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Mostrando postagens de julho, 2020

O JURI

  Jorge Carvalho do Nascimento*   O dia foi de festa. Final do mês de novembro de 1948, todos estavam felizes nas duas margens do rio São Francisco. O presidente Eurico Gaspar Dutra desembarcou do hidroavião e foi recebido pelas autoridades civis lideradas pelos prefeitos de Petrolina, do lado Pernambucano, e de Juazeiro, no lado da Bahia. As autoridades militares tiveram o reforço do general Comandante da Região, que viajou de Salvador até lá, uma vez que não seria de bom tom permitir que o presidente da República fosse recepcionado apenas pelo Sargento Valdez que comandava o Tiro de Guerra petrolinense. À frente das autoridades eclesiásticas, Dom Avelar Brandão Vilela, então bispo de Petrolina. Em nome das classes produtoras ribeirinhas, o coronel Joãozinho Maia fez um entusiasmado discurso de boas vindas ao chefe da nação. Sob o sol causticante de fim de primavera, o calor no sertão pernambucano naquela tarde era de 37 graus. Intensos, os raios do astro rei facheavam sempr

NOTAS PARA UMA HISTÓRIA DA BOTÂNICA III

    Jorge Carvalho do Nascimento*     Dentre as várias áreas nas quais a pesquisa no Brasil se desenvolveu chamam a atenção a Antropologia Física, a Fisiologia Experimental, a Zoologia, a Astronomia, a Matemática, a Geografia e a Geologia. Contudo, das ciências de investigação, a única de que se pode encontrar uma tradição brasileira que se alonga, embora em curvas ascendentes e descendentes, desde o período colonial até os nossos dias, passando pelo Império e atravessando todo o século XX, é a Botânica. Consultei a edição do 1994 do livro As Ciências no Brasil, de Fernando de Azevedo, e verifiquei que para o autor a exploração da Botânica entre nós foi iniciada por Alexandre Rodrigues Ferreira e por frei José Mariano da Conceição Veloso e continuada, entre outros, por Freire Alemão e, mais tarde, por Barbosa Rodrigues, um dos mais importantes dentre os botânicos brasileiros (p. 34). No mesmo livro, um texto específico sobre História da Botânica, assinado por Mário Guimar

NOTAS PARA UMA HISTÓRIA DA BOTÂNICA II

    Jorge Carvalho do Nascimento*     Eugênia Andrade Vieira da Silva estudou a formação da elite intelectual em Sergipe no período de 1822 a 1889, na dissertação de Mestrado que defendeu em 2004 na Universidade Federal de Sergipe. A partir do seu trabalho é possível afirmar que inicialmente a elite intelectual sergipana era formada no exterior. Contudo, até a metade do século XIX, a maior parte dos portadores de diploma de graduação já era oriunda das faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro e dos cursos jurídicos de Olinda e São Paulo, além das escolas militares e dos seminários. O crescimento da produção açucareira em Sergipe e as outras necessidades de organização da Província estimularam a demanda por escolas superiores do Brasil e da Europa, durante toda a primeira metade do século XIX, fenômeno que persistiu também durante a segunda parte da mesma centúria. Os estudantes eram, predominantemente, filhos da elite econômica e buscavam a legitimação como i

NOTAS PARA UMA HISTÓRIA DA BOTÂNICA

    Jorge Carvalho do Nascimento*     Buscando entender o processo de organização das primeiras práticas de pesquisa científica em Sergipe, este texto analisa algumas dificuldades metodológicas encontradas durante o processo de realização de uma pesquisa sobre tal trajetória histórica. O trabalho foi delimitado temporalmente entre os anos de 1817 e 1822, por serem estes os anos durante os quais a expedição de Antônio Moniz de Souza esteve viajando pelos territórios das Capitanias da Bahia, de Sergipe D’El Rey, de Alagoas e Pernambuco, enfatizando principalmente o ano de 1818, durante o qual o pesquisador permaneceu em Sergipe. Estas notas surgiram a partir da necessidade de estudar a História da Ciência e da Tecnologia em Sergipe, para entender o funcionamento das instituições científicas e tecnológicas organizadas, que se disseminaram ao longo dos séculos XIX e XX. Assim, procurou compreender os procedimentos científicos e tecnológicos próprios a esse tipo de atividade,

GASOSA, COEL E A VELHA MARIA

    Jorge Carvalho do Nascimento*   Vovó Maria, mãe do meu pai, morreu aos 101 anos de idade. Maria Cabocla, como era chamada pelos amigos de infância. Neta de negro com índia, ancas largas, seios fartos e coxas grossas que mesmo sob as marcas da velhice ainda possibilitavam a percepção da bela mulher que inquietava a imaginação dos rapazes no extremo sul de Sergipe, onde viveu até a década de 40 do século XX. Uma morena “papo de rola”, como gostava de se gabar aos descrever a sua beleza juvenil, numa referência ao peito estufado característico da ave conhecida como Rolinha-Fogo-Apagou. Em alguns lugares a mesma ave é Rolinha-Cascavel ou Rolinha-Pedrês. Os nomes mais comuns da Columbina Squammata , tal como aparece nos catálogos científicos de pássaros. Viveu às turras com meu avô Epifânio, o marinheiro bonitão e de humor oscilante que me encantava ao narrar as bravuras da sua vida na Marinha Mercante, navegando nos mares do litoral de Sergipe, Bahia e Alagoas em 1942, quan

