Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de janeiro, 2023

EU, KAFKA E GREGOR SANSA

      Jorge Carvalho do Nascimento*     No ano que vem, 2024, registraremos o centenário da morte do escritor tcheco Franz Kafka e, um ano depois, em 2025, celebraremos os 110 anos de publicação de um dos mais importantes livros de toda a história da literatura – A METAMORFOSE. No mesmo ano será comemorado o centenário de publicação de O PROCESSO, do mesmo autor. A METAMORFOSE é um texto curto, fascinante, misterioso e polêmico. Para início de conversa, Kafka nunca explicitou se Gregor Sansa, personagem principal do seu conto havia mesmo se transformado em uma barata. Todavia, o onipresente inseto é citado sempre como sendo o astro do enredo. Para alguns intérpretes da obra de Kafka, o pobre Gregor Sansa se metamorfoseou em outro inseto, um besouro não menos asqueroso, aquele que atende pela designação popular de “Rola Bosta”. O texto de Kafka desnuda e põe do avesso o vale de lágrimas vivido pelo inditoso Gregor Sansa. Discriminado e segregado pela sua família, Sansa v

A FORÇA DE UMA BOA NARRATIVA

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Conheci Antônio Vieira de Araújo durante a primeira metade da década de 70 do século XX quando trabalhamos juntos como repórteres do jornal Gazeta de Sergipe. Foi um período rico de troca de experiências e aprendizado para todos nós, convivendo com jornalistas e intelectuais muito qualificados na equipe chefiada pelo aplaudido jornalista Orlando Dantas, na minha opinião o nome mais importante de toda a história da mídia impressa em Sergipe. Diariamente aprendíamos no convívio com intelectuais como Célio Nunes, jornalista reconhecido como escritor, contista e poeta. O nosso editor era o jornalista Luiz Antônio Barreto, indiscutivelmente o nome mais relevante da cultura sergipana durante a segunda metade do século XX e a primeira década do século XXI. Quando eu cheguei à redação da Gazeta de Sergipe, na primeira metade da década de 70, estabeleci uma sólida relação de amizade com Antônio Vieira de Araújo e com Milton Alves, ambos jove

A HISTORIADORA MARIA THETIS NUNES

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Ainda há muito a discutir acerca do que nos legou a professora Maria Thetis Nunes durante os 64 anos ininterruptos nos quais trabalhou como professora e pesquisadora. Nesse período ela publicou 10 livros, além de artigos e ensaios em revistas científicas. Nascida no município de Itabaiana, região do agreste do Estado de Sergipe, em seis de janeiro de 1923, Thetis concluiu o seu curso de graduação na Bahia aos 22 anos de idade, em 1945. Compreender o seu trabalho requer um acompanhamento atento em torno da sua trajetória de vida, da sua produção bibliográfica e dos artigos que publicou em jornais, revistas, anais de eventos e separatas, enfatizando o olhar que ela lançou sobre os intelectuais. Na sua estreia como intelectual, Thetis concorreu à cátedra de Geografia e História do Atheneu Sergipense com a tese OS ÁRABES: SUA CONTRIBUIÇÃO Á CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL, acerca da civilização árabe, na qual discutiu o Islamismo, a literatura árab

DE VOLTA À ESCOLA DE BADEN-POWELL

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Em 2008, quando publiquei o livro A ESCOLA DE BADEN-POWELL: CULTURA ESCOTEIRA, ASSOCIAÇÃO VOLUNTÁRIA E ESCOTISMO DE ESTADO NO BRASIL, o fiz despretensiosamente e sem imaginar que aquele seria um trabalho que me renderia, como informado periodicamente pelo Google Acadêmico e outros indicadores, grande quantidade de citações e referências por parte de diferentes estudiosos da Educação extraescolar no Brasil e em outros países. O livro se esgotou rapidamente e tem mais de 10 anos que recebo insistentes pedidos e sugestões para reeditá-lo. Tenho pensado em fazê-lo, mas vou sempre secundarizando tal decisão, em face de outros projetos editoriais mais recentes. Todavia, tal demanda vive a me comer o juízo. Na última sexta-feira, 13 de janeiro de 2023, recebi três e-mails de pesquisadores brasileiros e um outro de um colega que atua em uma universidade espanhola, todos pedindo informações a respeito do livro. Na manhã deste sábado, 14 de j

