Jorge
Carvalho do Nascimento*
Normalmente
visto e citado como um gramático, João Ribeiro, sem deixá-lo de ser, transborda
para além dos limites do trabalho intelectual que normalmente preocupa esse
tipo de estudioso. A curiosidade ilimitada do sergipano de Laranjeiras, nascido
no dia 24 de junho de 1860, e os temas que este tratou determinam situá-lo no
campo do tipo intelectual que se costumava rotular de polígrafo, até a metade
do século XX.
Alguns
estudiosos como Luiz Antônio Barreto, Múcio Leão, Augusto Meyer e Boris Schneiderman
se preocuparam em desvendar a obra de Ribeiro e isto permitiu que entendêssemos
a necessidade de libertá-lo da imagem de importante gramático da Língua
Portuguesa, o que já não era pouco.
Mesmo
com os vários estudos que o situam para além dos limites da Gramática, é comum
que João Ribeiro continue a aparecer nas referências que a ele se faz, na
condição de Gramático, o que significa estreitar os limites do seu horizonte
mental e colocá-lo em um espaço que o próprio João Ribeiro muitas vezes
considerou estreito e conservador.
Nada
melhor do que dar voz ao próprio João Ribeiro: “Uma das coisas que se devem contar
entre as menos agradáveis, Deus me perdoe, é a de sustentar polêmica com os
gramaticões de velho tipo, mormente se estão coléricos e irados ou se se dão
por ofendidos, em suas tolas vaidades. Os homens que faute de mieux
analisam Camões, revolvem particípios, espulgam os transitivos e os bitransitivos
formam uma casta realmente temerosa, e intratável”.
Estas
afirmações aparecem no seu artigo “Gramatiquices”, do livro O FABORDÃO (p.
219), publicado pela segunda vez por Edições de Ouro, em 1967. Todavia, a
primeira edição do trabalho data de 1910 e quando apareceram pela primeira vez,
tais observações tumultuaram as discussões dos gramáticos brasileiros.
O
discurso da geração de gramáticos, digamos desempolados, que se lhe seguiria,
capitaneada por Laudelino Freire, da qual faziam parte nomes como Cândido de
Figueiredo, muito deve a João Ribeiro, como afirma um estudioso integrante do
grupo geracional posterior ao de Laudelino, Augusto Meyer, no prefácio que faz
à acima citada edição de 1967 de O FABORDÃO (p. 10).
O
próprio João Ribeiro demarcou as diferenças em seu citado artigo Gramatiquices:
“Os meus estudos de linguagem são meramente objetivos. É raro que me entregue a
questões de saber o que é melhor ou o que não é bom. O público mais comum, por
preguiça ou falta de informação, não distingue aquela diferença de método e
confunde todos os estudiosos das origens e da história da língua e da
literatura sob esse aspecto, com a classe dos que legislam sobre o que é correto
ou o que é errado” (p. 220).
Como
o autor de uma gramática poderia assumir tais posições? João Ribeiro justifica:
“A verdade é que, quando publiquei uma gramática, parece que tive a previsão
desse enfado, e publiquei-a justamente para desquitar-me desse monstro, e errar
à vontade”. A frase de João Ribeiro está em artigo que este publicou no jornal CORREIO
DO POVO, no Rio de Janeiro, edição do dia 18 de setembro de 1890.
Os
textos de João Ribeiro eram construídos sempre em linguagem coloquial, praticamente
um bate papo com o leitor, como se estivessem ambos sentados à mesa de um bar.
Mesmo escrevendo frases impecáveis, João Ribeiro mantinha um estilo de quem
vivia à margem das algemas gramaticais. Ele sabia chocar os conservadores da vigilância
gramatical.
Múcio
Leão, um dos seus principais discípulos, costumava criticar o mestre dizendo
que o seu modo de pontuar era confuso e anárquico. Boris Schneiderman critica
Leão dizendo que a pontuação de João Ribeiro “reflete um ritmo pessoal de
prosa, um modo peculiar de colocar as pausas, e faz parte daquele toque
inconfundível que ele conseguia imprimir ao que escrevia”.
João Ribeiro ajudou a moldar uma Língua Portuguesa
brasileira ao defender que a gramática utilizada no Brasil não pode ser a mesma
dos portugueses, uma vez que os nossos modos de dizer são diferentes e
culturalmente legítimos em face do processo de formação do povo brasileiro.
Com João Ribeiro aprendemos que o me diga e me faça
o favor nos é culturalmente mais próprio que o diga-me e o faça-me dos
portugueses. O me diga e o me faça são carregados de suavidade e doçura ao
passo que o diga-me e faça-me são duros e imperativos, distintos do processo da
nossa formação cultural e das nossas trocas culturais com os falares dos
africanos e dos povos originários brasileiros.
