Jorge Carvalho do Nascimento*
Eugênia Andrade Vieira da Silva estudou a formação
da elite intelectual em Sergipe no período de 1822 a 1889, na dissertação de
Mestrado que defendeu em 2004 na Universidade Federal de Sergipe. A partir do
seu trabalho é possível afirmar que inicialmente a elite intelectual sergipana
era formada no exterior.
Contudo, até a metade do século XIX, a maior parte
dos portadores de diploma de graduação já era oriunda das faculdades de
Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro e dos cursos jurídicos de Olinda e São
Paulo, além das escolas militares e dos seminários.
O crescimento da produção açucareira em Sergipe e
as outras necessidades de organização da Província estimularam a demanda por
escolas superiores do Brasil e da Europa, durante toda a primeira metade do
século XIX, fenômeno que persistiu também durante a segunda parte da mesma
centúria.
Os estudantes eram, predominantemente, filhos da
elite econômica e buscavam a legitimação como intelectuais possuidores de
diplomas através da publicação de trabalhos de caráter científico.
Assim, é possível afirmar que durante o século XIX
foi constituído um campo intelectual em Sergipe, do qual participou um número
significativo de cientistas, não obstante boa parte dos estudos sobre esse tema
atribuir a formação de tal campo ao período republicano.
A pesquisadora aqui citada revelou que estudar a
intelectualidade dos anos oitocentos permite entender a falácia de alguns
estudos para os quais a elite daquele período seria iletrada e detentora apenas
do “poder econômico e político, sem nenhuma vinculação com o campo intelectual,
o que de imediato parece algo paradoxal, pois, a suposição é a de que ninguém
chega a ocupar posição de mando na sociedade sem que se utilize a capacidade
mental” (p. 5).
O campo que se constituiu deu visibilidade aos
intelectuais e permitiu a existência de uma rede de instituições escolares
públicas e privadas, bem como outras organizações científicas e tecnológicas
que amparavam os estudiosos. Quando se estuda o funcionamento dessas
instituições no Brasil dos anos oitocentos, fica bem claro que
a institucionalização da Ciência no século XIX resultado de um longo processo
forjado desde o Brasil Colônia. Desde os primeiros anos do século XIX se
organizaram mais intensamente escolas de ensino secundário e superior, museus,
agremiações científicas, clubes literários e outras instituições que ofereceram
lastro cultural e científico aos filhos da elite brasileira.
É importante assinalar que essa intelligentsia era
composta não apenas por intelectuais portadores de diplomas emitidos pelas
faculdades, mas também por estudiosos que não possuíam formação superior. No
estudo de Eugênia Andrade Vieira da Silva foram selecionados 400 nomes
reconhecidos à época como intelectuais.
Destes, 260 eram portadores de diplomas emitidos
por instituições de ensino superior, enquanto 140 não tiveram acesso a esse
tipo de formação. Dentre os que obtiveram formação superior, 254 o fizeram no
Brasil e apenas seis em instituições estrangeiras.
Os médicos, farmacêuticos, engenheiros agrônomos,
engenheiros civis e militares eram a maioria dentre os intelectuais que
possuíam formação obtida em curso superior. Os que não possuíam diplomas
emitidos por faculdades eram legitimados por seus pares diplomados e não
diplomados que exerciam o controle do campo no qual costumavam atuar.
Assim era a elite intelectual do século XIX. Um grupo que, pelas suas
características se sobrepunha a outros grupos, uma vez que de acordo com Carlos
Eduardo de Almeida Barata e Antônio Henrique da Cunha Bueno, no Dicionário das
Famílias Brasileiras, publicado em 1999, o conceito de elite “designa um
pequeno grupo que, num conjunto mais vasto – religioso, cultural, político,
militar, econômico, social ou outro – é tido como superior pelas suas funções
de mando, de direção, de orientação ou de simples representação”.
A elite intelectual sergipana foi, assim, concebida
por Eugênia Andrade Vieira da Silva “como sendo composta por vários grupos
constituidores, oriundos de diferentes elites profissionais, que contribuíram
para a formação de uma totalidade” (p. 6). Nessa elite intelectual, boa parte
dos seus membros exerceu atividades ligadas ao campo das chamadas humanidades,
principalmente os que receberam formação nas escolas de Direito e nos
seminários.
As atividades ligadas ao campo das chamadas
ciências da natureza foram próprias, principalmente, dos que receberam formação
em Medicina e Engenharia, além dos militares. Os engenheiros, contudo,
adquiriram maior visibilidade social durante a segunda metade do século XIX,
após a criação da Escola Politécnica, em 1874, como ensinou Edmundo Campos
Coelho, em seu livro As Profissões Imperiais, na edição do ano de 1999 (p. 94).
José Gonçalves Gondra afirmou na edição do ano 2004
do seu livro Artes de Civilizar que a ação dos médicos foi muito importante no
projeto civilizatório da sociedade brasileira (p. 25). Os médicos, os
farmacêuticos e os cirurgiões dentistas deram significativas contribuições para
o desenvolvimento de campos científicos como a Química, a Biologia e a
Botânica. Os engenheiros e os militares contribuíram com a pesquisa que
viabilizou a execução de “obras básicas da modernidade do país, como as dos
serviços públicos urbanos”, de acordo com Eugênia Andrade Vieira da Silva (p.
16), além de estimularem a pesquisa em campos como os da Física, da Matemática,
da Geografia e da Astronomia.
*Jornalista,
doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da
Academia Sergipana de Educação.
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