A MALINAGEM DE CRISTINA

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Em dezembro de 2021 estive no edifício do Jardim de Infância José Garcez Vieira, no bairro Siqueira Campos, e participei da bonita festa que foi a noite de autógrafos organizada pela pesquisadora Tereza Cristina Cerqueira da Graça, quando do lançamento do seu livro MALINOS, ZUADENTOS, ANDEJOS E SIBITES: O ARIBÉ NOS ANOS 70 E 80. Sou suspeito por princípio. Gosto de tudo que Cristina escreve. Texto escorreito, direto, linguagem descomplicada e objetos de estudo sempre muito originais caracterizam o trabalho da professora desde que ela publicou o livro que eu mais gosto, o seu ensaio antropológico no campo da História da Educação, PÉS DE ANJO E LETREIROS DE NEON. MALINOS, ZUADENTOS, ANDEJOS E SIBITES, o seu último livro, é um tributo à juventude que viveu nas décadas de 70 e 80 do século XX no bairro Siqueira Campos, o Aribé. Sem o capital econômico e de status social dos jovens que viveram no mesmo período em bairros mais elitizados

A MAGIA DE SAYONARA

      Jorge Carvalho do Nascimento*     A Universidade Tiradentes e o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe se uniram em 2021 para a execução do projeto de um livro que é uma doce declaração de amor ao Estado de Sergipe. A publicação reúne fotógrafos e uma iconografia que nos apresenta à história dos magos da imagem que viveram neste pedaço do território brasileiro e congelaram distintos lugares e momentos em papel fotográfico. RETRATOS E PAISAGENS AFETIVAS DE SERGIPE, livro organizado por Sayonara Viana com projeto gráfico e editoração de Jean Carlos Petchas, é em si uma obra de arte que encanta a quem gosta de livros. Obsessivamente perfeccionista, Sayonara, além de realizar a pesquisa, a catalogação e a curadoria do projeto, organizou uma equipe muito qualificada para a execução dos seus objetivos. Os textos foram produzidos por 15 importantes intelectuais, valorizando o conteúdo do livro: Aglaé d’Ávila Fontes, Ana Maria Fonseca Medina, Beatriz Góis Dantas, Cândida

ANA, CLAUDEFRANKLIN E HUGO GURGEL

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Produzir ensaios biográficos é arte que requer inspiração, talento e pleno domínio dos métodos da pesquisa histórica. Ana Maria Fonseca Medina e Claudefranklin Monteiro demonstram pleno domínio de tais competências e habilidades no livro PELA LUZ DOS OLHOS TEUS, o ensaio biográfico dedicado ao médico Hugo Gurgel. Ana é biógrafa do escritor Mário Cabral, do poeta Hermes Fontes, do polígrafo Epifânio Dórea e estudiosa da obra de Dom Luciano Duarte. A escritora publicou estudos a respeito da vida e da obra do médico e memorialista Edilberto Campos e produziu um primoroso trabalho biográfico a respeito do médico Edson Brasil. Sem falar de tantos outros trabalhos produzidos pela autora, como é o caso do seu refinado estudo acerca da Ponte do Imperador, monumento que marca a paisagem da cidade de Aracaju. Ou do trabalho acerca do monsenhor Olympio Campos. Claudefranklin Monteiro também passeia com maestria pela seara dos estudos biográfic

GRATIDÃO, ADMIRAÇÃO E AMIZADE

      Jorge Carvalho do Nascimento*     No final da década de 70 do século XX eu estava matriculado no curso de Direito da Universidade Federal de Sergipe e necessitava cursar alguma disciplina para completar alguns créditos de disciplina optativa que faltavam em grande quantidade no meu histórico escolar. Foi este o moto que me fez aluno da erudita professora Maria Thétis Nunes. Matriculado em Cultura Brasileira,  fui encontra-la em sala de aula, como seu aluno. Além de estudante de Direito estava concluindo o curso de Pedagogia e era redator dos noticiários da TV Atalaia. A minha jornada de trabalho acrescida das atividades de estudante faziam o meu dia de trabalho ser muito extenuante. Deste modo fui à primeira aula de Cultura Brasileira encharcado de má vontade. A professora entrou na sala de aula e imediatamente se fez um respeitoso silêncio. Todos sentaram-se e ficaram atentos. O nome de Maria Thétis Nunes impunha respeito. Saí da primeira aula encantado com a eru

O REI PELÉ E A CIVILIDADE

      Jorge Carvalho do Nascimento*     No final dos anos 80 do século XX fui presenteado pelo amigo médico Antônio Samarone com um exemplar do livro A LÓGICA DA VIDA, de autoria do biólogo francês François Jacob. A leitura me impactou muito e me fez compreender algumas coisas que o meu exíguo conhecimento em ciências biológicas não me permitia ver. Jacob trata da hereditariedade e do processo da reprodução dos seres vivos. Com ele aprendi muito sobre a progressividade das transformações e de que modo, efetivamente, a morte é a realização da vida, a sua etapa mais importante, a alteração mais profunda do estado da matéria. Percebi os fundamentos dos versos cantados pelo poeta Vinicius de Morais refletindo sobre tal processo: “Tem dias que eu fico pensando na vida/E sinceramente não vejo saída/Como é por exemplo que dá pra entender?/A gente mal nasce, começa a morrer”. Ou a reflexão filosófica de Gilberto Gil na oposição homem X inteligência virtual: “Eu posso decidir/Se v