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Mostrando postagens de novembro, 2020

O DESERTOR

                                            Praia 13 de Julho - Trincheiras - 1924     Jorge Carvalho do Nascimento*     Entre duas e três horas da madrugada do dia 18 de julho de 1924, as tropas do Exército aquarteladas em Aracaju perderam um dos seus soldados. Ele estava acampado nas trincheiras da Praia que ganharia a denominação de 13 de Julho. Era um dos comandados do capitão Eurípedes Esteves de Lima e dos tenentes Augusto Maynard Gomes, João Soriano de Mello e Manoel Messias de Mendonça. As trincheiras eram consequência da quartelada do capitão e dos tenentes contra o presidente do Estado de Sergipe, Maurício Graccho Cardoso, que por eles fora levado preso ao quartel do 28 º Batalhão de Caçadores, na praça General Valadão. Na praia, em frente a foz do rio Sergipe, as tropas aguardavam a chegada do contratorpedeiro Alagoas, enviado pelo presidente Arthur Bernardes com forças legalistas para prender os revoltosos e libertar o presidente Graccho Cardoso. Aos 19 anos de idade, o mu

A APOSTA

                                                            Queijo Coalho     Jorge Carvalho do Nascimento*     Um prato de porcelana fundo sobre o qual se despejou uma garrafa de cerveja Brahma Chopp. Mergulhada na cerveja, uma colher de sopa. Apenas o cabo à mostra. Ao lado um outro prato de porcelana fundo onde se colocou 250 gramas de queijo coalho cortado em pequenos cubos que formavam uma assustadora montanha branca. Sobre a montanha de queijo, um garfo. Os contendores se posicionaram, um em cada lado da mesa, na cozinha de Dona Ivanda, a matriarca. Antônio, o meu pai, na cabeceira, era o árbitro da competição. A disputa era desigual. Meu tio, Antônio Faustino, irmão de Vovó Maria, era um negro, corpulento, experiente frequentador de bares, restaurantes, boates, cabarés, enfim, tudo quanto é espaço da vida boêmia. Policial Federal, aos 65 anos de idade o tio Antônio fazia a alegria dos sobrinhos sempre que entrava em gozo de férias, no mês de janeiro, e abandonava a sua casa da B

JORNALISTAS E HOMENS DE CIÊNCIA

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Final da segunda década do século XXI. Não conseguimos resolver problemas como a pobreza, a ignorância e a segurança pública. Da mesma maneira, ainda não conseguimos socializar a riqueza, o bem estar social e o conhecimento científico. Qual é então a importância do chamado jornalismo científico? Seria apenas para divulgar curiosidades que ele existe? Por que em muitas situações o jornalismo científico é visto como ilustração inútil por parte de jornalistas responsáveis por editorias de maior prestígio como política e economia ou desperdício de tempo, por parte de alguns pesquisadores? Efetivamente, para que serve esse tipo de prática jornalística? No Brasil ainda há muito por conquistar quanto ao jornalismo de divulgação científica, muito embora não haja qualquer tipo de dúvida quanto ao fato de as suas práticas serem objeto do interesse de diversos campos do jornalismo e de todos os campos da ciência. O jornalismo científico possui p

OUTSIDERS DA HISTORIOGRAFIA E MEMORIALISTAS ESTANCIANOS

                                                    Luiz Antônio Barreto     Jorge Carvalho do Nascimento*     O curso de Licenciatura em História oferecido pela Universidade Federal de Sergipe nas cidades-polo de Estância, Lagarto, Itabaiana, Nossa Senhora da Glória e Propriá, através do Programa de Qualificação Docente – PQD, em convênio com a Secretaria de Estado da Educação, possibilitou algumas importantes contribuições para a historiografia sergipana que ficaram visíveis na transição do século XX para o século XXI. O Programa de Qualificação Docente foi uma importante iniciativa do professor e 11jornalista Luiz Antônio Barreto, quando exerceu o cargo de Secretário de Estado da Educação de Sergipe, durante a gestão do governador Albano Franco, entre 1996 e 199. Em quatro anos, o PQD possibilitou a cerca de três mil professores leigos que atuavam em escolas públicas estaduais e municipais do interior do Estado de Sergipe a obtenção do diploma de graduação. Uma das contribuições, de

