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NOTAS PARA UMA HISTÓRIA DA BOTÂNICA III




 

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Dentre as várias áreas nas quais a pesquisa no Brasil se desenvolveu chamam a atenção a Antropologia Física, a Fisiologia Experimental, a Zoologia, a Astronomia, a Matemática, a Geografia e a Geologia. Contudo, das ciências de investigação, a única de que se pode encontrar uma tradição brasileira que se alonga, embora em curvas ascendentes e descendentes, desde o período colonial até os nossos dias, passando pelo Império e atravessando todo o século XX, é a Botânica.

Consultei a edição do 1994 do livro As Ciências no Brasil, de Fernando de Azevedo, e verifiquei que para o autor a exploração da Botânica entre nós foi iniciada por Alexandre Rodrigues Ferreira e por frei José Mariano da Conceição Veloso e continuada, entre outros, por Freire Alemão e, mais tarde, por Barbosa Rodrigues, um dos mais importantes dentre os botânicos brasileiros (p. 34).

No mesmo livro, um texto específico sobre História da Botânica, assinado por Mário Guimarães Ferri, revela que a Botânica no Brasil começou com os indígenas. Indo à caça, o índio levava arco e flecha. Flecha às vezes envenenada com veneno tirado de certas plantas. Na sua descrição, o arco compunha-se especificamente de arco e da corda que ligava seus extremos. Não era qualquer madeira que servia para a confecção do mesmo. Nem todas as tribos empregavam para isso os mesmos materiais (p. 175).

Os índios fabricavam as suas habitações com vegetais, teciam redes com fibras, fabricavam bebidas fazendo fermentar a mandioca, pintavam o corpo com tintas de jenipapo, cultivavam algodão, fumo, mandioca, batata doce, milho, feijão e amendoim, conheciam plantas medicinais. Enfim, dominavam algo que poderia ser chamado de cultura botânica. Os padres Manoel da Nóbrega e José de Anchieta registraram na sua correspondência o uso que os índios faziam das folhas de fumo e Hans Staden comentou a exploração do pau-brasil.

A opção de muitos intelectuais brasileiros dos séculos XVIII e XIX foi por um campo científico de muito prestígio para os naturalistas desde o século XVII, em todo o mundo: o da Botânica. Assim, são muitos os registros existentes no Brasil e em outras partes do planeta a respeito do sucesso que tinham os botânicos como cientistas. Natalie Zemon Davis relata no livro As Margens: Três Mulheres do Século XVII a trajetória de Maria Sibylla Merian, uma naturalista daquela centúria, que abraçou a Botânica, a Entomologia e a Pintura como profissão. Numa época em que das mulheres se cobrava recato, Sibylla embarcou em Amsterdam, no mês de junho de 1699, com sua filha Dorothea, em direção ao Suriname, onde pretendia estudar e pintar insetos, borboletas e plantas.

Foi sob a influência do frei José Mariano da Conceição Veloso que Sergipe conheceu os seus primeiros experimentos científicos, exatamente no campo da Botânica. Quando a Capitania se tornou emancipada da Bahia em oito de julho de 1820, por Carta Régia de D. João VI, o botânico Antônio Moniz de Souza já havia viajado pelo seu território, desenvolvendo pesquisas, explorando e catalogando a flora da região situada entre os rios Real e São Francisco.

Este campo foi aquele que inaugurou a pesquisa científica por aqui. O pesquisador era um sergipano que havia morado no convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro, durante três anos, onde aprendeu Botânica com o famoso naturalista brasileiro, José Mariano da Conceição Veloso, que vivia no mesmo claustro e que, além de ministrar os ensinamentos ao explorador sergipano, franqueou a sua biblioteca pessoal para que este pudesse desenvolver os seus estudos, de acordo com o Dicionário Biobibliográfico Sergipano, de Armindo Guaraná, publicado em 1925 (p. 29).

