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BANANA SPLIT COMBINA COM CINEMA
Jorge Carvalho do Nascimento*
A
primeira vez que fui a um cinema chic, estava acompanhado da minha tia,
Terezinha de Jesus Carvalho. Levado por ela ao elegante Cine Palace de Aracaju,
na rua João Pessoa, a mais requintada sala de projeções que existia em Sergipe,
inaugurada no primeiro dia de janeiro de 1956.
A
Tia Terezinha, irmã da minha mãe, como afirmavam os mais velhos da família, era
alta funcionária. Tradução: com sua
formação em Ciências Contábeis, era servidora pública federal concursada do à
época Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários – IAPI. Aspirou ser
advogada, mas a rigidez moral de Dona Petrina não permitiu. Advocacia era coisa
para homens. Uma filha dela jamais lidaria com crimes e disputas por herança,
coisas próprias ao campo do Direito de Família e das Sucessões. Ou mesmo com
contratos comerciais e execuções de cobranças.
Tudo
no Cine Palace encantava. A começar dos empregados da bilheteria, simpáticos e
sorridentes. A pipoca me parecia mais saborosa que todas que eu comera até
então. O balcão de doces com a sua sortida bomboniere dispensava comentários e
fazia salivar até o mais empedernido adversário do açúcar. Ao transpor a pesada
cortina que fechava a sala escura, após vencer os quatro degraus do hall, um
mundo deslumbrante.
O
ar condicionado mais frio que eu já havia sentido. Um frio saboroso,
confortável, que me parecia vir de baixo para cima dando conta de secar o
nervoso suor que tomava conta das pernas, das costas e do peito. Minha tia,
cuidou de aplacar os meus sintomas de nervosismo. Nos aboletamos naquelas
poltronas macias. Contemplei os painéis pintados por Jenner Augusto que
adornavam as paredes da sala de exibições.
Desfrutamos
a música das grandes orquestras que distraíam a plateia enquanto se esperava
pelo filme. O sistema de som estereofônico do Palace fazia tonitroante a
primeira pancada do gongo que anunciava a proximidade do início da película.
Lentamente as luzes começavam a se apagar em camadas, no mesmo ritmo em que
devagarinho a bela cortina começava a deslizar automaticamente sem que ninguém
a puxasse e a desnudar a moderna tela cinemascope. Primeiro apagavam-se as
luzes do fundo da sala. Depois as intermediárias. As que ficavam próximas da
tela eram apagadas no exato momento que todo o espaço branco destinado a
projeção já fora desembrulhado.
Os
primeiros raios da luz do projetor iluminavam a tela enquanto os conhecidos
acordes de Na Cadência do Samba ou Que Bonito É, composição de Luiz Bandeira,
invadia a sala enchendo a todos de emoção e arrepios juntamente com a bela
fotografia das cenas de jogos de futebol que marcavam o trabalho dos
cinegrafistas do Canal 100. Estava começando a matinê do Palace.16 horas. Após
o Canal 100 a exibição do trailer das duas próximas películas que entrariam em
cartaz. Teríamos mais duas horas de emoção.
O
filme: Mogli – O Menino Lobo ou O Livro da Jangal (The Jungle Book, na sua
versão original em língua inglesa). Filme de animação e aventura, uma comédia
musical produzida nos estúdios de Walt Disney, nos Estados Unidos da América.
78 minutos de uma película colorida e som estereofônico que emocionava
crianças, adolescentes e adultos também. Algumas vezes as sensações tristes
viravam um chororô na sala de cinema. Afinal, a sétima arte é feita de
emocionar e alegrar o coração das pessoas. A estória escrita por Rudyard
Kipling, um clássico da literatura infanto-juvenil narrando a vida de um menino
criado por lobos. A história de Mogli inspirou o fundador do movimento dos
escoteiros, o general inglês Robert Baden-Powell, na criação do ramo de
lobinhos, abrigando os meninos entre os sete e os 10 anos de idade. Tudo no
filme parecia perfeito: desenhos animados, roteiro, trilha sonora que nunca me
saiu da cabeça.
Conhecer
o Cine Palace era um sonho do adolescente que vivia na zona norte de Aracaju e
que a Tia Terezinha materializou naquela tarde. Era o melhor cinema de Aracaju.
Muito bem localizado na confluência da rua João Pessoa com a praça Fausto
Cardoso, ao lado do Palácio que sediava a chefia do Poder Executivo sergipano.
O primeiro cinema de Sergipe a ter ar condicionado, cortina motorizada e
cadeiras estofadas. Fechou as portas em 1997.
Saí
daquela sessão de cinema com a Tia Terezinha muito feliz. Já era começo de
noite. Para encerrar bem um dia perfeito, ela me fez mais um convite: lanchar
no Topo Gigio Lanches, uma refinada lanchonete que existia na rua Laranjeiras,
ao lado do Edifício sede dos Correios e Telégrafos, propriedade do radialista,
político e empresário Santos Mendonça. Ambiente fino onde degustei pela
primeira vez um sabor que sempre renovava enquanto não descobri que as minhas
taxas de glicemia me apontavam como portador de diabetes: a Banana Split. O
paraíso existe.
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