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BREVE NOTÍCIA SOBRE O GOLPE DE 1964*

                                                            João Goulart


 

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

O golpe militar de 31 de março de 1964 depôs o presidente do Brasil, João Goulart, e alguns governadores estaduais, dentre os quais o de Sergipe, João de Seixas Dórea. Ranieri Mazzili substituiu o chefe do Poder Executivo, mas logo depois o Congresso Nacional referendou a escolha do marechal Humberto de Alencar Castelo Branco para a Presidência da República.

Castelo Branco governou editando atos institucionais e banindo da vida pública três ex-presidentes (Jânio Quadros, Juscelino Kubitscheck e João Goulart). O governador de Sergipe, João de Seixas Dórea, foi preso, além de governadores de outros Estados, igualmente banidos da vida pública e levados à cadeia, bem como milhares de cidadãos, políticos, intelectuais, sindicalistas e estudantes recolhidos ao xadrez de diferentes unidades das forças armadas que foram cassados ou tiveram os direitos políticos suspensos, boa parte deles submetida a maus tratos. Somente no ano de 1964 foram computadas 203 denúncias de tratamento inadequado aos presos políticos.

Os militares e os líderes civis responsáveis pelo golpe militar de 1964, principalmente aqueles ligados à União Democrática Nacional, a UDN, afirmavam que pretendiam restaurar a ordem no país, citando como exemplos mais graves da desestabilização nacional, o comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, que aconteceu no dia 13 de março, 18 dias antes do golpe. Naquele ato, o presidente João Goulart assinou um decreto de reforma agrária diante de uma multidão estimada em 350 mil pessoas.

Os golpistas relacionavam também a proposta apresentada pelo chefe do Poder Executivo ao Congresso Nacional, ainda no mesmo mês de março, com o objetivo de permitir a reeleição do presidente e a candidatura de parentes seus, produzindo a impressão de que ele próprio tentaria novo mandato ou, em outra hipótese, apoiaria a candidatura do seu cunhado, Leonel Brizola, o que era intolerável para os que divergiam do seu projeto.

Além disto, no dia 26 de março se iniciou uma rebelião dos marinheiros contra a prisão do cabo José Anselmo, detido quando tentava organizar uma associação de classe. Os marinheiros protestaram na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, mesmo com a manifestação proibida pelo comando da Marinha.

Os oficiais militares não esconderam a insatisfação com o fato de o Governo deixar de punir os rebelados por insubordinação, o que na prática representava uma quebra da hierarquia militar. O sentimento de revolta da oficialidade se agravou mais ainda no dia 30 de março, quando o presidente João Goulart e sete ministros de Estado compareceram a uma reunião promovida por suboficiais e sargentos na sede do Automóvel Clube do Rio de Janeiro em solidariedade àqueles que organizaram a rebelião dos marinheiros.

Mesmo antes do golpe militar, esses setores manifestaram reação a algumas dessas decisões. No dia 19 de março, cerca de 200 mil pessoas se reuniram em São Paulo na Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Por isto, vários grupos mais conservadores esperavam com certa ansiedade o movimento iniciado pelo general Olímpio Mourão que, no dia 31 de março, marchou com suas tropas em direção ao Rio de Janeiro.

Essa movimentação foi estimulada, inicialmente, pelos governadores Carlos Lacerda, da Guanabara; Magalhães Pinto, de Minas Gerais; e, Ademar de Barros, de São Paulo. No dia primeiro de abril o Presidente da República embarcou para o Rio Grande do Sul e de lá para o Uruguai. Além dos problemas políticos, os golpistas falavam também em nome da necessidade de sanear a economia brasileira.

Desde o final da Segunda Guerra até o início da década de 60, a renda per capta no Brasil crescera em média dois por cento a cada ano. Entre 1957 e 1961 a economia brasileira apresentou uma taxa média anual de expansão da ordem de 8,3 por cento. Mas, nos primeiros anos da década de 60 o crescimento econômico estagnou e a elevação dos índices inflacionários galopou.

