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CHICO PADRE, O DFH E O DHI



 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

Quando eu ingressei na carreira docente da Universidade Federal de Sergipe, em 1988, havia um único Departamento, o DFH - Departamento de Filosofia e História que abrigava esses dois importantes campos especializados das Humanidades – a Filosofia e a História.

Lembro-me do Concurso Público que prestei para a disciplina História da Educação, cuja vaga ficou aberta com a aposentadoria de dois professores que sempre atuavam oferecendo turmas da disciplina: Juan Jose Rivas Pascua e Luiz Rabelo Leite. Com a saída de Rivas e de Luiz Rabelo, a História da Educação ficou sob a responsabilidade do Padre Caldas (não recordo o seu prenome), professor substituto que morreu tragicamente atropelado por um ônibus enquanto atravessava a avenida Rio Branco, em Aracaju.

Da banca do concurso para a disciplina História da Educação que me examinou participaram os professores José Paulino da Silva, Terezinha Alves de Oliva, Maria de Fátima Monte Lima, Antônio Tavares de Jesus e Antônio Ponciano Bezerra. Na prova didática o ponto sorteado foi a educação oferecida a Pantagruel pelo seu pai, o gigante Gargântua, na ficção do filósofo francês François Rabelais. À época eu havia chegado do mestrado em Filosofia da Educação que fiz na PUC de São Paulo, onde me entusiasmei estudando o debate educacional do século XVI.

Ao tomar posse, encontrei um Departamento coalhado de cabeças coroadas e tive a oportunidade de sentar ao lado de algumas “vacas sagradas” da vida intelectual de Sergipe que marcaram a primeira metade do século XX: José Silvério Leite Fontes, Maria Thétis Nunes, José Paulino da Silva, Francesco Pecorari, Antônio Tavares de Jesus, Maria da Gloria Santana de Almeida, Maria de Lourdes Amaral, Maria Nely Santos, Terezinha Alves de Oliva, Waldyr Santos, Lenalda Andrade Santos e outros tantos.

O mais jovem professor do corpo docente do Departamento de Filosofia e História - DFH era Francisco José Alves dde Aquino, o Chico Padre, que chegara à carreira da UFS um ano antes de mim, em 1987, e coincidentemente, havia nascido em 1957 e era um ano mais novo que eu.

Eu conhecia Chico Padre desde a segunda metade dos anos 70 do século XX, quando trabalhei na Assessoria Cultural da Secretaria da Educação e Cultura do Estado de Sergipe, a convite de Luiz Antônio Barreto, que era o chefe daquela repartição. Chico era um dos jovens interlocutores que dialogava com Luiz Antônio acerca de temas da cultura sergipana, sempre pesquisando ao lado da sua amiga e parceira de estudos Josefa Naide Barbosa.

Chico Padre era um sedutor. Impossível ouvi-lo falar e não ficar encantado com a sua sedução discursiva, com a sua capacidade de expor ideias, com a visão revolucionária de História que costumava defender. Nascido no interior do Estado da Bahia, ao migrar para Sergipe já veio com o apelido com o qual ficou conhecido até a sua morte.

Os baianos o chamaram de Chico Padre por haver ele recebido da sua família a preparação para uma suposta vocação sacerdotal católica que ele não possuía. Desistiu de ser seminarista, mas o apelido lhe ficou. Eu também fui preparado pela minha avó materna, Dona Petrina, para ser padre e desisti de tal caminho. O escritor itabaianense Antônio Saracura descreveu esse sonho de muitas famílias do século XX em seu romance MENINOS QUE NÃO QUERIAM SER PADRE.

Em meus primeiros tempos na carreira docente da UFS aprendi a me aconselhar com dois importantes professores do Departamento de Filosofia e História: Maria Thétis Nunes, que logo se tornou decana, e o jovem Chico Padre com quem muito aprendi sobre planejamento e organização da atividade docente e também sobre avaliação.

Eu e Chico tínhamos pavio curto. Ambos temperamentais e munidos de uma certa arrogância juvenil que marcou os primeiros anos da nossa atividade como professores universitários. Isto fez com que num dado momento tivéssemos rompido as relações de amizade. Ficamos quase cinco anos sem nos cumprimentar, embora eu sempre fizesse, a terceiros, referências elogiosas ao trabalho de Chico e recebesse de amigos comuns informações positivas acerca das observações dele sobre o meu trabalho.

Em 1992 eu me afastei do Departamento e da cidade de Aracaju para fazer os meus estudos de Doutorado em História da Educação. Ao retornar, em 1995, Chico estava afastado cuidando dos seus estudos de Doutoramento. Na volta dele fizemos as pazes. O DFH havia se dividido em dois Departamento: o DFI – Departamento de Filosofia e o DHI – Departamento de História. Eu e Chico ficamos no DHI.

Passamos a ter um ótimo relacionamento, respeitoso, de admiração mútua e de troca permanente de ideias. Sempre recebi de Chico bons presentes em formato de livros, artigos científicos e no debate de ideias, com boas sugestões acadêmicas. Do mesmo modo, procurei sempre agraciá-lo da melhor maneira possível, assim como deve ser entre bons amigos.

Em 2018 me aposentei da carreira docente universitária. Pouco tempo depois foi a vez de Chico. Passamos a ter contatos apenas eventuais. Pessoalmente, eram raros os encontros. Mas, amigos comuns sempre me informavam a respeito das coisas que Chico andava fazendo e levavam a ele notícias sobre as minhas traquinagens intelectuais.

No último dia 28 de agosto de 2025, eu estava fora de Aracaju quando amigos comuns como Antônio Lindvaldo, Amâncio Cardoso, Samuel Albuquerque e Luiz Eduardo Menezes Oliveira me procuraram para informar acerca da morte do professor Francisco José Alves de Aquino, levado por um infarto do coração.

Recebi a notícia entristecido com a partida de um dos melhores intelectuais da minha geração. Chico teorizou sobre a História como ciência e se debruçou sobre o seu método de investigação. Entristecido com a notícia da morte, fiquei feliz ao saber que um dos nossos amigos em comum está reunindo os textos de Francisco para a publicação de um livro que sintetiza as suas ideias.

O Chico Padre nos fará muita falta. 
 

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