Jorge
Carvalho do Nascimento*
Tem
36 anos que o sociólogo francês Pierre Bourdieu publicou HOMO ACADEMICUS, o
ensaio no qual demonstrou aprofundadamente a constituição do campo acadêmico e
as lutas de natureza política e, também econômica, entre professores
universitários, cientistas, pesquisadores, enfim todos aqueles que utilizam os
diplomas universitários como forma de acumular capital cultural que é, em
última análise, poder sob a forma de capital simbólico.
Quando
o trabalho de Bourdieu chegou ao Brasil em 2011, o ano de 1984 já estava
distante e o próprio autor do texto já havia morrido, em 2002. Mas, as conclusões
do HOMO ACADEMICUS continuavam (como continuam) válidas e atuais. Os intelectuais continuam seduzidos e
tentando seduzir em face da ostentação de títulos de mestrado, doutorado e
pós-doutoramento que nem sempre obtiveram. Ou que obtiveram, sem que o acervo
de saberes dominados sirva para dar conteúdo ao diploma. Ostentar títulos inexistentes
é um hábito antigo dentre os maus costumes da política brasileira,
Bernardo
Cabral, importante jurista brasileiro, presidiu a OAB, foi um dos relatores da
Constituição de 1988 e nomeado ministro da Justiça pelo presidente Fernando
Collor de Mello. Ostentava em seu currículo um título acadêmico conferido pela
Universidade de Paris. Saulo Ramos, também importante nome do direito
brasileiro no mesmo período e adversário político de Cabral, denunciou a
inexistência de tal diploma e depois ficou evidente que Bernardo fizera apenas
um estágio de muita curta duração na instituição universitária francesa, o que
não lhe conferia o diploma que dizia possuir.
Em
2009, o currículo de Dilma Rousseff, ministra do governo Lula e futura candidata
a presidente da República ostentava os títulos de mestre e doutora em Economia
pela Universidade Estadual de Campinas. A revista Piauí investigou os arquivos
da Unicamp e descobriu que os títulos acadêmicos de Dilma inexistiam. Ela se
desculpou e excluiu os registros do seu currículo Lattes, na plataforma do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – o CNPq.
Damares
Alves, atual ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos do governo
Bolsonaro, anunciou que era portadora dos títulos de mestre em Educação e
também mestre em Direito Constitucional e em Direito da Família. O jornal Folha
de São Paulo foi pesquisar os diplomas da ministra. Não os encontrou na Plataforma
Lattes do CNPq (onde estão os currículos dos mestres e doutores brasileiros) e
indagou ao seu gabinete. A assessoria de imprensa do ministério informou que
ela nunca frequentou nenhuma universidade para obter tais diplomas.
Ao
anunciar, no dia oito de abril de 2019, que Abraham Weintraub seria o novo
ministro da Educação, o presidente Jair Bolsonaro informou em sua página do
Twitter que ele era Doutor e professor universitário. Imediatamente foi
desmentido por vários membros da carreira acadêmica e no mesmo dia corrigiu a
informação.
Ontem,
o presidente Bolsonaro anunciou o nome de Carlos Alberto Decotelli como o novo titular
do ministério da Educação. Decotelli ostenta o título de doutor pela
Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, e afirma possuir pós-doutorado
pela Universidade de Wuppertal, na Alemanha. As informações estão registradas
no currículo Lattes do próprio Decotelli.
O
nome de Decotelli foi bem recebido e elogiado por vários acadêmicos,
secretários de Estado da Educação, secretários municipais da área e
instituições do terceiro setor. Pela sua capacidade de dialogar, pelas suas
declarações dando conta da necessidade de priorizar a agenda educacional, com
temas como a BNCC e o Fundeb. E também pela bem sucedida carreira acadêmica
registrada no currículo Lattes. Decotelli chegou com ares de ser uma boa chance
de recuperar o vexame das gestões de Velez Rodriguez e de Abraham Weintraub.
Hoje,
o site Antagonista, a jornalista Mônica Bérgamo e o jornal Folha de São Paulo
publicaram as declarações do reitor da Universidade Nacional de Rosário, na
Argentina, Prof. Dr. Franco Bartolacci. Com ela, uma ducha fria: Decotelli não
possui o título de doutor que registrou no seu currículo Lattes. Se não possui
o título de doutor, o pós-doutorado também é inexistente.
Atropelar
a verdade não é bom começo para ninguém. Principalmente para quem está assumindo
o cargo de ministro de Estado. Oxalá haja algum engano. Se houver, o reitor de
Rosário deve um pedido de desculpas ao povo brasileiro. Se não houver engano,
quem deve se desculpar é o novo ministro. A nós, mortais comuns, restará a
esperança de que apesar dos pesares ele consiga fazer uma boa gestão. Caso contrário,
mais uma vez lamentar: pobre MEC!
*Doutor
em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Foi secretário
de Estado da Educação de Sergipe, de janeiro de 2015 a abril de 2018.
Excelente. O povo brasileiro já está cansado de tantos vexames e explicações furadas para os erros grotescos e inverdades proferidas por este governo, sobremaneira no ministério da educação, aquele que deveria nos orgulhar ou, no mínimo, nos dar esperanças de dias melhores... Lamentável o atual cenário político e educacional no Brasil.
ResponderExcluirNo próprio Lattes consta que sua tese tem o título de "Créditos cursados" e o orientador "Sem defesa de tese". Lastimável!
ResponderExcluirExcelente texto. A educação brasileira vive penando nesse governo descontrolado. Parabéns, prof. Jorge. O senhor é minha inspiração.
ResponderExcluirAlém disso, dessa impropriedade do título, o atual Ministro da Educação deveria explicar melhor o caso da licitação bilionária para compra dos notebooks, sustada pelo TCU e que manchou sua passagem pelo FNDE. Mais uma bolsonarice...
ResponderExcluirMuito apropriado seu artigo? Prof. Jorge Carvalho, meu guru! Lastimável que o novo ministro inicie sua gestão tendo a mentira, senao a tentativa de fraude, como primeiro ato! Mal sinal!
ResponderExcluirPerfeito.
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