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Mostrando postagens de junho, 2024

O CHEFE DA FAMÍLIA

    Jorge Carvalho do Nascimento     Não é fácil a uma mulher, mãe solteira, prestes a completar 35 anos de idade, aparecer com uma gravidez. Sônia, mãe de uma filha com 11 anos de idade, uma outra com três anos, um filho que desapareceu misteriosamente aos 15 anos de idade, sem deixar rastro e se estivesse vivo estaria prestes a completar 18 anos, tinha uma nova gravidez. Se a segregação social contra ela já era grande e se acentuara com o episódio da sua expulsão do Clube Cabo Branco, a gravidez lhe trazia mais um grande prejuízo de imagem diante da conservadora sociedade paraibana. Mais um filho sem pai, fruto do comportamento tido como duvidoso de uma mulher que as famílias de bem não viam com bons olhos. Os homens de Sônia se irritaram com aquela situação. O Coronel Amazonas, o mais generoso dentre aqueles que usufruíam dos seus favores sexuais, rompeu com ela assim que tomou conhecimento da nova situação. - Como assim? Você emprenhou novamente? Qual foi o macho pra

A MAÍTA, O MEU ADEUS

                                                  Maíta - UFS - 1997       Jorge Carvalho do Nascimento     Em 1995 regressei do período em que permaneci na Universidade de Frankfurt, na Alemanha, depois de haver cumprido o meu Doutorado Sanduiche com bolsa CAPES. Morria de saudades da minha eterna orientadora, Mirian Jorge Warde, e dos colegas com os quais convivia na minha turma da PUC de São Paulo. Na turma estavam dois jovens mestrandos, alunos da Universidade de São Paulo – a USP, orientandos da Profa. Dra. Marta Carvalho e adotados em disciplinas avulsas da Profa. Dra. Mirian Warde. Ambos eram encantadores pelo brilho da inteligência e pela leveza do convívio fraterno: Bruno Bontempi Junior e Maria Rita de Almeida Toledo – Maíta. Assim que ingressei no Doutorado, no primeiro semestre de 1993, Mirian Warde me apresentou a ambos e nos encarregou de produzir um estudo que me foi extremamente importante: ler a obra completa de Fernando de Azevedo, analisar todas as suas

O JORNALISTA

      Jorge Carvalho do Nascimento     O desentendimento de Sônia com Anselmo Gomes custara o seu banimento do prestigiado Clube Cabo Branco e o distanciamento do seu projeto de dama da alta sociedade paraibana. Definitivamente, não havia mais para ela qualquer oportunidade de apagar o seu histórico de prostituição e aparecer como a menina pobre do interior que venceu na capital. Sônia percebeu que nunca tivera qualquer tipo de afeição por Anselmo e muito menos, ele por ela. Para ela ficou muito claro que o seu homem, aquele que lhe dava prazer e pelo qual ele se apaixonara sem se dar conta do fato, era o jornalista Camilo Paixão. Folgado, algumas vezes até irresponsável, não levava o mundo a sério, mas Sônia nunca conhecera antes nenhum outro homem na cama que lhe houvesse proporcionado tanto prazer. Após os desagradáveis episódios do Clube Cabo Branco, Sônia começou a viajar com as filhas, nos finais de semana, para a cidade do Recife. Eram seis horas de trem, numa viag

BANIDA DO CLUBE

      Jorge Carvalho do Nascimento     A Paixão de Anselmo Gomes por Sônia foi arrebatadora. Era um grude só. Onde Sônia estava, lá estava Anselmo. Nas tardes das segundas-feiras Anselmo e Sônia estavam trancados no apartamento do Hotel Globo numa orgia sem fim, onde tudo era permitido. Entre eles, nada se proibia. Anselmo era um dândi, bon vivant , sempre vestido de modo elegante, gostava de carros esportivos de luxo. E logo, Sônia estaria protegida por ele e gratificada com volumosas somas de dinheiro e presentes luxuosos que engordavam ainda mais o saldo bancário da sertaneja. A afinidade de Sônia com ele era percebida por todos. Aprimorou-se ao dançar tango com Anselmo. Numa das muitas festas do Clube Cabo Branco, a famosa orquestra pernambucana de Severino Araújo atacou com o tango Adios Muchachos. Imediatamente Anselmo e Sônia ocuparam o espaço da pista de dança. Nos primeiros passos, um espetáculo. Ninguém mais teve coragem de sair da sua mesa para dançar. Olhar