LIVROS PARA O POVO VI

  Prof. Dr. Jorge Carvalho do Nascimento*     Por todas as razões já expostas nos cinco textos anteriores, a Biblioteca do Povo e das Escolas é uma grata surpresa, quando se observa atentamente e se percebe que em um país no qual a maioria dos livros não alcançava a casa dos 300 exemplares vendidos anualmente, tal coleção tenha vendido, nos seus dois primeiros volumes, 6000 exemplares a cada 15 dias, em Portugal e no Brasil, já que “mesmo livros de boa vendagem raramente superavam seiscentos ou oitocentos exemplares por ano” (Idem. p. 147). Mais surpreendente é quando nos damos conta de que já no terceiro volume a tiragem da edição crescera para 12 mil exemplares, posto que mesmo as edições de maior sucesso, de autores consagrados, jamais excediam o número de 1000 exemplares. No volume 11, a coleção já tirava 15 mil exemplares. É possível avaliar o que representava tal feito: “As edições mexicanas da época raramente ultrapassavam 500 exemplares, e L. E. Joyce, descrevendo a s

ESCOTISMO E PEDAGOGIA - PARTE II

O ESCOTISMO É O MAIOR MOVIMENTO JUVENIL DO MUNDO - ESCOTISMO E PEDAGOGIA - PARTE II

LIVROS PARA O POVO V

  Prof. Dr. Jorge Carvalho do Nascimento*     O baixo preço dos livros da Biblioteca do Povo e das Escolas criava a possibilidade de superação daquilo que se entendia ser uma das maiores dificuldades ao desenvolvimento da instrução popular: a má seleção e a carestia dos livros adotados nas escolas. Estava claramente posta a intenção de combater “a imposição odiosa dos detestáveis compêndios de ensino, eivados de erros grosseiros e vendidos por preços absolutamente incompatíveis com a exiguidade de recursos das classes trabalhadoras e pobres” (“Quatro páginas de prólogo”. Op. cit.). Aparecia, portanto, com muita força, a natureza didática da coleção, aquilo que o discurso do final do século XIX chamava de propaganda instrutiva. “Não é fundando escolas superiores e cursos de preparatórios difíceis que se ilustra um povo, mas fazendo propaganda, e tornando acessíveis a todos as artes, as ciências e as letras” (Diário de Notícias, nº 7.149. Lisboa, 13 de Dezembro de 1885) – afirm

APROVA FUNDEB - CONVERSA COM ESTUDANTES - PARTE II

A COVID 19 EXPÔS A DESIGUALDADE ESCOLAR BRASILEIRA

APROVA FUNDEB - CONVERSA COM ESTUDANTES - PARTE I

O FUNDEB GARANTE O PISO SALARIAL NACIONAL DOS DOCENTES DA EDUCAÇÃO BÁSICA

A NOVA CARA DA MORTE

    Jorge Carvalho do Nascimento*     “A solidão é fera/a solidão devora./É amiga das horas, prima irmã do tempo,/E faz nossos relógios caminharem lentos,/Causando um descompasso no meu coração./A solidão é fera,/É amiga das horas,/É prima-irmã do tempo/E faz nossos relógios caminharem lentos/Causando um descompasso no meu coração./A solidão dos astros;/A solidão da lua;/A solidão da noite;/A solidão da rua”. No seu inspirado poema Solidão, Alceu Valença nos leva a refletir sobre a condição humana. Nela, um aspecto muito particular que separa as pessoas que ainda não morreram daqueles que estão vivos. O envelhecimento coloca todos diante do fato de que a regra é que o indivíduo morra gradualmente. O roteiro mais comum é envelheça, adoeça e morra. Portanto, os últimos dias, as últimas horas de vida, normalmente são muito importantes. A partida começa muito tempo antes do evento fatal. É a nossa fragilidade humana que nos leva, geralmente, a separar os velhos e os enfermos

O FANTASMA DE GRACCHO E OS TENENTES DA PRAIA 13 DE JULHO

OS TENENTES VENCERAM EM 1930.

O FANTASMA DE GRACCHO CARDOSO, O 13 DE JULHO DE 1924 E OS TENENTES DA PRAIA FORMOSA

    Jorge Carvalho do Nascimento*     Os Tenentes que tentaram tomar o poder em 1922, 1924 e 1926 somente foram efetivamente vitoriosos em 1930, quando Getúlio Vargas depôs Washington Luiz e impediu a posse de Júlio Prestes na Presidência da República. O triunfo da chamada revolução de 1930 permitiu que a maior parte das lideranças tenentistas assumisse o poder ao lado de Vargas e conquistasse um dos mais importantes dentre os troféus que a vitória política concede: o direito de escrever a História oficial, aquela que se impõe como única verdade histórica possível no imaginário do senso comum. É sob tal contexto que leio o debate a respeito do Tenentismo em Sergipe. Foi importante a vitória de 1930 para produzir do capitão Eurípedes Esteves de Lima e dos tenentes Manoel Messias, João Soarino e Augusto Maynard a imagem de heróis populares, além de mitifica-los. A Historiografia brasileira é pródiga na associação entre os tenentes e as camadas médias urbanas, cuidando sempr