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IRINEU É CONVINCENTE COMO ESCRITOR

IRINEU E A HISTÓRIA DO SOM

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Não lembro desde quando sou amigo de Irineu Fontes. Tenho a impressão de ser desde sempre. Creio tê-lo visto pela primeira vez na TV Sergipe, talvez no programa infantil da Tia Nazaré Carvalho. Disto, não tenho certeza. Sei apenas que as minhas primeiras lembranças são de um adolescente loiro, cantando na TV, no rádio, nos palcos. Nas minhas primeiras lembranças de Irineu, ele ainda ostentava uma basta cabeleira. Faz tempo. Irineu Fontes, muito jovem e já famoso por ser um bom violonista, bom cantor, bom intérprete, bom compositor. Nos tornamos amigos e aos poucos fui descobrindo o agitador cultural, o produtor de shows, o promoter competente, o diretor de espetáculos. Sempre acompanhei Irineu trabalhando com gente da melhor qualidade como Jorge Lins, Luiz Eduardo Oliva, Paulo Lobo, Irmão, Tonho Baixinho e tantos outros. Tudo gente que sempre cuidou de fazer boa música em Sergipe. Conheci o Irineu que se revelou um grande gestor pú
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DANIEL AARÃO, FRANCISCO BAPTISTA E A HISTÓRIA

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Para o filósofo Renato Janine Ribeiro, é possível fazer história ao estilo de autoficção. São fatos reais tratados como se ficção fossem. Isto permite ao autor prescrutar a vida psíquica de personagens estudados, entrando na mente de cada um e percebendo a realidade por ângulos que a frieza dos fatos nem sempre permite. Janine assina uma das orelhas do livro NA CORDA BAMBA, no qual o historiador Daniel Aarão Reis Filho põe a nu as suas memórias ficcionais, num trabalho instigante que também recebe comentários e análises favoráveis de historiadores como Heloisa Starling e Cristina Serra que assinam a quarta capa. Hoje aposentado da sua carreira docente como professor e pesquisador titular de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense, Daniel Aarão continua ativo, orientando teses de doutoramento na mesma instituição, além de prosseguir pesquisando e publicando livros. NA CORDA BAMBA é uma espécie de autobiografia de

O REENCONTRO

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Aos 56 anos, Orozimbo já fizera fortuna suficiente para não mais trabalhar viajando como mascate. Bastava-lhe gerenciar os seis mascates que trabalhavam para ele, viajando pelo interior da Paraíba, do Ceará, do Rio Grande do Norte, de Pernambuco e Alagoas, cada um tocando 10 mulas abarrotadas de mercadorias. A tropa da qual Orozimbo era proprietário tinha no total 60 mulas. A sede dos seus negócios ficava em Campina Grande, onde numa propriedade dos arredores do espaço urbano estavam os currais, o pasto e os depósitos abarrotadas de mercadorias importadas da Europa e dos Estados Unidos da América, além de muita bugiganga produzida no Rio de Janeiro. Orozimbo morava num palacete da privilegiada Praça da Independência, em João Pessoa, espaço de residência dos milionários paraibanos. A casa era cercada por varandas amplas e no seu interior duas grandes salas de visita demonstravam o poderio econômico da família que ali vivia. A sala de

REMÉDIO PARA LULA

  Por Nilson Socorro* O governo federal anda às turras com o funcionalismo em campanha salarial. Até agora, a proposta é de reajuste zero em 2024, mas, para encher os olhos, promete elevação generosa de benefícios que não se incorporam a remuneração salarial e não tem reflexos para os proventos na aposentadoria. Pela proposta, o auxílio alimentação passará de R$ 658,00 para R$ 1.000,00, a contrapartida dos planos de saúde de R$ 144,00 para R$ 215,00 e o auxílio creche de R$ 312,00 para R$ 484,90. Estima o governo que esses aumentos representam 51,06% de reajuste nos benefícios. A frustração do funcionalismo com o posicionamento do governo federal tem motivado a paralisação de alguns setores. É o caso da educação com o fechamento de universidades e institutos federais. Eles, já de forma explícita, como os demais segmentos, não aceitaram o reajuste zero em 2024, percentual que faz parte da proposta governamental de reestruturação das carreiras, com a concessão de 19,03% de reajuste s

A CONCUBINA

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Esperar pela última semana de junho para o reencontro com Orozimbo levava Sônia a viver contando as horas. Para ela, os giros da terra em torno do próprio eixo e em torno do sol eram muito lentos. Para quem ama e está distante do seu objeto do desejo, um dia pode ter mais de 40 horas. Passear era uma das formas de esquecer o ritmo lento do passar dos dias. Em menos de 10 dias ela havia percorrido todo o Distrito de Cabedelo. O passo seguinte foi a conquista de João Pessoa que, no primeiro semestre de 1933, fervilhava em obras públicas que buscavam a sua modernização. Sônica venceu, viajando de trem, os 30 quilômetros que separavam o Distrito de Cabedelo da sede histórica do seu município, João Pessoa. Desembarcou na pomposa estação ferroviária da capital paraibana, repleta de janelas, numa arquitetura que chamava a atenção de todos. Tomou um carro de aluguel e passeou pelas avenidas, praças e edifícios públicos mais importantes da

