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OVIEDO, JOSÉ CARLOS E A LUTA CONTRA A DITADURA EM SERGIPE

                                               Oviedo Teixeira
 

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

Após o golpe militar, José Carlos Teixeira, o pai, Oviedo Teixeira, e os irmãos, Tarcísio e Luiz Antônio Teixeira exerceram um papel preponderante na política de Sergipe, liderando o processo de organização do partido que se opôs à ditadura no Estado. Segundo José Carlos Teixeira era fundamental criar o partido com a tarefa de lutar contra a ditadura e restabelecer a força da representação política.

Na entrevista que me concedeu em março de 2008, José Carlos Teixeira afirmou que “a política é o instrumento de realização da vontade do povo. Depende do povo a escolha dos seus melhores valores. Pessoas que possam representar o povo, pelo seu caráter, pela sua coerência, pela sua visão, sem postular nenhuma vantagem de ordem pessoal e sem buscar nenhuma forma vil de fisiologismo e clientelismo para exercer o mandato.

Nascido em nove de abril de 1910, Oviedo Teixeira foi empresário de muito prestígio, até a sua morte em dois de julho de 2001. Como cidadão, extrapolava os partidos e foi nesta condição que emprestou o seu nome para colaborar com o filho José Carlos no projeto de criar o partido de oposição à ditadura em Sergipe, num momento em que poucas pessoas se dispunham a correr o risco de divergir dos generais.

Nascido no município sergipano de Itabaiana, o empresário Oviedo Teixeira foi agricultor, pecuarista, industrial e comerciante. Um dos 14 filhos de João Teixeira e de Maria São Pedro Teixeira era irmão de Antônio, Sílvio, Manuel, Lourdes, Olívio, José, Albertina, Bernadete, João, Cecília, Hermes e Elpídio.

Católico militante, ele frequentava a Catedral Metropolitana de Aracaju aos domingos, onde seu irmão Olívio era vigário-geral da Diocese, sempre acompanhado da mulher e dos seus sete filhos. Entrevista em maio de 2008, Jackson Barreto de Lima disse que “Oviedo era o homem que representava todo o pensamento econômico de uma geração, mas se envolveu como articulador da oposição e fez discursos muito corajosos”.

Oviedo Teixeira começara a participar da vida política de Sergipe depois de 1955, durante o governo Leandro Maciel, em face das perseguições que a família Ceará sofreu no município de Ribeirópolis, em função dos conflitos que resultaram na morte de Josué Passos.

Amigo do líder itabaianense Manoel Teles e procurador dos Cearás, que obrigados a se afastar de Ribeirópolis deixaram suas propriedades sob a sua guarda, Oviedo Teixeira começou a enfrentar dificuldades nos negócios e constrangimentos políticos causados pelos governistas ligados à União Democrática Nacional – a UDN.

Em face desses acontecimentos Oviedo decidiu transferir definitivamente todos os seus negócios para a cidade de Aracaju, onde já atuava desde o ano de 1939 com a sua Casa Teixeira. Desde os nove anos de idade já trabalhava, ajudando os tios no comércio, em Itabaiana e no Saco do Ribeiro (Ribeirópolis). Foi no Saco do Ribeiro que instalou a Casa Teixeira, sua primeira loja de tecidos, que depois teve sua matriz transferida para Itabaiana.

Desde a sua transferência para Aracaju colaborou politicamente e financeiramente com o PSD e influiu na política de municípios como Itabaiana, Frei Paulo e Ribeirópolis. Até que Oviedo iniciasse sua participação direta na vida política, o único membro da família que exercera forte influência partidária fora seu irmão Sílvio Teixeira, que em 1930 chegou a integrar a Aliança Liberal.

A partir daí, Sílvio iniciou uma carreira política de sucesso, exercendo os mandatos de prefeito de Itabaiana, deputado estadual constituinte e depois deputado estadual. Na política de Itabaiana, Sílvio Teixeira se consolidou como o líder do Partido Republicano – PR e algumas vezes foi aliado do líder do PSD, Manoel Teles.

Demonstrando disposição para o diálogo, desde que conquistou o seu primeiro mandato, já como deputado federal, em 1962, pelo Partido Social Democrático – o PSD, José Carlos Teixeira compôs a chapa na qual João de Seixas Dórea se elegeu governador de Sergipe, derrotando Leandro Maciel.

José Carlos Mesquita Teixeira nasceu no dia três de maio de 1936, em Aracaju, mas foi registrado pelo pai como nascido em Itabaiana. Em 1950, estudando no Colégio Estadual Atheneu Sergipense, foi militante da União Sergipana dos Estudantes Secundaristas – USES, ao lado de Jaime Araujo e Tertuliano Azevedo.

Anteriormente, vivera outra experiência no movimento estudantil secundarista, quando morou no Estado da Bahia, participando ativamente da campanha “O petróleo é nosso”, nos anos finais da década de 40 e no início da década de 50. De acordo com o entendimento de Wellington Mangueira, que me concedeu entrevista em agosto de 2008, “José Carlos foi preparado para a vida no mundo do trabalho. O pai era empresário, mas ele começou ganhando a vida no balcão da loja, medindo e rasgando pano na empresa Tecidos Teixeira. Era um homem trabalhador, que pegava no pesado”.

Na verdade, inicialmente, o patriarca Oviedo Teixeira não via com bons olhos a predileção do filho pela atividade política. No documentário MEMÓRIAS DO SUJEITO, produzido em DVD pela concessionária de veículos Cimavel, Oviedo Teixeira foi peremptório: “Eu não queria que José Carlos fosse político. Eu quis que José Carlos fosse um comerciante. Ele já estava iniciando muito bem no comércio. Era o meu sucessor, eu não tinha dúvida. Mas, entrou na política, junto com a campanha de Seixas Dórea. Seixas Dórea com aquele entusiasmo e José Carlos saiu logo candidato a deputado federal.

