Jorge
Carvalho do Nascimento*
A
fachada da platibanda era verde e branca, rasgada por uma porta e duas janelas.
Do lado esquerdo, a porta era em duas folhas pintadas de verde que se abriam e
fechavam independentemente. Juntas, elas mediam entre 70 e 80 centímetros de
largura. A altura de um pouco mais de 2 metros incluía a bandeira de treliças
que a encimava e servia para auxiliar na ventilação e na iluminação da casa.
Na
parte externa, a metade inferior das duas folhas da porta eram adornadas com
almofadas em madeira, enquanto na parte superior um quadrado que continha
treliças protegidas por um postigo que durante o dia ficava aberto, também para
assegurar a boa circulação do vento, e à noite permanecia fechado para garantir
a privacidade e a segurança dos moradores. À direita da fachada, duas janelas com
as mesmas características da porta, à exceção das medidas: 1,20m X 1,20m.
Na
segunda metade da década de 1960 foi necessário arrancar a porta para dar acesso
a enorme e pesada caixa de madeira, com um pouco mais de um metro de largura
que continha a majestosa peça que a partir daquele momento adornou a cozinha e auxiliou
os serviços domésticos de Dona Petrina e Dona Terezinha. A geladeira Gelomatic
branca. Foi o primeiro eletrodoméstico do tipo com o qual eu convivi. Na casa
dos meus pais, a refrigeração somente chegaria dois anos depois.
A
geladeira foi um eletrodoméstico que se popularizou e se difundiu em todos os
lugares do país muito rapidamente. As
primeiras máquinas de refrigerar datam de 1856, na Austrália. Estavam distantes
de parecer com os refrigeradores que todos nós temos em nossas casas. Na década
de 1930 começaram a ser produzidas artesanalmente em Santa Catarina. Poucas
unidades. Apenas duas ficavam prontas a cada semana. Oito por mês, sempre
movidas a querosene. Quase nada para abastecer um mercado do tamanho do
brasileiro, mesmo considerando os dados de população e renda da primeira metade
do século XX.
A
primeira fábrica brasileira de refrigeradores movidas por um motor elétrico
data de 1947, também localizada em Santa Catarina: a Consul. Aí sim, o país
tinha linha de produção em escala de refrigeradores domésticos, instalada em
uma fábrica que distribuía os aparelhos para os mercados de todo o território
brasileiro. Logo vieram outras fábricas em São Paulo e, a partir da década de
1950, as lojas se encheram de marcas como Consul, Kelvinator, GE, Gelomatic, Climax,
Electrolux, Philco, Springer, Frigidaire, Westinghouse, Admiral, Brastemp e
outros tantos que foram chegando.
O
processo de aproximação do novo aparelho requeria o aprendizado de uma sucessão
de protocolos, alguns verdadeiros e outros frutos de superstições. O fundo da
geladeira era quente (como é ainda hoje, em face da serpentina que faz
dispersar o calor retirado do aparelho), mas o aviso foi imediato: nada de
colocar nenhuma peça de roupa para secar rapidamente atrás do refrigerador.
A
maçaneta de abertura da porta era protegida por capas de pano ou de plástico bordadas
em formato de pinguins, cenouras, abacaxis e tudo que a imaginação criativa das
donas de casa pudesse conceber. Sem falar no pinguim de porcelana que repousava
sobre a geladeira para decorar a cozinha. O fato é que era proibido pegar na
tal maçaneta da porta do frigorífico com as mãos molhadas ou os pés descalços,
a fim de evitar o risco de tomar um choque elétrico.
Aquele
eletrodoméstico chegou para revolucionar a vida e mudar alguns hábitos
alimentares de Dona Petrina e de Dona Terezinha, principalmente quando
associado a uma outra novidade que acabara de chegar à cozinha: o
liquidificador Arno. Adeus jenipapadas. Agora, a ordem era consumir sucos de
jenipapo. Apesar de ser proibido tomar leite gelado, sob a crença de não fazer
bem a saúde, era possível armazenar durante toda a semana o leite, o peixe, a
carne, as frutas e tudo o mais que se desejasse, naquele armário fresco.
Sua
majestade, o refrigerador, tem quase o mesmo tempo de reinado que Elizabeth II.
Mesmo depois que Charles assumir o trono, ele continuará reinando nas cozinhas
do planeta.
*Jornalista,
Doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e Presidente da
Academia Sergipana de Educação.
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