Jorge
Carvalho do Nascimento
Em
agosto de 1975 fui procurado pelo meu inesquecível amigo Luiz Antônio Barreto
para uma conversa. À época, Luiz exercia o cargo de chefe da Assessoria para
Assuntos Culturais da Secretaria da Educação e Cultura do Estado de Sergipe e
eu trabalhava como redator de noticiários da TV Atalaia, o recém inaugurado
Canal 8.
Luiz
me fez um convite para uma visita ao Secretário da Educação e Cultura do Estado
de Sergipe, Everaldo Aragão Prado. Eu não o conhecia pessoalmente. Como jornalista,
eu sabia dele na condição de personalidade pública. A sua fama era de homem
carrancudo, muito sisudo e rigoroso.
Fiquei
surpreso com o convite. Não entendi porque poderia haver da parte de Everaldo
interesse em fazer um contato comigo. Luiz Antônio, ao seu modo, me esclareceu:
“Ele me pediu para apresentar a ele alguém que sabe ler e escrever corretamente
e eu lembrei de você”.
Fui
ao encontro da fera. Everaldo era o todo poderoso Secretário de Estado ligado
ao então governador José Rollemberg Leite. Elegante, usando um terno bem
cortado daqueles que parecem ter sido costurados no corpo da pessoa, sem um
único fio de cabelo em desalinho, voz baixa, calma, pausada, costurando palavra
por palavra, me recebeu com um sorriso gentil.
Eu
e Luiz Antônio Barreto sentamos cada um em uma cadeira em frente à mesa na qual
ele despachava. Sobre a mesa não havia uma única folha de papel. No gabinete,
nada fora do lugar. Ele se voltou para mim e foi objetivo: “Preciso de alguém
para ler e responder a correspondência do Secretário da Educação de Sergipe.
Luiz contou que você, além de saber ler e escrever, é discreto o suficiente
para saber guardar segredo”.
Everaldo
levantou-se, abriu um armário vertical que havia no Gabinete, retirou de lá seis
ofícios, três cartas e um convite para um evento oficial em Brasília. Disse-me:
“Leia e com o seu tirocínio decida o que eu devo responder em cada um deles.
Redija as respostas e traga de volta para mim”.
Para
realizar a tarefa, Everaldo me concedeu o prazo de uma hora. Onze da manhã eu
retornei ao Gabinete com o resultado da missão. Fiz a entrega e fiquei sentado
em silêncio. Ele, com uma caneta na mão, foi lendo um a um dos documentos que
eu produzi. Ao final, marcava um V no rodapé de cada página. Em dois documentos
ele fez um X bem grande, inutilizando o texto.
Depois
de analisar tudo, olhou para mim e disse: “80 por cento de aprovação. Está
contratado. Você começa a trabalhar dia cinco de outubro”. Eu perguntei: “E
será vantajoso para mim?” Resposta de Everaldo: “Sua remuneração será equivalente
a três vezes e meia ao que você ganha na TV”. Do alto do meu entusiasmo
juvenil, respondi de pronto: está aceito. Dia cinco de outubro estarei aqui.
Assim
começou meu relacionamento de trabalho com um dos homens de maior inteligência
que tive a oportunidade de conhecer. O economista Everaldo Aragão Prado,
nascido na cidade de Capela, Estado de Sergipe, em nove de março de 1935,
morreu hoje, 20 de setembro de 2025, aos 90 anos de idade.
Tem
mais de 10 anos que Everaldo vinha padecendo de múltiplas enfermidades
degenerativas que lhe tiraram a mobilidade e a capacidade de se comunicar com
as pessoas. Deixa uma filha, Paula, dois netos, e a viúva Sônia Maria Lima de
Almeida, com quem viveu durante 34 anos, desde 1991. Antes de Sônia, Everaldo foi
casado com Maria Luiza, a mãe de Paula.
Ao
longo da vida, Everaldo foi um importante economista da geração que planejou o
desenvolvimento econômico do Estado de Sergipe com base na exploração dos
recursos minerais, sob a liderança de José Aloísio de Campos, encastelado nos
quadros do Conselho de Desenvolvimento Econômico de Sergipe – Condese, ao lado
de outros grandes nomes como Dilson Menezes Barreto, Artemízio Cardoso Rezende,
Marcos Antônio de Melo e Paulo Barbosa de Araujo.
Everaldo
foi professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de
Sergipe e depois de ter trabalhado como Secretário da Educação e Cultura do
governo José Rollemberg Leite, entre 1975 e 1979, tomou posse no cargo de
Auditor do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, onde permaneceu até a sua
aposentadoria, em 2005.
Foi
o gestor público mais dedicado ao trabalho que eu tive a oportunidade de
conhecer. Chegava ao expediente na Secretaria da Educação e Cultura por volta
das sete da manhã e se retirava invariavelmente depois das 19 horas. Foi também
o homem mais conservador com o qual eu tive a oportunidade de conviver,
defendendo sempre as suas convicções com toda a energia possível. O Conservador
era também um grande mecenas que colaborou ao longo da vida com a Sociedade
Filarmônica de Sergipe – Sofise e com muitos artistas plásticos sergipanos dos
quais costumava adquirir vários trabalhos.
A
sua atividade na Secretaria da Educação deve ser lida no contexto da ditadura
militar sob a qual o Brasil vivia. José Rollemberg Leite foi um governador
nomeado para o Executivo sergipano por decisão do ditador Ernesto Geisel e
Everaldo participava de tal contexto.
Os
homens vivem, cada um ao seu modo, as suas contradições. Aprendi a admirar
Everaldo, dele me tornei amigo enquanto ele esteve conscientemente presente na
vida e tenho certeza que Sergipe ficou mais pobre com a sua partida no dia de
hoje.
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