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É DIFÍCIL RECONHECE A GENIALIDADE DE QUEM CONVIVE CONOSCO

TRIBUTO A LUIZ ANTÔNIO BARRETO

    Jorge Carvalho do Nascimento       Quem escreve em jornal é, normalmente, um escritor do dia a dia, do cotidiano. Tem muita pressa em dizer as coisas, quer ver o resultado e faz com que fique imediatamente velho aquilo que diz. No caso de Luiz Antônio Barreto, porém, a velocidade do jornalismo diário não resultou em prejuízo da qualidade das suas reflexões, sempre atentas ao problema das relações homem-cultura e a interpretação da cultura brasileira. Daí a importância de seus trabalhos não permanecerem dispersos, como sempre foi próprio ao texto publicado na imprensa diária. Esta, a razão da decisão que tomei de produzir um estudo biográfico sobre Luiz Antônio Barreto e de dispender energia em torno da organização e reunião da sua obra, ainda dispersa. O roteiro de alusões culturais de Luiz Antônio Barreto é surpreendente para quem, como ele, recebeu uma formação inicial periférica em municípios do interior dos Estados de Sergipe e da Bahia. Lugares como Lagarto, onde
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O VEREDITO

      Jorge Carvalho do Nascimento     O Padre Galo estava pronto para encerrar o seu inquérito e produzir o relatório que entregaria ao arcebispo Dom Moisés, em João Pessoa. Ouvira atentamente o quarto e último depoimento de Sônia e estava certo quanto a inocência da concubina do mascate Orozimbo. Silenciosamente tomou o trem para João Pessoa e na sexta-feira estava sentado à mesa do café da manhã com o governante da Arquidiocese. A conversa durou toda a manhã. Galo relatou circunstanciadamente tudo que acontecera na Paróquia do Sagrado Coração de Jesus. O Padre Galo conseguira convencer o chefe da Igreja Católica em João Pessoa que Sônia era uma vítima da pobreza, das circunstâncias de uma sociedade injusta, uma filha da estiagem no sertão da Paraíba, uma menina-mulher que lutou precocemente para conseguir a sobrevivência. Principalmente, era vítima de uma sociedade hipócrita que vivia ao redor do Porto de Cabedelo, onde existia todo tipo de negócios desonestos e antr

SÔNIA E O EVANGELHO DE SÃO JOÃO

      Jorge Carvalho do Nascimento     Desde a sua chegada a Cabedelo até o segundo depoimento de Sônia, o Padre Galo mudou completamente de opinião a respeito do comportamento da sertaneja. A mulher desqualificada que existia anteriormente na consciência do sacerdote, era agora uma vítima da desigualdade social e da crueldade do mundo. Ele não parava de pensar no que deveria fazer. Havia lido detalhadamente cada um dos 22 depoimentos que ouviu e agora, marcara já um terceiro encontro para registrar mais informações sobre a vida de Sônia. As dúvidas lhe assaltavam o pensamento sem parar. Deveria acusar Sônia, como fizeram todos os detratores que depuseram contra ela? Deveria responsabilizar o Frei Fernando? Sem falar que a beleza, a doçura e a leveza daquela jovem mulher despertaram um pouco do Pente Fino que ainda habitava os recônditos da consciência do Padre Galo. Pela segunda noite consecutiva acordara sobressaltado, em ereção, com o imaginário construindo-lhe inconsc

O CORONEL COELHO

      Jorge Carvalho do Nascimento     O fato de Sônia haver comparecido à missa do domingo dominou todas as conversas das beatas na Igreja e fez com que o Desembargador Elífio, sua mulher e as filhas do casal se retirassem do templo logo após a sertaneja se acomodar no primeiro banco, como costumava fazer todas as vezes que ia à Igreja. Aquele foi um final de semana atormentado para o Padre Galo. Desde que Sônia se retirara da Casa Paroquial após as cinco horas de depoimento que lhe dera no sábado, o sacerdote não parou de pensar sobre a fragilidade da condição humana. Do quanto a origem familiar é determinante da vida. Pensou em si. Posicionado confortavelmente na vida, do ponto de vista social e, também, da situação econômica, na cidade do Rio de Janeiro, cedo se entregou aos prazeres e levou uma vida de orgias entre os 15 e os 18 anos de idade, até sua família resolver interná-lo no Seminário Arquidiocesano São José, instalado na Fazendas das Arcas. Para Galo estava