JORGE CARVALHO DO NASCIMENTO – UMA SINGULAR FONTE DE INTELIGÊNCIA E DE SABEDORIA

                                                        Jorge Carvalho     Claudefranklin Monteiro Santos*     Eu o conheci no início dos anos 90. Havia chegado atrasado à minha primeira aula na Universidade Federal de Sergipe, do Curso de Licenciatura em História. Morando em Lagarto, à época levava pelo menos duas horas para me deslocar até o Campus de São Cristóvão, num ônibus da Fátima. Pedi licença desconfiado, de mala e cuia, e fui me sentar nos fundos da sala sob o olhar dos meus colegas. Ele era meu professor de Introdução à Filosofia. Com o recato que trouxe de casa, ao término da aula, me aproximei dele para pedir desculpas pelo atraso, no que ele irrompeu com uma frase inusitada: “- Desde quando tabaréu de Lagarto faz nível superior?” O que se seguiu foi uma gargalhada que lhe é muito peculiar e outra frase que conquistou a minha simpatia: “- Relaxe, rapaz! Seja muito bem-vindo!”. Doravante, pudemos nos encontrar em outras oportunidades, não somente na graduação, mas principa

JORGE CARVALHO E O MATRIARCADO

                                              José Lima Santana Entusiasmado, republico a crítica de José Lima Santana ao meu livro O CARVALHO. José Lima é advogado, padre e professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe. Sou grato pela sua leitura acurada dos meus textos em O CARVALHO. José Lima Santana é cronista e ensaísta do primeiro time, ao lado de outros grandes nomes de sergipanos dedicados ao gênero, como Vladmir de Souza Carvalho, Murilo Melins, Anderson Nascimento, Antônio Carlos Sobral Sousa, Antônio Samarone de Santana, Lúcio Antônio do Prado Dias, Ana Maria Fonseca Medina e José Rollemberg Leite Neto, citando apenas os vivos. Só posso prometer que continuarei observando bons textos e procurando aprender cada vez mais. Muito grato.   **************   JORGE CARVALHO E O MATRIARCADO José Lima Santana De “A Cultura Ocultada” às “Memórias da Resistência”, eu venho acompanhado a trajetória literária de Jorge Carvalho do Nascimento, tendo, inclusive, a o

O ASSISTENCIALISMO ESTUDANTIL E A SOCIEDADE BRÍCIO CARDOSO

                                                          Brício Cardoso   Jorge Carvalho do Nascimento*     O discurso a respeito da pobreza no Brasil ganhou uma importância muito grande sob o Estado republicano. A oposição ao presidente Washington Luiz, no final do período da chamada Primeira República, punha frequentemente em evidência a falta de compromisso daquele governo com a política social e não cansava de afirmar que o pensamento do governo brasileiro à época poderia ser sintetizado no seu slogan: “governar é abrir estradas”. Ou, para alguns oponentes, na afirmação presidencial de que o problema social é uma questão de polícia e não de política. Após a deposição do presidente Washington Luiz, o governo de Getúlio Vargas buscou legitimar-se discursando em nome da política social. Discursos desta natureza contagiaram a vida social brasileira e consagraram o político Getúlio Vargas durante os quinze anos nos quais exerceu o poder, além de legitima-lo como “pai dos pobres” ao con