Um ano e meio depois da tomada do poder, os golpistas de 1964 reformaram a estrutura partidária do país, extinguindo o pluripartidarismo e adotando o bipartidarismo. A nova estrutura partidária foi estabelecida com base no ato institucional número dois, editado em 27 de outubro de 1965, que extinguiu os 13 partidos até então em atividade e voltou a regulamentar as eleições indiretas para presidente e também vice-presidente da República.

De acordo com o jornalista Élio Gáspari, em seu livro A DITADURA ENVERGONHADA, o Ato Institucional número dois estabeleceu também que as punições aplicadas aos adversários do regime seriam julgadas doravante pela Justiça Militar.

Todavia, não foi fácil reagrupar as diversas forças políticas em atividade no país, reunindo-as em apenas dois partidos: um de apoio à ditadura e outro de oposição. Por isto, foi necessário que ainda na primeira semana de janeiro de 1966 o presidente da República, marechal Castello Branco, editasse o Ato Complementar número seis, prorrogando o prazo para a regularização do registro dos dois partidos que se organizavam: a Arena e o MDB.

Além disso, o ato complementar número quatro estabeleceu que cada partido, para requerer registro, deveria dispor de, no mínimo, 120 deputados e 20 senadores. O bipartidarismo da política brasileira sem raízes históricas, sem condições sociológicas, não conseguiu legitimar o regime de 1964.

Mas, o fato é que a Aliança Renovadora Nacional – Arena aglutinou predominantemente as lideranças da antiga União Democrática Nacional – UDN, do antigo Partido Social Democrático – PSD e de organizações partidárias auxiliares como o PR, PSP, PTB e outros partidos menores.

O Movimento Democrático Brasileiro reuniu militantes do antigo Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, do antigo Partido Socialista Brasileiro – PSB, uma parcela menor do antigo PSD, do PR e de organizações clandestinas como o Partido Comunista Brasileiro – PCB.

As principais lideranças políticas do Estado de Sergipe chamaram de conciliação as discussões que levaram a fundar, em 1966, a Aliança Renovadora Nacional – Arena, reunindo tradicionais adversários políticos em torno do partido que buscava sustentar a ditadura.

A agremiação aglutinou quase todas as lideranças, amenizando antigas divergências políticas que cederam lugar ao diálogo imposto pelos comandantes do golpe que depôs o presidente João Goulart. A Arena surgiu, assim, com a característica de ser uma espécie de agrupamento de pessoas que tinham vinculações com o poder e já sabiam que aderir ao partido era ser governo enquanto a ditadura estivesse vigorando.

Antagonistas extremados concordaram em buscar fórmulas para a divisão do poder estadual em Sergipe. Chefes políticos como Arnaldo Garcez, Dionísio Machado, Leandro Maciel, José Rollemberg Leite, Luiz Garcia, ex-governadores do Estado, e outras lideranças como Augusto Franco, Lourival Baptista, Júlio Leite, Heribaldo Vieira e Manoel Cabral Machado, sentaram lado a lado para fundar a Aliança Renovadora Nacional.

O partido destinado a apoiar o governo da ditadura se estruturou em Sergipe sem maior dificuldade, indicando-se para a presidência do diretório estadual o nome do ex-governador Dionísio Machado. Os 32 deputados que tinham assento à Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe aderiram ao governo, ficando a oposição sem uma cadeira sequer.

Tinham assento no plenário do Poder Legislativo sergipano, em 1966, os deputados Aécio Silva da Fonseca, Aloísio Tavares, Antônio de Jesus, Antônio Torres Junior, Cândido Dortas, Elísio Carmelo, Fernando Franco, Fernando Prado Leite, Francisco Leite, Francisco Paixão, Gilton Garcia, Hildebrando Costa, Horácio Goes, Jacomildes Barreto, João Teles, João Valeriano, José Almeida Fontes, José Onias, José Ribeiro, Manoel Teles, Ozeas Batista, Paulo Lima, Pedro Batalha, Pedro Paes Mendonça, Pedro Siqueira, Raimundo Araujo, Roosewelt Menezes, Santos Mendonça, Sebastião Figueiredo e Wolney Melo. Todos filiados à Aliança Renovadora Nacional.  