Além de estudar com os livros do frei Mariano Veloso, Moniz de Souza teve a oportunidade de aprofundar os seus conhecimentos acerca das propriedades curativas dos vegetais trabalhando na botica da enfermaria do mesmo convento, onde se encarregava de tirar extratos e fazer cozimentos.

Fazer viagens e expedições era responsabilidade dos botânicos e de outros naturalistas até o início do século XX. Deles se cobrava o espírito aventureiro. A vida dos cientistas era marcada por muitas reviravoltas. Ao discutir a vida da alemã Maria Sibylla, Natalie Davis demonstrou que esta ganhou fama como cientista na Holanda, depois que voltou da América carregada de espécimes. Publicou “sua grande obra Metamorphosis Insectorum Surinamensium (Metamorfose dos Insetos Surinameses), ampliou seu trabalho sobre Insetos europeus e até sua morte, em 1717, ocupou lugar de destaque entre os botânicos, cientistas e colecionadores de Amsterdam” (DAVIS, p. 133).

Em 1812, um ano depois da morte do frei José Mariano da Conceição Veloso, Antônio Moniz de Souza resolveu abandonar o convento e embarcou para a Bahia, onde obteve licença do governador, o Conde dos Arcos, para realizar uma expedição pelos sertões daquela Capitania, também por ele financiada. A área escolhida como objeto de estudo por parte da expedição que Antônio Moniz comandou corresponde ao território delimitado por D. João VI para a Capitania de Sergipe D’El Rey, nos limites do território baiano com Pernambuco e Alagoas.

Antônio Moniz de Souza optara por realizar estudos a partir da região onde nascera em 1782, nas margens do Rio Real de Nossa Senhora dos Campos (atualmente município de Tobias Barreto), termo da vila do Lagarto. Iniciada a sua expedição em 1817, o pesquisador dedicou o primeiro ano do seu trabalho a investigar o sertão baiano, na região de Cachoeira de Santo Estevão de Jacuípe, Camisão, Orobó e Jacobina.

No ano seguinte, a partir do mês de maio, Moniz de Souza embrenhou-se pelas matas de Sergipe, nas quais permaneceu durante um ano, recolhendo as espécies que encontrou na região de Lagarto, nas margens do rio São Francisco, em Própria, em Itabaiana, em Brejo Grande, em Xingo e em Canindé.

A partir de 1820, partiu de Salvador pelo sertão, atravessando Sergipe, outra vez, em direção ao Pará. Suspendeu sua viagem no interior de Pernambuco, em julho de 1822, regressando para Sergipe, onde se incorporou ao Batalhão do Imperador com o objetivo de lutar na guerra pela Independência do Brasil, marchando para a Bahia a fim de reunir-se ao exército pacificador, com o qual chegou a Salvador em dois de julho de 1823, de acordo com o estudo Tupis e Guaranis, publicado em 1944 por Frederico Edelweis (p. 28).

Conforme o já citado Ferri, para que se compreenda a importância da iniciativa de Antônio Moniz de Souza, até então o único registro sistematizado conhecido sobre a flora sergipana eram algumas referências existentes na Historia Naturalis Brasiliae, “escrita por Marcgrave e publicada por João de Laet em 1648” (p. 180). De acordo com o mesmo autor, os trabalhos do estudioso holandês “constituem a primeira contribuição importante para os estudos florísticos do Nordeste. Muitos dos nomes vulgares de plantas que figuram na Flora Brasiliensis [de Martius] são os que foram coligidos por Marcgrave. Este autor herborizou no Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Ceará e Maranhão (p. 180).

 Até o final do século XIX, a vida dos cientistas era repleta de aventuras. Seus trabalhos de observação e representação ajudavam a incorporar uma visão de mundo. Foram importantes e exerceram grande influência na formação da consciência sobre o Brasil no século XIX os relatos feitos por pesquisadores que integraram as muitas expedições científicas daquele período. Bons exemplos são as viagens empreendidas pelo Barão Heinrich von Langsdorf e por Herman von Jhering.

 

 

*Jornalista, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.


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