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Mostrando postagens de janeiro, 2021

A BANANA

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Depois do choque cultural do primeiro momento, a gente acostuma com a correria que a vida na cidade de São Paulo impõe e constrói amizades muito sólidas. Dentre os amigos que fiz, considero inesquecível o querido Soneca ou José Alberto Botelho Prado. Foi meu colega em um curso sobre Max Weber, durante 60 dias, na Escola de Sociologia e Política. Sinpaticíssimo, Soneca era esquálido nos seus mais de um metro e 90 centímetros de altura. Cabelos ruivos compridos, mestre em Filosofia, trabalhava como professor de Estética na Faculdade Anhanguera, no bairro de Santana, zona norte. Dentre os estranhamentos que causava, o hábito de trocar de roupa todos os dias e vestir um modelo igual ao do dia anterior. Todo o guarda-roupas do professor era formado por pares de tênis na cor marrom que ele usava sem meias; calças de sarja na cor bege, com bolsos embutidos à frente e dois bolsos atrás; camisas de cambraia quadriculada, na cor azul, mangas compridas e do

PARA ONDE VAI A COLUNA SOCIAL? - XXXV

                                                  Ricardo Boechat     Jorge Carvalho do Nascimento*     Após seis anos comandando a prestigiada coluna Informe JB, no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, o jornalista Ancelmo Gois voltou a trabalhar na revista Veja, onde atuava antes de mudar para o Jornal do Brasil. Da primeira vez que atuou na revista semanal, trabalhou na editoria de Economia. Ao retornar para a Veja, Ancelmo Gois foi designado diretor da sucursal da revista na cidade do Rio de Janeiro. O periódico tinha sede em São Paulo. No Rio, Ancelmo cuidava do escritório e das pautas. Ao mesmo tempo, recebeu o encargo de assinar uma outra importante coluna – Radar. Na nova coluna, ele publicava notas de interesse da política, da economia e também daquilo que pode ser chamado de notícias e comentários de coluna social. Permaneceu com esta responsabilidade durante oito anos. Outra vez, havia assumido tais funções por escolha pessoal do jornalista Marcos Sá Corrêa, que assumira a f

PARA ONDE VAI A COLUNA SOCIAL? - XXXIV

                                              Ancelmo Gois     Jorge Carvalho do Nascimento*     O jornalista Ancelmo Gois admite ter sido a responsabilidade de assinar a coluna Informe JB, no Jornal do Brasil a tarefa que o tornou mais conhecido e lhe deu maior projeção na mídia impressa brasileira como jornalista. Ele chegou ao JB numa época ainda áurea do Jornal do Brasil para “fazer a coluna mais importante do jornalismo brasileiro que era o Informe JB”. Ele confessa que haver conquistado aquela posição o surpreendeu: “No dia que eu entrei no Jornal do Brasil eu passei mal e fui para o banheiro vomitar algumas vezes. Para mim era uma coisa absolutamente notável ir trabalhar no Jornal do Brasil”. Revela que ao iniciar suas atividades de jornalista em Aracaju, no jornal Gazeta de Sergipe, em 1966, tinha o Jornal do Brasil como referência e modelo de prática do jornalismo que deveria seguir. Ancelmo foi convidado a trabalhar no JB pelo jornalista Marcos Sá Corrêa. “O grande padrinho m

LIÇÕES DE CIVILIDADE: O COMPÊNDIO DOS PADRES SALESIANOS – VIII

                                                Laonte Gama - Ex-aluno salesiano     Jorge Carvalho do Nascimento*     O padrão de comportamento cobrado pelo Colégio Salesiano é visível no discurso de um ex-aluno da instituição que conheceu o Compêndio de Civilidade dos Padres Salesianos: "Eu tenho orgulho do meu pai. Meu pai era muito religioso. No Salesiano, a minha formação foi essa, sob protesto porque era uma formação religiosa muito severa, pela imposição. Na dureza que ele dirigia a gente, ele dizia da vida, do respeito. Papai nunca admitiu que alguém pegasse o que não era seu, ele transmitiu isso aos filhos dele. Disso eu me orgulho e digo que meu pai era um homem de bem, e nós herdamos. Fomos criados assim. Ele tinha um ditado que dizia: 'O homem só estira o braço até onde a mão alcança'. E todos só devem ter dividas com Jesus Cristo. A esse a gente vai prestar contas um dia. O velho lutava, tinha umas coisas que ele dizia: 'Seja até sapateiro, mas procure se

LIÇÕES DE CIVILIDADE: O COMPÊNDIO DOS PADRES SALESIANOS - VII

      Jorge Carvalho do Nascimento*     São em número de 18 os deveres que segundo o Compêndio de Civilidade dos Padres Salesianos devem ter os filhos para com os seus pais: 1. Depois de Deus, é aos nossos Pais que somos mais devedores. Deus não se limita a prometer vida longa e benção nesta terra aos bons filhos, mas até ameaça com os rigores dos seus castigos os maus filhos, que descuram os seus deveres filiais. Tais deveres podem-se reduzir a dois: amor e respeito. 2. O primeiro dever para com os pais é amá-los. É este um sentimento natural, e seria desnaturado o filho que não o tivesse. 3. A primeira prova de amor para com os Pais é prestar-lhes obediência e submissão em tudo, salvo no que não for lícito. É intolerável grosseria e má criação responder aos Pais: "Não quero". Nunca lhes diga tão feia expressão (p. 8). 4. Merecem repreensão os meninos que se mostram importunos e exigentes nos seus pedidos aos Pais. Fazem ainda pior os que mostram ressentime