TEÚDA E MANTEÚDA

    Jorge Carvalho do Nascimento*     Quando Orozimbo partiu de Cabedelo para João Pessoa, naquele mês de maio de 1933, faltavam dois dias para completar um mês que houve a primeira troca de olhares entre Sônia e o mascate. Nenhum dos dois imaginara que em tão curto espaço de tempo a vida de ambos fosse mudar tão radicalmente. A rainha do boquete do Bazar de Dona Clarice era agora a teúda e manteúda do rico comerciante espanhol de origem cigana. Um mascate que viajava pelos sertões da Paraíba, visitando fazendas de senhores poderosos aos quais vendia porcelanas, faianças, pratarias, joias, cortes de tecidos finos para homens e mulheres, faqueiros de prata, joias e relógios de ouro. O negócio era tão arriscado quanto lucrativo. Até então, em mais de 15 anos mascateando, Orozimbo amealhara uma boa fortuna que o permitia viver nababescamente com sua família em um pequeno palacete no centro histórico da antiga Cidade da Paraíba, onde moravam os ricos da capital daquele estado. Bom marido,

CABEDELO

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Pancada de sete e meia pra oito da noite o trem chegou a Cabedelo resfolegando a pressão do vapor que o fazia bufar por todas as válvulas. A estação de trens da localidade era muito boa, porém muito modesta quando comparada com a Estação Ferroviária Conde D’Eu, em João Pessoa, a última parada da composição. O estilo da Estação na capital paraibana era muito eclético com vários janelões e uma bonita fachada. A estação de trens de Cabedelo fora inaugurada em 1889, para atender o movimento de cargas daquele importante porto paraibano. A plataforma de embarque e desembarque de passageiros sempre estava lotada de pessoas elegantes e muito bem-vestidas nos horários de chegada e partida das composições. Sônia e Orozimbo estavam exaustos. Viajaram por mais de 13 horas até o destino. As caixas de mercadoria pertencentes ao mascate estavam no vagão de cargas e somente seriam liberadas no dia seguinte. Ele tinha uma mala que o acompanhou no ca

ANA MEDINA, CLAUDEFRANKLIN MONTEIRO, “PEBAS” E “CABAÚS”

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Quando Fausto Cardoso morreu, em um dia 28 de agosto do ano de 1906, os que se dedicavam a analisar a política sergipana naqueles primeiros anos do regime republicano entre nós entenderam que as tensões haviam chegado ao seu clímax. Advogado, deputado federal, professor, poeta e jornalista, Fausto foi morto por um tiro na porta do Palácio do Governo, em Aracaju, quando tentava impedir que se cumprisse a ordem judicial que recolocava Guilherme Campos, o presidente de Sergipe que exercia o mandato por ter sido eleito para o cargo, de volta ao poder. O que ninguém esperava era que a morte de Fausto fosse somente o início da crise. Decorridos 69 dias, em nove de novembro do mesmo ano de 1906, o irmão de Guilherme Campos, o jornalista, sacerdote, professor e senador da república, Olympio Campos, fosse assassinado no Rio de Janeiro. Olympio havia acabado de sair de uma sessão do Senado e atravessava a Praça 15 de Novembro quando foi abord

O TREM

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Viajar de trem desde Campina Grande até João Pessoa era um acontecimento social relevante. Desde 1907, o trem era um importante fator de estímulo ao desenvolvimento econômico da cidade de Campina Grande. Além de passageiros que viajavam nos carros da primeira classe e da classe econômica, transportava em seus vagões de carga muitas toneladas de algodão e outras mercadorias até o Porto de Cabedelo. O trem era mais um elemento que dava vida ao progresso de Campina Grande. A empresa multinacional Great Western Railway administrava as operações do serviço ferroviário no Estado da Paraíba. As composições, movidas por máquinas a vapor, eram consideradas modernas e os carros muito confortáveis, principalmente os dois vagões da primeira classe. Em um deles Orozimbo e Sônia viajaram naquele maio de 1933. O preto Timóteo ficou em Campina Grande, onde morava. Eram 120 quilômetros de trilhos desde Campina Grande até João Pessoa e mais 30 da cap

CAMPINA GRANDE

                                                Campina Grande - 1933     Jorge Carvalho do Nascimento*     Cinco dias em Campina Grande foi o melhor curso de civilidade e boas maneiras que Sônia recebeu em toda sua vida. Aos 14 anos de idade, a menina nunca havia usado um garfo para fazer a refeição. Sempre pegou os alimentos diretamente com as mãos. Paciente, Orozimbo ensinou-lhe todas as coisas. Como colocar corretamente um garfo em sua mão esquerda e com a mão direita segurar a faca, como mastigar com a boca fechada, colocando no garfo sempre pequenas porções e pequenos pedações de carne. Ensinou como beber água, refresco e café sem sofreguidão e sem produzir ruídos. Também, como usar discretamente e de modo correto os guardanapos. Sônia não sabia como usar sapatos de salto alto e andar com elegância. Coube a Orozimbo oferecer as lições que a fizeram uma dama elegante também no modo de andar e se vestir. Como sentar-se mantendo a compostura, as pernas fechadas e como cruzá-las eleg