Alguns depoimentos dão conta de que mesmo antes da sua filiação ao PSD, José Carlos Teixeira mantinha contatos em Sergipe com a militância do antigo Partido Socialista Brasileiro – o PSB. Muito eloquente a respeito de tal questão é depoimento concedido por Wellington Mangueira:

“Ouvi relatos de José Rosa de Oliveira Neto, que sempre foi um homem sério, informando que antes de se filiar ao PSD José Carlos Teixeira conversou com alguns líderes do Partido Socialista e recebeu ajuda de alguns deles durante a sua campanha. José Carlos era um homem aberto a novos conceitos e isso entusiasmava alguns líderes do PSB. Como deputado federal pelo PSD ele conseguiu verbas para vários diretórios acadêmicos nos quais as lideranças do PSB eram muito atuantes. A participação dele na Cultura Artística e a divulgação dos artistas, compositores e intelectuais do mundo socialista em Sergipe foi um trabalho muito importante que José Carlos Teixeira desenvolveu. Ele era um homem progressista.

Em 1962, o projeto inicial de José Carlos Teixeira era ser candidato a deputado estadual pela legenda do Partido Republicano – o PR, sensibilizado que fora pelo líder daquela agremiação, o deputado Armando Rollemberg. Uma das principais lideranças do PSD, Celso de Carvalho, tomou conhecimento de decisão de José Carlos Teixeira e o procurou, sugerindo que ele mantivesse uma conversa com Francisco Leite Neto, o principal dirigente do partido em Sergipe.

Leite Neto, mesmo sendo aliado do PR, ao tomar conhecimento do fato, convenceu José Carlos Teixeira de que ele tinha condições de se eleger deputado federal pela legenda do seu partido. Candidato a senador, Leite Neto tinha interesse em compor uma chapa com nomes fortes de candidatos a deputado federal, de modo a fortalecer a sua candidatura ao Senado.

Ao final do processo, José Carlos Teixeira foi o deputado mais votado da legenda do PSD, obtendo mais votos que Edélzio Vieira de Melo, o candidato oficial do partido, e também mais sufrágios que Armando Rollemberg, do PR, o nome mais forte da coligação PSD-PR.

Após a sua eleição, José Carlos Teixeira adquiriu o Sergipe Jornal, que pertencera a Paulo Costa, logo depois transformado em Diário de Sergipe. José Carlos havia participado dos debates nacionais que resultaram na fundação do Movimento Democrático Brasileiro, sob a presidência do senador acreano Oscar Passos. No projeto de fundar o partido da oposição, o único respaldo que José Carlos Teixeira encontrou nas grandes lideranças empresariais de Sergipe foi aquele oferecido pelo seu pai, Oviedo.

No exercício do mandato de deputado federal, José Carlos Teixeira assumiu a condição de aliado do presidente João Goulart e fez alguns pronunciamentos no Congresso defendendo as reformas de base propostas pelo chefe do Poder Executivo. Ligado também ao líder do PSD na Câmara, Tancredo Neves, José Carlos revela que ao tomar conhecimento do golpe, imediatamente buscou dialogar com Tancredo para saber qual a orientação dada pelo partido aos seus parlamentares. Na verdade, no primeiro momento, todos estavam atônitos e sem um plano de reação articulado, principalmente depois que o presidente João Goulart saiu de Brasília com destino a Porto Alegre, de onde seguiu posteriormente para o exílio no Uruguai.

Outra vez, é muito importante o depoimento que deu José Carlos Teixeira acerca de tal assunto: “A minha maior preocupação era com a prisão do governador Seixas Dórea, de Sergipe. Foi preso, levado para a Bahia, mas ninguém tinha notícia dele. Ocupei a tribuna da Câmara e fiz um pronunciamento duro, cobrando explicações. Pedi uma audiência ao ministro da guerra, que era Costa e Silva. Fui a ele cobrar informações sobre o governador Seixas Dórea. Os jornalistas Carlos Castello Branco e Evandro Carlos de Andrade me deram ampla cobertura nos jornais O Globo e Jornal do Brasil. Eu era vice-líder do PSD e tinha responsabilidades. Recebi, na ocasião, também, muita solidariedade de Mário Covas e Humberto Lucena.

O jovem deputado, que assumira uma posição intransigente de defesa do governo João Goulart, via agora o presidente deposto e os militares exercendo o poder. José Carlos Teixeira era uma das poucas lideranças políticas de Sergipe com projeção nacional a assumir a posição de organizar a resistência oposicionista à ditadura militar.

Quase todos os membros das bancadas federal e estadual haviam assumido a filiação ao partido governista, a Arena. Em sua entrevista, Jackson Barreto colocou em destaque o papel do jovem deputado federal sergipano: “José Carlos Teixeira desempenhou um papel fundamental para a história da democracia do nosso país aqui em Sergipe. Se não fosse ele, a sua família, a sua coragem, o seu idealismo, não haveria como segurar esse projeto aqui em Sergipe. Ele lutou por idealismo, porque sabia que este projeto era um projeto caro do ponto de vista econômico, era um projeto difícil do ponto de vista político, era um projeto audacioso. Era José Carlos sozinho para lutar contra tudo e contra todos. Os que estavam enfrentando a ditadura no MDB naquela época eram os discriminados, os que não tinham direito a nada, os perseguidos, os chamados marginais para o regime militar.

 

 

*Para saber mais, leia:

NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. MEMÓRIAS DA RESISTÊNCIA: O MDB E A LUTA CONTRA A DITADURA MILITAR EM SERGIPE. Aracaju, Criação Editora, 2019.


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