DE JACARÉS, CÃES, GATOS E CRIANÇAS

     Jorge Carvalho do Nascimento*     A necessidade de compreender as questões com as quais convivemos num determinado momento impõe que as abstraiamos inicialmente, retornando a elas em seguida. Afinal, o risco de perder-se diretamente nelas pode levar-nos a um certo grau de embaçamento da capacidade de discernir. Ao ser entrevistado por uma revista de circulação nacional, certa vez, um ex-governador do Amazonas fez mais ou menos a seguinte afirmativa: “Se você estiver caçando e no momento em que for atirar no jacaré aparecer um fiscal do Ibama, não hesite: atire no fiscal do Ibama. Matar um jacaré é crime inafiançável; matando uma pessoa, paga-se uma fiança e responde-se ao processo em liberdade”. É óbvio que ninguém de bom senso pode tomar ao pé da letra a fala do velho líder político amazonense. Como se não bastasse a sua conhecida ojeriza aos movimentos de proteção ambiental, o homem sempre foi considerado na sua região como um destrambelhado falador. Não obstante

O GAMBITO DA CONDIÇÃO HUMANA

                                    Uma cena da personagem Beth Harmon     Jorge Carvalho do Nascimento*     Vi os sete episódios de O GAMBITO DA RAINHA, na Netflix. O título do filme remete a um dos movimentos do jogo de xadrez, normalmente manobra de abertura na qual se oferece um peão para organizar um ataque mais rápido e eficiente. A narrativa é uma adaptação do romance de Walter Tevis com o mesmo título. Cinema de verdade. Trata da depressão sem se deixar deprimir e sem colocar ao rés do chão a alma dos espectadores. Narra a trágica e ao mesmo tempo luminosa vida de uma jovem genial que dança sobre a linha limítrofe que separa e une o racional e o irracional, fazendo das 64 casas do tabuleiro de xadrez o seu mundo. O ritmo da narrativa é eletrizante e deixa o espectador preso aos sete episódios nos quais a atriz Anya Taylor-Joy representa o principal papel: a jovem enxadrista Beth Harmon. Dentre outros dramas, a denúncia do machismo dominante nos torneios de xadrez dos anos 60 do

PSOCODEA PHTHIRAPTERA

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Uma calçada, um menino sentado no chão, uma mãe ou uma avó atrás dele com um pano branco no colo, uma lata do inseticida Neocid. Cresci acostumado a ver esta cena nos bairros da zona norte de Aracaju, onde fui criado, e também nas cidades onde costumava permanecer nos períodos de férias. O fato de Macambira, cidade na qual nasceu minha avó Petrina e minha mãe Ivanda, estar situada na região serrana do Agreste do Estado de Sergipe não a diferenciava muito culturalmente de Indiaroba, a cidade de Vovó Maria e do meu pai, Antônio. Na serra ou no litoral, a cultura popular no trato das doenças da pobreza era a mesma. Piolhos eram uma praga muito grave que acometia não apenas os pobres, mas também infestavam as cabeças dos filhos das famílias mais abastadas. A escola era um espaço permanente de contágio. As barbearias, principalmente as mais populares, também. No Grupo Escolar General Valadão, onde eu estudava durante o curso primário, qu

COISAS DE HOMEM, COISAS DE MULHER: ANOTAÇÕES SOBRE A PROFISSÃO DOCENTE EM ARACAJU

                                              Restaurante A Caverna   Jorge Carvalho do Nascimento*     Em 1982 eu estava muito feliz. Estava saindo de Aracaju para ser aluno do Mestrado em Educação da Pontifícia Universidade Católica – PUC de São Paulo. Numa noite de junho, convidei o Senhor Antônio Ferreira do Nascimento, meu pai, para ir comigo fazer algo que apreciávamos: degustar uma sopa mão de vaca e tomar uma cerveja no restaurante A Caverna, no bairro Santo Antônio. À época, meu pai tinha o desejo e a esperança de que seu filho pelos caminhos da carreira jurídica. Eu, todavia, já decidira mergulhar nos meandros da Política Educacional, da História, da Filosofia, da Sociologia. Enfim, a carreira docente era a minha opção. Depois de ouvir que eu viajaria dentro de 15 dias, ele se voltou para mim e perguntou com ar solene: “quando você voltar desses estudos, vai ser assim um delegado de polícia, um promotor, um juiz, um procurador?”. Respondi na lata: não, meu pai. Vou tentar ser