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O FANTASMA DE GRACCHO CARDOSO, O 13 DE JULHO DE 1924 E OS TENENTES DA PRAIA FORMOSA


 

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Os Tenentes que tentaram tomar o poder em 1922, 1924 e 1926 somente foram efetivamente vitoriosos em 1930, quando Getúlio Vargas depôs Washington Luiz e impediu a posse de Júlio Prestes na Presidência da República.

O triunfo da chamada revolução de 1930 permitiu que a maior parte das lideranças tenentistas assumisse o poder ao lado de Vargas e conquistasse um dos mais importantes dentre os troféus que a vitória política concede: o direito de escrever a História oficial, aquela que se impõe como única verdade histórica possível no imaginário do senso comum.

É sob tal contexto que leio o debate a respeito do Tenentismo em Sergipe. Foi importante a vitória de 1930 para produzir do capitão Eurípedes Esteves de Lima e dos tenentes Manoel Messias, João Soarino e Augusto Maynard a imagem de heróis populares, além de mitifica-los. A Historiografia brasileira é pródiga na associação entre os tenentes e as camadas médias urbanas, cuidando sempre de apresenta-los na condição de defensores da honra militar e moralizadores do sistema político. Este tema esteve presente no discurso militar sobre o poder, ao lado de uma outra desgastada fala sobre o inimigo de sempre: os comunistas.

Marcantes são momentos de tensão, como 1889, 1922, 1924, 1926, 1930, 1964 e 2018. Em tais momentos, o Exército não pensava e não agia uniformemente. Sempre havia vozes discordantes na caserna, mesmo quando tais vozes não eram ouvidas inicialmente, ou quando algumas delas mudavam de posição a posteriori. No caso de Sergipe, os tenentes que comandaram a revolta necessitaram depor e prender o comandante do Vigésimo Oitavo Batalhão de Caçadores.   

A condição de vencedor em 1930 fez possível a Augusto Maynard, que fora preso em São Paulo como foragido, desertor do Exército e líder de uma rebelião em Sergipe receber a anistia que lhe concedeu Getúlio Vargas, ser reincorporado às forças armadas e promovido a capitão. Sob tal condição, ele foi interventor em Sergipe durante o governo Vargas e também integrou o Tribunal de Segurança Nacional. Terminou a carreira militar como coronel e foi promovido a general de brigada quando passou para a reserva.

É verdadeiro que entre nós ainda são poucos os estudos que se debruçaram verticalmente sobre o tema. O mais importante deles continua a ser o competente e clássico livro do cientista político e historiador José Ibarê da Costa Dantas, O Tenentismo em Sergipe. Antes do estudo de Ibarê Dantas, somente era possível consultar os registros resultantes das pesquisas realizadas por Pires Wynne e por Mário Cabral.

Alguns trabalhos produzidos nestas duas primeiras décadas do século XXI estão apresentando elementos que tornam possível estabelecer novas leituras de movimentos como o da revolta dos Tenentes do dia 13 de Julho de 1924 em Sergipe.

É importante sublinhar que em nenhum daqueles momentos os militares foram os únicos e exclusivos conspiradores. Falando em nome de combater a política, sempre apresentada como o pecaminoso campo no qual se expressam do pior modo os desmandos da condição humana, os militares estavam aliançados com distintos agrupamentos políticos da sociedade civil e de outros tantos encastelados no aparelho de Estado. Todos políticos, aqui entendida a política como espaço de representação de interesses da sociedade. 

Dentre os estudos nos quais encontramos elementos que possibilitam lançar um olhar diferenciado sobre a revolta dos tenentes sergipanos, cito o trabalho da pesquisadora Andrezza Maynard, A Caserna em Polvorosa: A Revolta de 1924 em Sergipe. O livro, publicado pela Editora da Universidade Federal de Sergipe, contem o texto da sua dissertação de mestrado, defendida sob o mesmo título em 2008 no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco, com orientação da Profa. Dra. Sílvia Cortez Silva.

Desde que Walter Benjamin afirmou que “A história deve ser escovada a contrapelo” ficaram abertas inúmeras possibilidades reflexivas postas acerca de dadas verdades históricas comumente aceitas. O filósofo e sociólogo alemão ligado ao movimento da chamada Escola de Frankfurt enunciou este seu entendimento ao publicar em 1940 as suas Teses Sobre o Conceito de História. Benjamin fez este enunciado ao discorrer sobre a sua Tese VII, na qual apresentou muitos elementos fortes, portadores de uma elevada iconoclastia e de uma concepção alternativa a respeito da cultura, dizendo: “O momento destruidor: demolição da história universal, eliminação do elemento épico, nenhuma identificação com o vencedor. A história deve ser escovada a contrapelo”.

