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O DKW DA PROFESSORA

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Aprendi a dirigir em uma Rural Willys, uma espécie de vovó dos atuais utilitários SUV que tanto sucesso fazem, a exemplo do Tiguan (Volkswagen), do Jeep Compass, Renegade, Tracker e Captiva (Chevrolet), Vitara (Suzuki), Duster (Renault), RAV4 (Toyota), Pajero (Mitsubishi) e tantos outros.

A Rural Willys era um veículo pesado, com muita lata, usado na cidade e também em atividades off road, no campo. Encarava o pavimento a paralelepípedos e também ruas e estradas empoeiradas, lamacentas e cheias de pedregulho. Redesenhado em 1960, o modelo mais conhecido da Rural, no Brasil, foi inspirado na arquitetura de Brasília. O motor a gasolina bebia desesperadamente.

A que meu pai possuía, comprada de segunda mão, já havia sido muito usada nas suas atividades como mestre de obras. Quando eu tive as primeiras lições de direção, a folga do volante requeria que uns 30 metros antes da esquina você começasse a gira-lo. As direções eram mecânicas e exigiam muita força. A alavanca do câmbio de três marchas estava instalada na coluna de direção e também tinha folga na engrenagem. Algumas vezes se pretendia engrenar a primeira marcha e entrava a terceira. Os pedais do freio e da embreagem eram exageradamente duros. E aquele amontado de ferro e aço, com o tempo batia mais que as escolas de samba do Rio de Janeiro em dia de desfile.

De um modo geral, a lista dos veículos que circulavam pelas ruas do Brasil nas décadas de 60 e 70 do século XX, causa estranhamento aos que ainda não possuem 40 anos de nascidos, mas soam familiar aos cinquentões, sessentões e daí por diante.

Alfa Romeo 2000, Brasinca 4200, Chevrolet Alvorada, FNM 2000 JK, Macan Gurgel 1200, GT Malzoni, Puma GT, Simca (Alvorada, Chambord, Esplanada, Jangada, Presidence, Rally, Regente e Tufão), STV Uirapuru (Berlineta e Cabriolet), Toyota Bandeirante, Volkswagen (Fusca, Karmann Ghia e Kombi) e toda a linha Willys Overland (Aero Willys, Dauphine, Gordini, Interlagos, Jeep e a famosa Rural). Esta era a linha dos carros mais importantes em circulação numa sociedade recém encantada com os automóveis que começara a fabricar sob o influxo do discurso desenvolvimentista do presidente Juscelino Kubitscheck.

Os carros que mais atraíam os jovens da minha turma do Atheneu Sergipense eram de outro fabricante que não foi aqui citado. Interessavam-nos os veículos fabricados pela DKW Vemag. A empresa, que era um consórcio de fabricantes alemães e franceses, equipava os seus carros com motores de três cilindros em linha e dois tempos que queimavam uma mistura de óleo diesel e gasolina. Tinham tração dianteira e eram cheios de charme.

Um item particularmente agradava aos jovens alunos da minha turma do Atheneu Sergipense. A Vemaguete, um utilitário, uma espécie de “perua”, como era comum se denominar à época o modelo que o tempo transformaria em SUV, era equipada com portas dianteiras que abriam ao contrário. Da frente para trás era o movimento que as portas faziam, a fim de oferecer mais conforto a quem precisava entrar e sair do automóvel.

Nós preferíamos chamar o carro de “Deixa Ver” ou “DêChaVê”, referindo-nos ao veículo e a sua proprietária que todos os dias estacionava na área delimitada entre o muro e a parede do edifício do Atheneu, sob as árvores.

Era uma mulher bonita, erudita, viajada que encantava a todos nós. Tinha entre 35 e 45 anos de idade. Elegante e sempre bem vestida com saias rodadas e vestidos bem cortados. Suas aulas eram as do primeiro horário (13 horas). A partir das 12:30 estávamos todos lá sentados no muro, hormônios fervilhando até que a porta esquerda se abrisse e a sua proprietária desembarcasse.

O DKW da professora era uma festa.

 

 

*Jornalista profissional, professor, Doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e Presidente da Academia Sergipana de Educação.


Comentários

  1. Incrível como esses fatos têm ligação muito próxima com nossas histórias

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