Jorge
Carvalho do Nascimento*
O
dia 15 de novembro de 1971 foi de festa em Sergipe. A inauguração da TV Sergipe
mudou radicalmente a vida dos sergipanos. Falo de mudança cultural, alteração
nos hábitos, adoção de novas posturas nas relações familiares. A sensação de
progresso contida em um caixote de madeira cheio de válvulas que mostrava a sua
cara através de um tubo de vidro.
A
partir daquele dia começou uma febre de venda de televisores. As famílias
faziam das tripas coração para colocar em lugar de destaque na sala de visitas
de cada residência aquele amontoado mágico de válvulas.
Na
casa da avó Petrina e da tia Teresinha a TV havia chegado seis anos antes.
Pomposa, cheia de charme, ocupava lugar destacado na sala de visitas. Era tão
importante que apenas duas mãos dentre as seis que habitavam a residência eram
autorizadas a toca-la: as da tia Teresinha. Foram treinadas a fazer o uso
correto por um técnico da loja A Curvelo, onde o aparelho foi comprado. Das
minhas mãos e das de dona Petrina, a princesa das imagens permaneceu casta e
imaculada. A devorávamos apenas com os olhos. Se bem que nem sempre era
possível ver a imagem com nitidez.
O
caixote de madeira bem acabado, polido e envernizado na cor dourada era um
móvel que descansava ostentando o elegante design que se tornara moda no país
após a inauguração da cidade de Brasília e a ostentação dos pés tipo palito que
ornavam o mobiliário do Palácio da Alvorada, a residência presidencial
desenhada por Oscar Niemeyer. Estruturas grandes assentadas sobre pés fininhos.
Aquela
belezura de móvel com a tomada conectada na corrente elétrica ganhava vida
quando a tia Teresinha girava o botão On/Off. A antena sobre o telhado da casa,
visível para quem passava na rua, dava imediatamente à família que ocupava
aquela residência o status de gente que podia consumir o conforto proporcionado
pelos eletrodomésticos e pela última palavra da diversão e do acesso a
informação pública – a TV.
Botão
em On, o tubo de imagem se iluminava. Todavia, isto não queria dizer que nele
houvesse qualquer figura. Apenas a luz intensa daquela válvula gigantesca. Era
necessário aguardar que aquecessem todas as válvulas. No primeiro momento,
apenas observar toda a modernidade e tecnologia contida na aparência da
engenhoca. Uma fita branca achatada com dois fios finíssimos embutidos em cada
um dos lados ligava o aparelho à sua antena no telhado. Algumas vezes a antena
era interna, em formato de V. Quando a imagem não aparecia, ela era girada de
um lado a outro, buscando a melhor sintonia. Se não desse certo, uma palha de
aço da marca Bombril sempre ajudava.
Aparelho
ligado, válvulas quentes. Um amontoado de pontos pretos e brancos na tela
formavam a imagem, claro que sem nenhuma cor. À época, sem emissora de TV no
Estado, o enorme seletor de canais se destacava na botoeira do aparelho. Era
girado até o Canal 11. O ruído era característico e nada discreto –
TROC-TROC-TROC-TROC-TROC.
Estava
feita a sintonia com a TV Jornal do Comércio, do Recife. Ela transmitia o sinal
da Rede Tupi de Televisão, a grande rede de TV dos Diários Associados que a
ditadura militar desmontou estimulando a organização da poderosa Rede Globo de
Televisão, através do pacto firmado entre o grupo brasileiro Globo e o poderoso
grupo norte-americano Time Life. O sinal da TV de Pernambuco chegava a Recife
através de uma poderosa antena repetidora instalada no Morro do Urubu em 1960,
por sugestão que o comerciante Irineu Fontes fizera ao prefeito Godofredo
Diniz.
Recebido
o sinal da TV, nem tudo estava perfeito. O som algumas vezes sumia, outras
vezes havia som, mas a imagem se fazia ausente. Dava pânico quando a imagem
começava a rolar de modo intermitente horizontalmente ou verticalmente. Era
necessário mexer no botão da sintonia fina.
Ao
final, mesmo com todas as dificuldades e com a sala cheia de televizinhos, a
família terminava se debulhando em lágrimas com os dramas de Albertinho Limonta
e Mamãe Dolores na telenovela O Direito de Nascer.
A
inauguração da TV Sergipe, em 1971, mudou a cultura de ver TV em Aracaju e
depois em todo o Estado. Ver TV com TV é outra emoção.
*Jorge Carvalho do
Nascimento é jornalista profissional, professor e Doutor em Educação. Membro da
Academia Sergipana de Letras e Presidente da Academia Sergipana de Educação.
Muito bom. Como sempre, a narrativa nos convida a presenciar algo mágico do lugar que nem sequer vivenciamos na sua bela infância. Parabéns, Prof. Jorge!👏👏👏
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