Este modo de olhar a História vinha se afirmando tanto por intelectuais ligados a Escola de Frankfurt, na Alemanha, quanto por estudiosos da Escola dos Analles, na França. Em diferentes espaços geográficos, pesquisadores começavam a esboçar interpretações da História que assumiam posições diferenciadas, o que ganhou muita clareza a partir da metade do século XX, na Inglaterra, nos Estados Unidos da América e no Canadá. Assim é importante referenciar estudos como os realizados por Norbert Elias, em Estabelecidos e Outsiders, Edward Thompson, Eric Hobsbawm, Raymond Williams e Natalie Zemon Davis, apenas para citar os da minha preferência.

Se Maurício Graccho Cardoso foi momentaneamente vencido e ao mesmo tempo vencedor em 1924, a partir de 1930 ele amargou a condição de outsider. Ficou à margem da História até o início do processo de redemocratização em 1945. 15 anos. A revolta de 13 de julho de 1924 se fez em nome da necessidade de moralização da gestão pública e de um programa de Educação consistente. Também pugnavam por eleições livres e pela organização da Justiça Eleitoral.

Não é possível retirar os méritos das inovações que Augusto Maynard trouxe à administração pública em Sergipe. Dentre estas, no campo educacional, o primeiro jardim de infância público do Estado, inaugurado em 1934, cujo projeto de organização e implantação foi entregue à pedagoga Penélope Magalhães, sergipana que havia estudado nos Estados Unidos da América e trabalhava como professora de Inglês e Pedagogia da Escola Normal. A pedagoga Penélope trabalhou ao lado de dois importantes reformadores da Educação do período: José Augusto da Rocha Lima e Helvécio de Andrade.

Não pesava no momento da revolta do 13 de Julho sobre Maurício Graccho Cardoso nenhuma acusação consistente capaz de compromete-lo como gestor. Tanto assim que o próprio Maynard lhe ofereceu a oportunidade de aderir aos golpistas e permanecer no governo. A prisão de Graccho Cardoso ocorreu em face da negativa de adesão. Não havia nada no programa dos revoltosos que fosse acréscimo ao projeto que Cardoso vinha implementando com sucesso na condição de presidente do Estado de Sergipe. A única e honrosa exceção é a do Jardim de Infância público já citado.

Empossado no Poder Executivo em 24 de outubro de 1922, Graccho construiu a imagem de realizador e muito competente. Criou vários grupos escolares, instalados em edifícios suntuosos que eram chamados de palácios do saber. Construiu o edifício-sede da Prefeitura de Aracaju, na praça Olympio Campos, e o edifício do Atheneu Pedro II, na avenida Ivo do Prado, onde atualmente funciona o Museu da Gente Sergipana.

Maurício Graccho Cardoso foi responsável pela obra do Mercado de Aracaju em parceria com o empresário Antônio Franco. Também foi por sua iniciativa a construção do edifício da Associação Comercial de Sergipe, da sede do Colégio Nossa Senhora de Lourdes e do Hospital Cirurgia, este ao lado do médico Augusto César Leite. Ainda fundou as faculdades de Farmácia Aníbal Freire da Fonseca e a de Direito Tobias Barreto.

Graccho criou o Instituto de Química de Sergipe, atual Instituto de Tecnologia e Pesquisas – ITPS, onde instalou um curso superior de Química liderado pelo reconhecido engenheiro civil e químico Archimedes Pereira Guimarães, que mandou buscar na Faculdade de Química da Bahia, além de criar o Instituto Parreiras Horta. Como presidente de Estado instalou a Usina de Energia Elétrica de Sergipe.

Afastado do poder no dia 14 de Julho de 1924, Maurício Graccho Cardoso permaneceu preso no quartel do 28 BC. Somente retomaria o seu posto de Presidente do Estado no dia quatro de agosto do mesmo ano, depois que os tenentes revoltosos foram vencidos, dois dias antes.

Os tenentes foram derrotados pelas tropas comandadas pelo general Marçal Nonato de Faria, comandante da Sexta Região Militar que à época abrangia os Estados de Bahia, Sergipe e Alagoas. Sergipe estava vivendo sob estado de sítio e mesmo depois de haver Graccho reassumido o governo, o general Nonato permaneceu no quartel do 28 BC com soldados recrutados em outros Estados, enquanto os que comandaram e participaram da revolta eram indiciados e julgados.

 

 

*Jornalista, doutor em Educação, professor aposentado do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.



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