Pular para o conteúdo principal

A REDESCOBERTA DOS LIVROS DA BIBLIOTECA DE SÍLVIO ROMERO II

 

 

Prof. Dr. Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Sílvio Romero iniciou a sua vida intelectual combatendo o ecletismo espiritualista e a metafísica, para em seguida incorporar as ideias de Augusto Comte. Rompeu com o Positivismo alguns anos depois, fazendo com que a sua obra fosse frequentemente contestada por vários intelectuais positivistas. Via no positivismo um sistema tumular que encarcera consciências através de um catecismo feroz e agressivo, sem qualquer vinculação com a índole nacional.

Como a maior parte dos intelectuais da Escola do Recife, Sílvio Romero compôs o núcleo central da sua visão de mundo a partir de leituras monistas e evolucionistas, principalmente a partir das leituras atentas que fez do pensamento de Wolf, Ernest Haeckel, Ludwig Noiré, Charles Darwin e Herbert Spencer. Foi com os monistas e os evolucionistas que Romero aprendeu a criticar o Positivismo e a ao mesmo tempo assumir a defesa das ideias materialistas, tomando uma posição anticlerical e de críticas ao catolicismo. Ao longo da segunda metade do século XIX buscou sempre tornar popular a ideia de Filosofia como epistemologia, pois assumia a posição de que a teoria do conhecimento era o objeto próprio da Filosofia.

Como a sua geração, Romero adotou o convencimento de que estava descobrindo os novos rumos da humanidade e de que era uma espécie de “missionário” do século da ciência. Com esse espírito, viveu discutindo e criticando as filosofias e os filósofos do seu tempo, ao invés de simplesmente repeti-los como era prática no Brasil até então.

Isso fez com que o autor sergipano fosse objeto de discriminações e do escárnio dos grupos aos quais se contrapunha. Principalmente depois que o conjunto de ideias que pregava ganhou importância no debate que se travou durante as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX. Sílvio Romero disse de si próprio ser “um homem de seu tempo, sem deixar de ser homem de seu país e aplicou as novas ideias europeias sempre a assuntos nacionais” (Romero, Sílvio. 1898. Novos estudos de literatura contemporânea. Rio de Janeiro, H. Garnier. p. 124).

A reforma do pensamento foi o caminho escolhido por ele como via de acesso às reformas sociais. Para ele estava muito claro que realizações, discursos e projetos têm valores diferentes. Por isto buscou um discurso através do qual pudesse convencer a intelectualidade brasileira quanto a viabilidade de um novo projeto. Preocupado com o que entendia ser a ausência de um projeto nacional brasileiro, Sílvio Romero foi articulador de um discurso que, a partir do tema da cultura, propunha a galvanização do Estado nacional.

A partir das duas últimas décadas do século XIX, Romero começou a realizar leituras e a esboçar um pensamento pedagógico entusiasmado com os novos rumos que a Pedagogia tomava, principalmente na Alemanha, criticando de modo contundente algumas ideias pedagógicas assumidas por intelectuais franceses e demonstrando certa perplexidade em relação a um vigoroso conjunto de ideias pedagógicas que se irradiavam a partir dos Estados Unidos da América.

Há um texto muito importante para a compreensão do debate pedagógico que travou no Brasil durante o século XIX, escrito por Sílvio Romero ainda em 1883, sob a influência alemã: “Notas sobre o ensino público”. O trabalho foi preparado pelo seu autor para o Congresso de Instrução Pública que se realizou no Rio de Janeiro, naquele mesmo ano e sintetizava as reflexões que ele fazia a respeito do ensino público no Brasil. A sua experiência docente foi adquirida no Colégio Pedro II, onde ingressou por concurso público em 1882.

À sua maneira, Romero lutava contra o que dizia ser a mentalidade que chamava de “reacionária e retrógrada” do ensino brasileiro. Vários dos seus trabalhos que tiveram a educação como temática foram publicados na revista Lucros e Perdas. Sílvio Romero privilegiou os estudos em educação a partir das questões de Filosofia e do ensino secundário. Fez críticas ao fato de a escola brasileira haver reduzido o ensino de Filosofia a uma só matéria – o ensino da Lógica – e defendeu ardorosamente o ensino de disciplinas como Psicologia, Metafísica, Ontologia e História da Filosofia. Também, durante o período em que trabalhou no Rio de Janeiro, para o jornal ‘Diário de Notícias’, Sílvio Romero escreveu muitos artigos sobre o ensino público.

Na coleção de 1717 livros adquirida pelo Governo do Estado de Sergipe em 1918, 107 constituem um acervo especializado em temas educacionais. Nesse total, estão incluídos três volumes de leis brasileiras tratando de matéria educativa; um projeto de reforma do ensino secundário e superior; um projeto de reforma do ensino primário; dois anais de congressos; três estatutos de faculdades; uma lista de alunos matriculados na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro no ano de 1907; uma outra relação referente a estudantes do Colégio Anchieta de Niterói, em 1899; dois regulamentos de faculdades do Rio de Janeiro; os regulamentos dos institutos militares de ensino; e, dois relatórios de instituições de ensino secundário. São 64 textos em português, 39 em francês, três em espanhol e um em inglês.

