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A ENTREVISTA DE ALMIR


 

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

No dia 23 de março de 2018 eu e Almir Garcez estávamos na cidade de Indiaroba, terra natal do meu pai, Antônio, e da minha avó Maria. Eu estava muito feliz e Almir compartilhava comigo daquela felicidade. Fui receber o título de cidadão daquele município.

Os vereadores expressaram a gratidão daquela comunidade pelo fato de se haver ali implantado o Centro de Excelência Arquibaldo Mendonça, escola de ensino médio integral que transformou a formação escolar da juventude local, mudando os seus hábitos e fazendo com que tomassem gosto pela escola e pelos estudos.

O sucesso da experiência levou o Arquibaldo Mendonça a se transformar num polo regional de referência. Não apenas os jovens de Indiaroba passaram a buscar matrícula na instituição. Também, a cada ano, aparecem manifestações de interesse da juventude da vizinha cidade baiana de Jandaíra e de municípios sergipanos fronteiriços como Umbaúba e Santa Luzia do Itanhy.

Nunca esqueci daquela manhã de março de 2018. Pela sensibilidade da homenagem que recebi e por uma longa reflexão que fiz com Almir Garcez, enquanto esperava o início da solenidade. Chegamos cedo. Fiquei surpreso porque minhas conversas com Almir nunca enveredaram antes pelos rumos que demos ao bate papo daquele dia. Tratamos de um assunto sisudo, porém ambos estávamos serenos e conversando com muita leveza.

Discutimos sobre a vida e a morte. Ambos expressamos o nosso consenso quanto ao fato de ser inexorável o momento da partida eterna. Comentamos que muitas pessoas morrem aos poucos. Ficam doentes, ficam velhos. Outros, como ocorreu com Almir agora, nos surpreendem porque partem em poucos dias, sem que nos preparemos adequadamente para a despedida.

Para alguns, a partida começa algum tempo antes. Para Almir, isto não ocorreu. Ele se foi sem dar tempo a que nós percebêssemos que partiria. Almir viveu 69 anos, mas nunca envelheceu. O seu corpo manteve o tônus muscular até o fim. Almir nunca se isolou, como tendem a fazer os velhos. Continuou sociável enquanto viveu. Seu comportamento nunca deixou de ser juvenil. Seu entusiasmo com amizades e conversas nunca arrefeceu.

Viveu ao lado da sua mulher, Hortência, e da sua amada Amanda, a filha, a quem era tão apegado. Jamais esteve distante da comunidade dos jovens, porque juvenil era a sua alma. Demonstrar afeição sem permitir que houvesse qualquer esfriamento nas suas relações foi marca permanente do seu comportamento. Almir não permitiu que nós sofrêssemos longamente como acontece quando percebemos que os nossos amigos estão envelhecendo e se encaminhando para a morte.

A enfermidade que o levou somente foi vivida por nós, que gostávamos dele, durante duas semanas. A cada dia nos entristecíamos quando a nossa querida Amanda distribuía o boletim médico fornecido pelo Hospital. Toda vez que informava não ter havido avanços na recuperação, nós ficávamos tensos.

Almir partiu rapidamente. Viveu e morreu jovem. Da mesma forma que o conheci na adolescência. Um elo comum nos aproximou. Clarissa Carvalho, minha prima, filha de Emerson Carvalho, o irmão mais novo da minha avó Petrina. Emerson era casado com Rosa, mãe de Clarissa e irmã mais nova de Clarice, a mãe de Almir. Eu e ele brincávamos e dizíamos ser primos.

Quando o conheci, ele havia acabado de ingressar no curso de Odontologia da Universidade Federal de Sergipe. Foi numa recepção que ele organizou para Clarissa que, à época morava em Santos, no Estado de São Paulo, e anualmente passava o seu período de férias em Aracaju.

Conviver com Almir era entusiasmante. Pela conversa inteligente, pela alegria de viver. Se fez odontólogo e professor de Biologia. Foi diretor de escola estadual, mas logo trocou tudo pela paixão profissional que o encantava desde os primeiros anos de juventude. Almir gostava de organizar eventos, de promover festas, de cuidar detalhadamente de cerimônias.

Ao longo da vida, além das reuniões nas quais o elo Clarissa nos aproximava, cruzei várias vezes com Almir, como professor e como executivo da gestão pública, na Prefeitura de Aracaju e, mais recentemente na Secretaria de Estado da Educação. Na última semana de dezembro de 2014, o meu nome foi anunciado como secretário de Estado da Educação. Almir foi uma das primeiras pessoas a entrar em contato comigo, profissionalmente.

No mesmo dia em que a escolha do meu nome se tornou fato público, recebi dele um telefonema: “Dr. Jorge. Estou ligando para combinar os detalhes da sua posse”. Manifestei meu estranhamento com a sua nova forma de me tratar: primo Almir! O que está havendo? Eu sou Jorge e você é Almir. Desde que nos conhecemos. Profissional, ele me enquadrou com uma esfregada: “Dr. Jorge! Nas coisas da Secretaria, o senhor é o secretário e eu sou o chefe do Cerimonial. Nas reuniões promovidas por Clarissa continuaremos a ser primos e amigos afetuosos”.

Assim foi, durante três anos e três meses nos quais fui o principal gestor da Educação de Sergipe. Almir, sempre formal, competente e disponível para me orientar e organizar as atividades e eventos da Secretaria. Na vida privada, nos encontros de família, o mesmo Almir de sempre.

Saí do cargo em abril de 2018. Neste ano de 2020 publiquei uma crônica acerca da minha primeira ideia ao cinema Palace (então, o mais luxuoso da cidade de Aracaju), com a minha Tia Terezinha de Jesus Carvalho. Almir foi um dos primeiros a ler e a me telefonar. Falou com entusiasmo das alegres tarde e noites de domingo nas décadas de 60 e 70 do século XX em torno do Cine Palace, da Sorveteria Yara, da Associação Atlética de Sergipe e do Iate Clube de Aracaju.

Combinamos que Almir me daria uma entrevista sobre as práticas culturais daquela juventude numa cidade que já não mais existe. Inicialmente decidimos esperar pelo fim do período de distanciamento social. Na primeira semana de agosto, no último contato telefônico que mantivemos, Almir me informou que aquele seria um mês difícil para ele, em face de responsabilidades profissionais. Em setembro faríamos a entrevista pelo aplicativo Zoom...

 

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.

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