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Mostrando postagens de maio, 2024

A MORTE DE OROZIMBO

      Jorge Carvalho do Nascimento     Mesmo tendo conseguido um trabalho como faxineira na Casa Ferreira, uma movimentada loja de ferragens localizada na Praça José Bonifácio, de propriedade do abastado comerciante Francisco Pinto Ferreira, Sônia continuava a viver sob muitos sacrifícios A ela cabia fazer a limpeza dos escritórios e servir água e café aos clientes e representantes comerciais que o dono da empresa costumava receber. O tempo estava fazendo bem a Sônia. Já no segundo semestre de 1937, a sertaneja, então aos 18 anos de idade, estava se recompondo e livre das marcas que a gestação deixara em seu corpo. Os resquícios de barriga desapareceram e ela voltou a ser aquela morena bonita, esbelta, de ancas largas, peitos fartos, bunda grande, pele de cor bem assentada, com coxas e pernas grossas e roliças, muito bem torneadas. Voltara a atrair a atenção dos homens e se fartava ouvindo galanteios, o que muito lhe agradava, mesmo fingindo não te...

OS PERIGOS DA INFÂNCIA

      Jorge Carvalho do Nascimento     Se o sofrimento serve para expiar os pecados, quando Eleutério completou o seu primeiro ano Sônia já estava livre de boa parte das culpas que acumulou ao longo da sua curta vida. Foram 12 meses provando de modo intenso o amargor da condição humana, o travo dos frutos mais difíceis de engolir. Sônia conheceu a angústia da solidão, numa cidade estranha, sendo uma mulher mãe solteira de filho que jamais conheceria o pai. Teve tempo suficiente para pensar e refletir a respeito do quanto fora ingrata com sua mãe Valentina e com sua irmã Ana durante o período em que desfrutou de uma vida de fartura. Morando em casa boa, obtendo ganhos mensais que lhe garantiam uma vida de muito luxo, Sônia nunca saiu de Cabedelo para fazer uma breve visita à sua mãe e à sua irmã na longínqua São José das Pombas, região limítrofe entre a Borborema e os caminhos que levam ao vale do Cariri. Pior ainda, nunca buscou um portador que l...

O PARTO

      Jorge Carvalho do Nascimento     Viver é o maior dos perigos que a vida impõe. Quando alguém percebe que começou a era da sua decadência, está na hora de fazer alguma coisa, de erguer as próprias barreiras. Sônia, em poucos anos, saiu da mais absoluta miséria para uma vida de opulência, morando em casa boa, bem mobiliada e confortável. Seu dia a dia era muito abastado. Agora, ela percebia que novamente a foice da miséria estava roçando perto das suas pernas. Pressentia que da opulência a um novo período de miséria, tudo aconteceria numa velocidade muitas vezes superior àquela com a qual fizera o caminho inverso, tendo se transformado numa mulher que vivia uma vida cheia de supérfluos e muito luxo. Chegara ao Varadouro com um patrimônio razoável quando se considerava o que conseguiu apurar com a venda da casa, mesmo tendo sido extorquida. A isto se somava o seu patrimônio em joias que não era pequeno. E mais o dinheiro que conseguira juntar co...

O VARADOURO

    Jorge Carvalho do Nascimento     Sônia percebeu, ao ser acordada por Dadá, que esta tinha o cenho franzido e não carregava no rosto aquele sorriso largo e animador que a caracterizava. Alguma coisa não estava indo bem. Sônia não conseguira atinar bem o que era, mas alguma coisa estava fora da ordem. - Não se assuste. Levante-se, cuide do seu asseio, troque de roupa, tome seu café e depois eu vou lhe mostrar uma coisa importante – falou Dadá. - Deve ser alguma coisa muito séria. Sua cara não mente. Dá pra ver que você está apavorada. Eu vou botar uma roupa e a gente vai ver agora – Sônia se vestiu rapidamente e acompanhou Dadá até a porta da sua casa. As paredes estavam cobertas de frases escritas com carvão, durante a madrugada. - Puta! Vá embora daqui! Assassina! Você matou dois padres e um juiz. Aqui é lugar de família. Vá embora, puta. Sônia percebeu o clima de hostilidade contra ela que se instalara em Cabedelo. Entrou em casa aos prantos e ...

A MESSALINA

      Jorge Carvalho do Nascimento     O vetusto salão nobre do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, em João Pessoa, abriu suas portas em câmara ardente para as exéquias do desembargador Elífio Campos, magistrado de muito prestígio no Poder Judiciário paraibano. Morto por uma machadada do Padre Galo, o seu óbito provocou consternação na capital paraibana. A exceção eram os habitantes de Cabedelo, onde o Desembargador não gozava de boa fama. Contrito, o interventor federal, Gratuliano da Costa Brito, amigo de Elífio desde a infância, era o primeiro da fila de condolências, cumprimentando a viúva Stella Campos. Ao lado do interventor, o desembargador Paulo Hipácio da Silva, o chefe do Poder Judiciário. Com ele, os demais desembargadores. Toda a elite paraibana formada por empresários que controlava áreas importantes da economia estadual como os algodoeiros, proprietários de empresas de navegação, importadores de máquinas e equipamentos, exportad...