O idioma no qual o texto está publicado não estabelece uma vinculação automática com a nacionalidade do autor, posto que existem muitas traduções. O único texto em inglês existente na Biblioteca de Sílvio Romero foi escrito por um alemão. Os textos do inglês Herbert Spencer foram lidos pelo intelectual brasileiro na sua edição em francês, do mesmo modo que foi esta a língua na qual Romero teve acesso ao pensamento de William James. Há textos em português escritos não apenas por intelectuais brasileiros, mas também de países europeus, a começar por Portugal.

O estatuto científico que a Biologia e a Psicologia vinham oferecendo à Educação desde as últimas décadas do século XIX entusiasmou o intelectual aqui estudado. No seu acervo de 107 livros, 33 são dedicados a temas dessa natureza. Neste tipo de assunto, o olhar educacional de Romero está embalado por problemas que dizem respeito aos estudos de educação comparada e ensino superior: existem 10 livros a respeito de cada um desses assuntos. São em número de oito os livros que se dedicam a estudar o ensino secundário; cinco estão voltados para a formação de professores; quatro para a educação cívica; idêntico número para as discussões a respeito da Pedagogia moderna; três sobre educação infantil; três a respeito do ensino primário; três enfocando disciplinas escolares; dois sobre intelectuais da educação; dois a respeito da História da Educação; igual número abordando o ensino agrícola, o Pragmatismo, o ensino público, o ensino profissionalizante, a escola republicana e as relações entre escola e democracia. Os outros livros, com um exemplar cada, discutem temas como as reformas da instrução pública, a educação da mulher, as relações entre família e educação, os problemas da juventude, avaliação e higienismo.


*Jornalista, professor, Doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e Presidente da Academia Sergipana de Educação.


Comentários

  1. Bravo. Parabéns, Professor Jorge, por mais este compilado sobre a vida e obra de Silvio Romero.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

TRIBUTO A LUCINDA PEIXOTO

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Acabei de tomar conhecimento da morte da empresária Maria Lucinda de Almeida Peixoto, ocorrido hoje na cidade de Penedo, Estado de Alagoas. Lucinda era certamente a principal herdeira dos negócios da próspera família Peixoto Gonçalves, empresários que ao longo do século XX constituíram a mais importante e mais rica família da região do Baixo Rio São Francisco, consideradas as duas margens – a de Alagoas e a de Sergipe. Tive a oportunidade de conhecer Lucinda Peixoto no final do ano de 2009, quando iniciei uma pesquisa sobre os negócios da família Peixoto Gonçalves, a convite do seu genro, José Carlos Dalles, um dos principais executivos com responsabilidade sobre a gestão das atividades econômicas da família. Em maio de 2010, fiz uma série de entrevistas e mantive várias conversas com Dona Lucinda, como os penedenses e os seus amigos costumavam tratá-la. Fiquei impressionado com a sua memória que o tempo não conseguira embotar. Do m

CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL: REGULAMENTO OU CAOS

                                                    Nilson Socorro       Nilson Socorro*     Nestes tempos bicudos de exacerbação das divergências, de intolerância e de fakes news em profusão, o mundo do trabalho, em especial, o movimento sindical, tem sido permanentemente agitado pela discussão, confusão e desinformação sobre o tema da contribuição sindical. O debate deveria contribuir para a construção de soluções, necessárias, em decorrência da fragilidade das finanças dos sindicatos, golpeadas pela reforma trabalhista de 2017 que abruptamente estabeleceu o fim da obrigatoriedade do imposto sindical. Mas, ao contrário, tem se prestado mais para amontoar lenha na fogueira onde ardem as entidades sindicais profissionais e econômicas que ainda resistem. A Consolidação das Leis do Trabalho trata a contribuição sindical em diversos artigos, assim como, a Constituição Federal. Pelo estabelecido na legislação, são três as espécies de contribuições: a contribuição sindical ou imposto sindic

TRIBUTO A THAIS BEZERRA

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Nasci no dia 28 de agosto. Passados 22 anos após o dia em que eu nasci, a mais importante colunista social de toda a história da mídia em Sergipe publicou a sua primeira coluna, GENTE JOVEM, no jornal GAZETA DE SERGIPE, a convite do nosso amigo comum Jorge Lins e sob a orientação do jornalista Ivan Valença, então editor daquele importante periódico impresso. Hoje estou aqui para homenagear a memória de Thais Bezerra. A partir do seu trabalho, dediquei alguns anos da minha vida à pesquisa e me debrucei a estudar o fenômeno da coluna social em Sergipe, inspirado pelo meu olhar curioso e pelas observações que sempre fiz a respeito do trabalho da jornalista inspiradora que ela foi.       O estudo, inicialmente dedicado ao trabalho de Thais Bezerra se ampliou, e no início do ano de 2023, resultou na publicação do livro MEMÓRIAS DO JORNALISMO E DA COLUNA SOCIAL, pela Editora Criação.   Thais Bezerra começou a trabalhar aos 17 anos de