pela luta
partidária. Entrevistei Luiz Antônio Teixeira em junho de 2008. Segundo ele, quando
José Carlos perdeu a cadeira de senador, no segundo dia das apurações, já
evidenciada a impossibilidade de êxito, foi fazer uma visita de solidariedade
ao irmão, visitando-lhe na sua residência.
“Eu fui com o
espírito de quem vai a um velório. Encontrei Zé Carlos animadíssimo, dizendo: ‘Luiz,
já temos garantidos dois deputados federais e estamos disputando o terceiro’.
Eu pensei: este cara é louco, foi derrotado e está nesta animação toda com a
eleição dos deputados do partido”.
Dentre as muitas
dificuldades que José Carlos Teixeira enfrentou para organizar o partido em
Sergipe, uma delas era idêntica àquela que as demais lideranças da oposição
encaravam em seus Estados: vários setores ligados aos grupos chamados
convencionalmente de classe média, além da maior parte dos grupos da elite
brasileira, encararam o golpe militar, nos seus primeiros anos, com muita
simpatia.
Muitos setores
vinham manifestando inquietação diante de algumas iniciativas do governo do
presidente João Goulart. Por isto, foi obrigado a recorrer a muitos familiares
para ajudá-lo na tarefa de criar o partido oposicionista. Este esforço,
todavia, valeu ao MDB muitas críticas, principalmente da parte de algumas
pessoas que recusaram colaborar para com a fundação do partido, mesmo alguns daqueles
que assumiam a postura de opositores do novo regime.
Outra vez
recorro ao já referenciado livro de Ibarê Dantas: “A agremiação oposicionista
era apresentada como partido dos Teixeira, partido do boi, em face das
atividades pecuaristas de alguns de seus filiados. Embora o MDB fosse uma
organização praticamente sem perspectivas para quem ambicionava conquistar o
poder político estadual, o fato de agregar os principais grupos de esquerda e
defender a democratização, deveria incomodar, especialmente os que se faziam de
reformistas ardentes ou de revolucionários, mas não se dispunham a apoiar o
partido oposicionista. Daí a tática de identificá-lo com a ARENA, como forma de
atenuar a opção pelo situacionismo. Pois, se eram iguais os partidos, a escolha
entre um ou outro seria de pouca importância” (p. 143).
Mesmo
enfrentando todas essas dificuldades, José Carlos Teixeira conseguiu constituir
a primeira Comissão Diretora Regional do MDB em Sergipe, com a participação de
apenas um membro da sua família, o empresário Tarcísio Mesquita Teixeira, seu
irmão. Os demais fundadores do partido a figurar na primeira Comissão Diretora
fora Ariosto Amado, Walter Batista, José Rabelo Leite, Eraldo Lemos, Amélia
Faria Figueiredo, Umberto Mandarino, Aloísio Vieira, Maria Auxiliadora Santos,
Manoel Cardoso dos Reis, José Augusto Dutra, José d’Oliveira Góes Rezende,
Antônio Cabral Tavares e Cledivaldo d’Oliveira Santos.
*Para saber mais, leia:
DANTAS, Ibarê. A TUTELA MILITAR EM SERGIPE, 1964-1984. São
Cristóvão, Sergipe, Editora UFS, 2014.
NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. MEMÓRIAS DA RESISTÊNCIA,
O MDB E A LUTA CONTRA A DITADURA MILITAR EM SERGIPE. Aracaju, Criação Editora,
2019.
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