O DEPOIMENTO

      Jorge Carvalho do Nascimento     Eram duas e meia da tarde quando o Padre Galo resolveu suspender o depoimento que tomava de Sônia. A sertaneja o surpreendera. Estava oferecendo um esclarecimento cheio de detalhes de uma maneira que o sacerdote não esperava que acontecesse naquele sábado. Eram já cinco horas de conversa, sem parar e ainda havia muito a ser dito. Galo esperava uma sertaneja com ares de prostitua, maletrosa, com o rosto carregado de pintura de maquiagem vulgar e pó barato. Uma mulher de cabelos ensebados e desgrenhados, soltos e embaraçados como os de uma “Madalena arrependida”. Quem se apresentou diante dele foi uma mulher elegante, cheia de estilo, com pintura discreta, que sabia se trajar elegantemente. A conversa de Sônia era muito bem articulada. Ela sabia narrar com competência, tinha uma boa postura e uma expressão oral transparente na qual era muito difícil encontrar erros gramaticais. O vocabulário era vasto e rico, demonstrando que o Padre G

O INVESTIGADOR

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Pontual, o desembargador Elífio chegou à Casa Paroquial antes das nove horas da segunda-feira, conforme combinara com o Padre Galo. Fora ele o primeiro convocado pelo sacerdote para depor na investigação determinada pelo arcebispo, com base no Código de Direito Canônico. Em havendo a comprovação de ter o Frei Fernando transgredido e pecado contra a castidade, a penalidade poderia ser severa e chegar até a perda dos direitos que a ordenação lhe concedera e a excomunhão. A sorte estava lançada e o Fernando já fora comunicado de tudo, em João Pessoa, por Dom Moisés. O desembargador Elífiio jurou com a mão sobre a Bíblia cumprir os preceitos da Igreja Católica e falar a verdade, contando tudo que fosse do seu conhecimento. O magistrado revelou ter ouvido muitos mexericos acerca da amizade entre o frade e Sônia depois que esta se instalou em Cabedelo. No relato do desembargador, os falatórios foram num crescendo incontrolável e disse q

PENTE FINO

      Jorge Carvalho do Nascimento*     A missa das oito da manhã do sábado foi muito concorrida. Estavam na Igreja o desembargador Elífio e sua esposa Raquel, acompanhados das filhas Marta, Juliana, Camila e Maria José. A preta Alba, cozinheira da Casa Paroquial, a principal disseminadora dos pecados do Frei Fernando, também estava no templo, contrita, usando véu. A chegada do Padre Galo a Cabedelo mexera com toda a comunidade católica que já não mais tolerava o pároco e os seus passeios à beira mar ao lado de Sônia. Definitivamente, o franciscano alemão havia angariado a antipatia das fofoqueiras de plantão e elas se encarregaram de contaminar as autodenominadas famílias de bem. Toda a comunidade católica queria conhecer o seu novo sacerdote. Aos 29 anos de idade, o Padre Galo era muito jovem, vaidoso, cabelos pretos cheios de brilhantina. Subiu ao altar, rezou a missa e sem citar o nome de ninguém dedicou o seu primeiro sermão a comentar as virtudes de Santa Mônica e a

A VIDA NÃO É TIRADA

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Dom José Thomaz Gomes da Silva, primeiro bispo da Diocese de Aracaju, foi nomeado pelo Papa Pio X, para assumir tal responsabilidade eclesiástica, no dia 12 de maio de 1911. Empossado em 04 de dezembro do mesmo ano, exerceu o governo episcopal até 1948, quando foi sucedido por Dom Fernando Gomes dos Santos. O prelado nasceu em Alexandria, Estado do Rio Grande do Norte, no dia 04 de agosto de 1873 e morreu em Aracaju, no dia 31 de outubro de 1948. No ano em que ele veio ao mundo, o Sítio Outeiro, onde nasceu, era parte do território do município de Martins, no Alto Oeste Potiguar. Seu pai, Tomaz Gomes da Silva, era professor e juiz de Direito. Ana Constança da Silva, dona de casa, era a sua mãe. Ao concluir os estudos de primeiras letras, mudou-se para a Cidade da Paraíba, posteriormente denominada João Pessoa, a fim de fazer os exames preparatórios no Liceu Paraibano. José Thomaz estudou Humanidades e Filosofia no Seminário Episcopa