O CLUBE DA ELITE

    Jorge Carvalho do Nascimento     Sônia estava convincente no seu papel de mãe carinhosa e preocupada com suas filhas. Os dias de Carmen e Carla, de segunda a sexta-feira na escola, das sete da manhã até as cinco da tarde. Os dias de Sônia, na vida clandestina que ela vivia no apartamento do Hotel Globo, das oito da manhã às quatro da tarde. As noites eram das filhas. Das meninas eram também os sábados, domingos e os feriados. Os passeios eram sempre no carro de aluguel de Danilo do Bonfim, um Mercury Sedan de cor verde. Sônia estava vivendo um período de fartura econômica e dinheiro para pagar esse tipo de conforto não era mais problema. Os lucros auferidos na Padaria Triunfo eram mais do que suficientes. E ainda tinham os ganhos secretos da prostituição que superavam os lucros da panificadora. Sônia já havia acumulado uma poupança suficiente para aquisição da casa onde morava e estava negociando a transação com o proprietário do imóvel. Em poucos dias foi ao cartório,

O HOTEL GLOBO

    Jorge Carvalho do Nascimento     As meninas foram matriculadas em duas boas escolas de João Pessoa. Carmen, aos nove anos de idade, foi aceita como aluna do segundo ano primário do Colégio Nossa Senhora de Lourdes, mantido pelas Irmãs Claretianas, onde estudavam as filhas das famílias mais endinheiradas do estado da Paraíba. A prestigiada escola oferecia os regimes de internato e semi-internato. Este último foi a opção feita por Sônia para sua filha. A menina entrava na escola às sete da manhã e a mãe ia buscá-la às 17 horas. À noite, após o jantar que era servido às 18 horas, Sônia se dedicava a brincar com as filhas até as 20 horas, quando as meninas se recolhiam para dormir. Carla, aos três anos, foi aceita pelo Jardim de Infância da Catedral Basílica de Nossa Senhora das Neves, que também funcionava em regime de semi-internato. Do mesmo modo que a irmã mais velha, chegava às sete da manhã e voltava para casa com a mãe por volta das cinco da tarde. Sônia dedicava t

ADEUS PROSTITUIÇÃO

      Jorge Carvalho do Nascimento     O desaparecimento de Zé Lotero tocou fundo na sensibilidade de Sônia. Naqueles 14 meses, desde a fatídica viagem do seu menino, pela primeira vez ela estava experimentando o significado real do que é amar um filho, do que é ser mãe. Estava prestes a completar 32 anos de idade e já colocara três filhos no mundo, mas os criava como Deus criou batata. Não fora o seu irmão Willison e a cunhada Rafaela, ninguém faz ideia do que teria sido a vida daquelas crianças. A vida prosseguia e Sônia não parava de pensar em Zé Lotero. A cada batida na porta da frente da sua casa, a cada visita do carteiro o seu coração acelerava, sempre esperançosa de que o seu menino tivesse sido encontrado com vida. Não acreditava que ele pudesse ter se atirado no mar. Muito menos supunha que ele houvesse se envolvido em alguma confusão a bordo e alguém o tivesse atirado à fúria do oceano. Será que descobrira o sexo ou mesmo o amor durante aquela viagem? Será que