João Ribeiro foi ocupante da Cadeira 31 da Academia
Brasileira de Letras. Eleito no dia 08 de agosto de 1898 como sucessor de Luís
Guimarães, foi empossado no dia 30 de novembro de 1898 e recebido pelo escritor
José Veríssimo. João Ribeiro morreu no dia 13 de janeiro de 1934.
O sergipano Laudelino de Oliveira Freire, nascido
no município de Lagarto em 26 de janeiro de 1873, foi entusiasta do trabalho intelectual
de João Ribeiro. Laudelino fundou em 1918 a Revista da Língua Portuguesa, da
qual foi diretor, possibilitando a publicação de importantes trabalhos como a
Réplica de Rui Barbosa. Foram 68 volumes do periódico que hoje constituem
importante fonte de pesquisa.
Laudelino Freire foi também fundador e diretor dos
15 volumes da Estante Clássica. Uma das suas obras de maior importância foi
publicada após a sua morte, com a colaboração de J. L. de Campos, Vasco Lima e
Antonio Soares Franco Junior – o Grande e Novíssimo Dicionário da Língua
Portuguesa, em cinco volumes.
Publicado entre os anos de 1939 e 1944, o
Dicionário de Laudelino foi, efetivamente, o primeiro grande dicionário
brasileiro da Língua Portuguesa. Ao todo, o trabalho teve três edições. A
primeira sob a responsabilidade da editora A Noite, no Rio de Janeiro. A
segunda e a terceira edições foram empreendidas nos anos de 1954 e 1957 pela
Livraria José Olympio Editora, sem que fossem feitas alterações no texto
original do trabalho.
Laudelino trabalhou por cerca de 15 anos naquilo
que foi a grande obra da sua vida. Para que se tenha ideia, em 1924 ele já
havia apresentado o projeto do Dicionário à Academia Brasileira de Letras.
Naquele ano, a revista da ABL publicou texto no qual informava que o Dicionário
tomaria por base o trabalho português de Morais, incluindo as palavras
existentes nos dicionários portugueses mais utilizados no Brasil, acrescidas de
brasileirismos e muitos regionalismos.
A Academia deliberou não adotar o Dicionário de
Laudelino. Todavia, quando publicado como empreendimento póstumo do autor, no
final dos anos 30, o estudo fez um extraordinário sucesso editorial. Os
acadêmicos da ABL preferiram deliberar, em 1943, decidindo assumir o patrocínio
do Dicionário de Língua Portuguesa, de Antenor Nascentes que somente entrou em
circulação entre os anos de 1961 e 1967.
O dicionário de Laudelino incorporou a citação
literária de autores portugueses e brasileiros, bem como diversos termos
científicos e, também, a linguagem cotidiana, incluídos elementos da cultura
brasileira, dos povos originários e dos africanos que viviam no Brasil.
O Dicionário de Laudelino Freire provocou muitas
polêmicas principalmente da parte de filólogos muito ligados aos cânones da
herança portuguesa. Estes reclamaram do fato de não haver o filólogo nascido em
Sergipe referenciado no Dicionário os chamados brasileirismos que ele havia
incorporado ao trabalho.
Como filólogo, Laudelino foi um discípulo fiel dos
ensinamentos de João Ribeiro e sempre defendeu a simplificação ortográfica da
Língua Portuguesa utilizada no Brasil. Aliás, a sua Filologia retirava o foco
da Gramática e o colocava na história, no desenvolvimento e nas práticas de uso
da língua nacional. “A defesa da língua nacional” foi o tema de uma conferência
que ele proferiu como convidado da Liga de Defesa Nacional.
Laudelino foi também membro do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro. Na sucessão de Rui Barbosa, foi eleito, em 16 de
novembro de 1923, para ser o segundo ocupante da Cadeira 10 da Academia
Brasileira de Letras, onde tomou posse no dia 22 de março de 1924, recebido
pelo acadêmico Aloísio de Castro. Na ABL foi também seu presidente. Morreu no
dia 18 de junho de 1937
A Língua Portuguesa falada no Brasil se distanciou
muito do engessamento gramatical dos portugueses. Certamente devemos muito
dessa libertação linguística aos estudos realizados por intelectuais como João
Ribeiro e por discípulos seus como Laudelino Freire que também enfrentou os
críticos puristas.
*Jornalista, doutor
em Educação, professor aposentado do Departamento de História, do Mestrado em
História e do Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Federal de
Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras e Presidente da Academia
Sergipana de Educação.
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