A Arena se compôs a partir de grupos que aceitaram o regime ditatorial como meio para sobreviver e resistir às mudanças sociais que a população brasileira demandava. Também se filiaram ao partido da ditadura quatro dos sete deputados federais da bancada de Sergipe, todos os senadores e todos os ex-governadores, à exceção de João de Seixas Dórea.

Em relação aos deputados federais, três deles optaram pelo MDB: José Carlos Mesquita Teixeira, ex-PSD; Ariosto Mesquita Amado, ex PSB; e, Walter Batista. Dos 74 prefeitos dos municípios à época existentes em Sergipe, apenas dois deixaram de se filiar à Arena: José Lavres da Fonseca, prefeito de Pedra Mole, e José Costa, prefeito do município de Moita Bonita.

Dos 21 vereadores que integravam a Câmara Municipal de Aracaju, apenas cinco optaram pela oposição. Durante muitos anos, foi difícil não apenas angariar militantes para o MDB em municípios no interior do Estado de Sergipe, como também convencer os eleitores de que votar nos candidatos do partido era uma decisão sem riscos, em face do tipo de pressão exercida sobre a cidadania contra o voto na oposição.

Como em todo o Brasil, também em Sergipe, a maior parte dos líderes do antigo Partido Social Democrático – o PSD não teve dificuldade de se juntar aos inimigos de ontem da antiga União Democrática Nacional – a UDN, formando a Arena, sustentando politicamente a ditadura.

A edição do Ato Complementar nº 54, em 1969, elevou o número mínimo de filiados necessários à organização dos diretórios municipais para que os partidos fossem considerados regulares e tivessem o seu registro validado. Em Sergipe, o governador Lourival Baptista mobilizou-se pessoalmente para reorganizar, sob a sua liderança direta, os diretórios da Aliança Renovadora Nacional em todos os municípios, coadjuvado pelo secretário geral do partido, Manoel Conde Sobral.

A maior parte das forças políticas de Sergipe, com interesse de agradar o governador, se mobilizou para aumentar o número de filiados da Arena em cada município. O partido governista conseguiu se reorganizar, com facilidade, nos 74 municípios sergipanos. A própria Associação Comercial de Sergipe se mobilizou para filiar lideranças do comércio na Arena.

Os diretores da Associação fizeram pronunciamentos pelo rádio estimulando a filiação e vários empresários colocaram à disposição da campanha os espaços de publicidade que tinham contratado com as emissoras de rádio. O número de comerciantes que se filiou a Aliança Renovadora Nacional foi tão elevado (177 pessoas) que a Associação Comercial organizou chapa própria para concorrer aos cargos do Diretório Municipal de Aracaju do partido contra a chapa organizada pelos liderados do governador Lourival Baptista.

Conciliar os interesses dos diferentes grupos de arenistas em todos os municípios foi o maior problema enfrentado pelo governo para organizar o seu partido. Em vários municípios foi difícil chegar-se a um consenso e as disputas foram acirradas, como em Aracaju, Nossa Senhora das Dores, Itabaiana, Estância, Laranjeiras e Capela.

No final do ano de 1979, com a reforma partidária que restabeleceu o pluripartidarismo, as lideranças que ofereciam apoio aos governos militares se aglutinaram em torno do Partido Democrático Social – PDS. A agremiação teve como suas principais lideranças o então governador Augusto Franco, o vice-governador Djenal Queiroz, os senadores Lourival Baptista e Passos Porto, os deputados federais Raimundo Diniz e Adroaldo Campos e o prefeito de Aracaju, Heráclito Rollemberg.

Do mesmo modo que aconteceu quando se organizou a Arena, a organização do PDS atraiu a maior parte das lideranças políticas em atividade no Estado de Sergipe. Todos queriam agradar o governo federal e o governador Augusto Franco.

 

 

*Extraído da Introdução do livro MEMÓRIAS DA RESISTÊNCIA, de Jorge Carvalho do Nascimento.
 

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