O CRIME DO PADRE GALO

      Jorge Carvalho do Nascimento     Dona Stella Campos, a mulher do Desembargador Elífio, começou a ficar desconfiada em face do repentino entusiasmo pela fé que tomara conta do comportamento de sua filha Érica. Se antes ela vivia atormentada com o desinteresse da menina pela religião católica, tudo mudou sem qualquer explicação razoável. Aos 19 anos, todas as tardes Érica se dirigia ao templo para rezar o terço das Filhas de Maria. Sempre com vestidos ou saias rodadas, cabelos caprichosamente arrumados, ela saía de casa com o véu na cabeça e a fita vermelha com a medalhinha pendurada no pescoço. Retornava sempre depois das oito da noite, com a cara sorridente e feliz. Dona Stella questionava a filha se o terço demorava quatro horas e a moça sempre esclarecia que estava participando do grupo de estudos de leitura da Bíblia com o Padre Galo. - O seminário de estudos da Bíblia começa sempre as seis da tarde. E dura duas horas. A primeira parte é...

A PROCISSÃO DE DESAGRAVO

      Jorge Carvalho do Nascimento     Quando o Padre Galo chegou à Paróquia do Sagrado Coração de Jesus para investigar o comportamento do Sônia e o descumprimento do voto de castidade pelo Frei Fernando, ninguém imaginava que as coisas tomariam o rumo que a elas foi dado. O Frei Fernando fora enxotado da Paróquia e estava vivendo na Amazônia, a sertaneja se perdera nos braços do Desembargador Elífio e terminou na rua da amargura, com uma criança na barriga, humilhada pelo magistrado e abandonada por Orozimbo. E pior: sem nenhuma renda mais. O desejo do Padre Galo de se acostar com Sônia o levou a colocar toda a carga de responsabilidades sobre o Frei Fernando e livrar a moça, levando o arcebispo Dom Moisés a perdoá-la.  Os encantos da sertaneja acordaram o velho Pente Fino que jazia nos recônditos da consciência do sacerdote desde que este fizera o juramento da castidade. Ao despertar e ficar impossibilitado de se deitar com Sônia, o Padre t...

O MUNDO CAIU

      Jorge Carvalho do Nascimento     Sônia foi acordada por Dadá às oito horas da manhã. Recebeu a informação de que estava de pé, na calçada, em frente à porta da rua, um homem preto que disse chamar-se Timóteo. Desde que saíra de São José das Pombas na viagem que a levou a Campina Grande, nunca mais Sônia avistara aquele homem que fizera a sua segurança e a de Orozimbo ao longo do trajeto. Mandou que Dadá instalasse Timóteo na sala de visitas. Levantou-se, foi cuidar da higiene, banhou-se e foi direto ao encontro do preto Timóteo. Sentou-se em uma poltrona em frente a ele e quis saber o motivo de visita tão honrosa. - Venho da parte de Orozimbo. Ele mandou entregar à senhora essa carta – disse-lhe metendo a mão no alforje, de onde retirou um envelope. Esta é a minha missão. Desejo que a senhora tenha um bom dia. Entregou o envelope branco grande e partiu. Sônia começou a se atordoar e uma sensação ruim lhe tomou o corpo, da cabeça aos pés. Nã...

O SONHO DO ABORTO

      Jorge Carvalho do Nascimento     Quase uma semana tentando diferentes métodos abortivos e nenhum resultado. Sônia cada vez mais tensa e Dadá mais preocupada a cada novo dia. Um, insucesso após o outro e o medo do que as marocas cabedelenses falariam quando a barriga começasse a crescer. Esta era a nova rotina de vida da sertaneja. Na tarde do sábado, uma nova e surpreendente visita do Desembargador Elífio. Desta vez, nada de abraços, nem presentes, nem dinheiro e nenhum sorriso. O rosto sisudo revelava a cara de poucos amigos e denunciava que a missão do magistrado não seria a celebração da paz e a retirada das tensões dominantes. - Você já se livrou da barriga? – foi o boa-tarde do magistrado. Suando frio, as mãos e os lábios trêmulos, o medo do uso da força física e da violência por parte do juiz torturavam a menina Sônia. - Tenho tentado de tudo e até agora não consegui – balbuciou a cortesã. Em tom imperativo e com voz tonitruante, ...

DOCE DE PUTAS

      Jorge Carvalho do Nascimento     O desembargador chegou com sempre por volta das quatro da tarde. Sorridente, vestido com elegância e pronto para uma nova tarde-noite de orgias com Sônia. Ela, como acontecia habitualmente, depois dos abraços e beijos foi até a sala de jantar, onde abriu o atager e pegou as tigelas pequenas de vidro decoradas em baixo relevo, garfos e colheres de sobremesa em prata e guardanapos de linho branco. Abriu a compoteira que estava sobre o atager e com uma colher de sopa colocou duas porções generosas de doce de banana em calda, cortado em rodelas, em cada uma das tigelas. O conhecido e afamado doce de puta, como sempre foi chamado tradicionalmente no norte do Brasil. Elífio, sentado à mesa, acompanhava a movimentação da cortesã. Surpreso, ouviu um soluço profundo e o ruído provocado pelas contrações do esôfago seguidas por uma forte regurgitação. As náuseas produziram um vômito que sujou a roupa de Sônia e emporcalh...