O SUMIÇO DE ZÉ LOTERO

                                                Navio Santos       Jorge Carvalho do Nascimento     Bem criado por Willison, Eleutério era ótimo aluno na escola que estudava em Campina Grande. Inteligente e simpático, era admirado pelos colegas e professores e se relacionava de um jeito leve com todos eles. Gostava de jogar futebol e era chamado pelos amigos e colegas de Zé Lotero. Concluiu o curso ginasial aos 15 anos de idade e havia decidido fazer os exames para a Academia Militar do Realengo, no Rio de Janeiro. O ano era 1950. Carmen, sua irmã, estava com oito anos de idade e Carla, a mais nova tinha completado cinco anos de nascida. Cuidadosos, Willison e Rafaela procuraram Sônia, a mãe biológica, levando Zé Lotero a tiracolo. O projeto da desejada carreira militar entusiasmava e enchia Willison de orgulho. Considerava Zé Lotero um menino ajuizado, a quem estava reservado um futuro brilhante como oficial do Exército. Willison fora com Zé Lotero ao Rio de Janeiro para o menino faze

O CORONEL AMAZONAS

                                                  Studebacker 1946     Jorge Carvalho do Nascimento     A Padaria Triunfo se revelou um bom negócio. Nos três primeiros meses foi necessário injetar capital de giro, o que descapitalizou Sônia ainda mais. Ela havia vendido todas as suas joias para entrar na sociedade e teve que retirar parte da poupança que possuía em dinheiro guardada no banco, para fazer o negócio girar. A partir do quarto mês, um certo alívio. Não precisou mais colocar dinheiro na Padaria, mas também ainda não conseguia retirar um centavo sequer. Quando o parto chegou, em dezembro, Sônia não estava na mesma quebradeira das outras vezes, mas sua situação econômica não era confortável. Pariu Carla na Maternidade da Santa Casa de Misericórdia da Paraíba, no dia 10 de dezembro de 1947. Sônia confirmava o dito popular, a crença de que mulher dos quartos largos é boa parideira. O bebê praticamente saltava para fora. Fora assim com Carmen e, agora, também com Carla. Willison

A PADARIA TRIUNFO

      Jorge Carvalho do Nascimento     - Quando será que eu vou aprender? Por que eu deixei aquele capadócio me enganar outra vez? Eu devia ter percebido que era mais uma armadilha dele pra me comer e depois me dar as costas novamente, deixando o problema comigo. E o pilantra ainda envolveu a minha filha e agora a menina não quer mais me ver – Sônia estava em mais uma noite em claro depois que o Dr. Costa a abandonara pela segunda vez. No final da tarde daquela quinta-feira, pouco mais de dois meses depois de haver deitado com o Dr. Costa pela última vez, ela procurou o Coronel Belmont no Night Club para informar que estava se afastando da casa antes que a barriga da terceira gravidez começasse a denunciar a sua situação. Desta vez Sônia estava muito revoltada com o filho da puta do Dr. Costa. Para ela, o pior fora o que ele fizera com a menina Carmen. - Ele não respeitou a filha. A menina se encheu de expectativa para conhecer o pai e ele armou uma cilada daquela. Agor

O PERDÃO AO DR. COSTA

    Jorge Carvalho do Nascimento     Apesar de mal recebido por Sônia, o Dr. Costa não se fez de rogado e tomou assentou à sua mesa. O silêncio entre eles era ensurdecedor e a tensão do encontro deixara no ar uma espécie de nuvem carregada de correntes elétrica com cargas contrárias prestes a disparar raios capazes de matar uma manada de mil búfalos. - Você é o homem mais canalha que eu conheci em toda minha vida. Mau caráter, irresponsável, vagabundo. Você não sabe ter e respeitar uma mulher. Não sabe ficar do lado dela na hora que ela mais precisa. Me comeu, me emprenhou, fez uma filha. A menina foi registrada sem nome de pai. Sua filha vai fazer três anos de idade. Não sabe o nome do pai, Você nunca deu a ela um litro de leite nem um metro de chita pra fazer um vestido – o rancor e a ira eram perceptíveis na voz trêmula e descontrolada de Sônia. - Você está descontrolada. Eu posso conversar com você sobre isso tudo. É melhor ir para o seu quarto, não quero escândalo. Sou