LIÇÕES DE CIVILIDADE: O COMPÊNDIO DOS PADRES SALESIANOS - VI

      Jorge Carvalho do Nascimento*     As duas primeiras regras são, ademais do Compêndio de Civilidade dos Padres Salesianos são compatíveis com o primeiro mandamento do Decálogo: "Amar a Deus sobre todas as coisas". A pretensão é de acentuar o amor de Deus pelo seu povo e a dívida de gratidão que este deve ter para com Ele. O princípio de reconhecimento para com a maior das hierarquias, a divina, também está aí presente, mesmo porque a hierarquização fundamenta não apenas a vida religiosa, mas também a vida dos grupos sociais historicamente conhecidos. O Dever de número dois evidencia tarefas necessárias à validação do amor que o povo deve nutrir pelo seu Criador. Tudo articulado com o princípio da obediência. O terceiro e o quarto Deveres para com Deus elencados pelos padres salesianos são correspondentes ao segundo mandamento mosaico: "Não falar seu santo nome em vão".  Aqui, a prescrição está colocada no âmbito da virtude e da fé religiosa. Prete

LIÇÕES DE CIVILIDADE: O COMPÊNDIO DOS PADRES SALESIANOS - V

      Jorge Carvalho do Nascimento*     O Compêndio dos Padres Salesianos considerava inútil o trabalho da aula de boas maneiras, se depois não fosse possível verificar se o aluno praticava ou não o que lhe foi ensinado, seguindo as prescrições nas suas relações com os seus superiores hierárquicos, com os iguais e com os subalternos, nas suas conversações, na igreja, nas aulas, nos recreios, na sala de jantar, no dormitório etc. Para os autores do Compêndio, deste modo seria possível demonstrar que os colégios católicos sabiam formar os seus alunos para a vida na sociedade contemporânea. Nos cinco capítulos do Compêndio que discutem os deveres, estão elencados os seguintes: Deveres para com Deus; para com os pais; para com os superiores; para com todos; e, para consigo mesmo. Já os 30 capítulos que dizem respeito aos procedimentos, orientam quanto aos seguintes modos de proceder: na igreja; na aula; na sala de estudo; na mesa; na conversação; nos recreios; fora de casa; na

LIÇÕES DE CIVILIDADE: O COMPÊNDIO DOS PADRES SALESIANOS - IV

      Jorge Carvalho do Nascimento*     O Compêndio tomava como ponto de partida a ideia de que "a civilidade nada mais é do que uma parte da caridade - virtude cristã basilar na doutrina católica - e que, por conseguinte, não podemos ser bons católicos se não praticarmos a mais Cortez urbanidade" (p. 3). Essa associação entre a civilidade e as virtudes cristãs era uma preocupação moral que a Igreja Católica esboçava na Europa desde o século VI. Inicialmente, inclusive, em relação aos próprios membros do clero, quanto a determinados hábitos sociais, como o dos quartos de dormir. O quarto de dormir, que é na sociedade atual um dos mais importantes dentre os espaços privados que dizem respeito à vida íntima do indivíduo, nem sempre teve tal característica. Na sociedade medieval era comum receber visitas nos quartos de dormir e as camas eram símbolo de prestígio social, traduzido pela opulência estética. Muitas pessoas dormiam à noite no mesmo quarto e na classe

LIÇÕES DE CIVILIDADE: O COMPÊNDIO DOS PADRES SALESIANOS – III

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Durante a primeira metade do século XX, civilizar significava também proteger a sociedade contra a desordem, capacitando e ocupando os desocupados e ociosos, os então chamados "desfavorecidos da fortuna", de modo a propagar os valores atribuídos à sociedade industrial, associando o conceito de civilização aos ideais do progresso e da democracia (CUNHA, Luiz Antônio Rodrigues da. "O ensino industrial-manufatureiro no Brasil". In: Revista Brasileira de Educação. São Paulo, nº.14, mai/ago, 2000. p. 94). Todos estes discursos levavam em consideração o fato de que como espaço que reúne um grande número de pessoas e que tem objetivos civilizatórios de transmissão dos padrões culturais em circulação, a escola inclui dentre os seus procedimentos disciplinadores o ensino da renúncia à violência física, estabelecendo convenções destinadas a controlar a conduta, modelar os afetos e regular as maneiras. Ao cumprir tal respon

LIÇÕES DE CIVILIDADE: O COMPÊNDIO DOS PADRES SALESIANOS - II

     Jorge Carvalho do Nascimento*     Sob a monarquia do século XIX no Brasil, principalmente a do Segundo Reinado, foi muito forte o discurso civilizador. Em 1841, um relatório do Ministério da Justiça distinguia os habitantes do litoral, os civilizados, dos demais habitantes do sertão, tidos como bárbaros pelas autoridades monárquicas (MATOS, Ilmar R de. O Tempo Saquarema . São Paulo. Hucitec, 1987. p. 33), principalmente no período de governo dos dirigentes Saquaremas. Era muito caro a este grupo de senadores, magistrados, ministros, conselheiros de Estado, bispos, professores, médicos, jornalistas, literatos e os ocupantes de cargos nos mais distintos escalões administrativos do Império, além daqueles que poderiam ser classificados como agentes "não públicos", a preocupação em justificar suas ações pelos parâmetros fixados tanto com base na adesão aos princípios de ordem e civilização quanto pela ação visando a sua difusão. Os cidadãos que viviam o momento