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LIVROS PARA O POVO VI




 

Prof. Dr. Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Por todas as razões já expostas nos cinco textos anteriores, a Biblioteca do Povo e das Escolas é uma grata surpresa, quando se observa atentamente e se percebe que em um país no qual a maioria dos livros não alcançava a casa dos 300 exemplares vendidos anualmente, tal coleção tenha vendido, nos seus dois primeiros volumes, 6000 exemplares a cada 15 dias, em Portugal e no Brasil, já que “mesmo livros de boa vendagem raramente superavam seiscentos ou oitocentos exemplares por ano” (Idem. p. 147).

Mais surpreendente é quando nos damos conta de que já no terceiro volume a tiragem da edição crescera para 12 mil exemplares, posto que mesmo as edições de maior sucesso, de autores consagrados, jamais excediam o número de 1000 exemplares. No volume 11, a coleção já tirava 15 mil exemplares. É possível avaliar o que representava tal feito: “As edições mexicanas da época raramente ultrapassavam 500 exemplares, e L. E. Joyce, descrevendo a situação do Chile já no século XX, no começo da década de 20, nos diz que as novas obras que não eram de ficção limitavam-se a edições de cerca de 200 exemplares e mesmo um romancista consagrado não ousava ultrapassar uma tiragem de 500 exemplares – e ficava feliz ao conseguir vender a metade” (Idem. p. 148).

Portanto, impressionam sobremodo as informações acerca da quantidade de exemplares que eram impressos a cada novo volume da coleção, mesmo considerando-se que Portugal certamente absorvia a porção mais significativa desses exemplares, posto que tais tiragens eram muitas vezes superiores mesmo aos padrões europeus do período: “1.000 exemplares também eram, para muitos tipos de livros, uma grande edição mesmo para os padrões europeus... a editora literária Bodley Head (da Inglaterra), publicou 49 títulos na década de 90, dos quais apenas 15 alcançaram ou excederam 1.000 exemplares, e dez dos quais tiveram uma tiragem de menos de 500. Mesmo em 1930 a primeira edição de um romance inglês era, em média, de 750 a 1.000 exemplares” (Ibidem, p. 148).

Não obstante a sua enorme importância, a Biblioteca do Povo e das Escolas tem sido praticamente um ilustre desconhecido da maioria dos estudos a respeito do livro e do mercado editorial no Brasil.

Laurence Hallewel, o autor que até agora tem servido de referência básica aos estudos da questão no Brasil, ao tratar do problema em nenhum momento faz referências à Biblioteca do Povo e das Escolas. Ao discutir a aquisição da firma portuguesa David Corazzi pela Livraria Francisco Alves, passa ao largo de tal coleção, fazendo referências apenas a outras coleções da empresa de Portugal, bem menos importantes, sob todos os aspectos que a Biblioteca do Povo e das Escolas: “os direitos de edição dessa firma incluíam os Diccionários do Povo de José Joaquim Ferreira Lobo, uma coleção de dicionários de português, português-inglês e português-francês (que a Alves continuou a reeditar, anonimamente, até o final do século XX), e a tradução portuguesa de Júlio Verne, ainda muito popular no Brasil naquela época” (Idem. P. 210).

Se do ponto de vista dos problemas que envolviam o mercado de produção e circulação de livros naquele momento, a Biblioteca do Povo e das Escolas é um documento da maior importância, extremamente mais rica se apresenta tal coleção quando pensamos acerca das possibilidades de compreensão do quadro de mentalidades existentes à época e do projeto que se punha à escola como centro de formação no Brasil das últimas décadas do século XIX e das primeiras décadas do século XX.

Do mesmo modo, é fértil a contribuição que tais livros podem nos dar quanto aos olhares que temos lançado sobre o nosso passado, principalmente no que diz respeito aos estudos acerca da História, ao examinarmos fenômenos como a educação e a cultura no Brasil.


*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação. 


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