Jorge
Carvalho do Nascimento*
Os
Tenentes que tentaram tomar o poder em 1922, 1924 e 1926 somente foram
efetivamente vitoriosos em 1930, quando Getúlio Vargas depôs Washington Luiz e
impediu a posse de Júlio Prestes na Presidência da República.
O
triunfo da chamada revolução de 1930 permitiu que a maior parte das lideranças
tenentistas assumisse o poder ao lado de Vargas e conquistasse um dos mais
importantes dentre os troféus que a vitória política concede: o direito de
escrever a História oficial, aquela que se impõe como única verdade histórica
possível no imaginário do senso comum.
É
sob tal contexto que leio o debate a respeito do Tenentismo em Sergipe. Foi importante
a vitória de 1930 para produzir do capitão Eurípedes Esteves de Lima e dos
tenentes Manoel Messias, João Soarino e Augusto Maynard a imagem de heróis
populares, além de mitifica-los. A Historiografia brasileira é pródiga na
associação entre os tenentes e as camadas médias urbanas, cuidando sempre de
apresenta-los na condição de defensores da honra militar e moralizadores do
sistema político. Este tema esteve presente no discurso militar sobre o poder, ao
lado de uma outra desgastada fala sobre o inimigo de sempre: os comunistas.
Marcantes
são momentos de tensão, como 1889, 1922, 1924, 1926, 1930, 1964 e 2018. Em tais
momentos, o Exército não pensava e não agia uniformemente. Sempre havia vozes
discordantes na caserna, mesmo quando tais vozes não eram ouvidas inicialmente,
ou quando algumas delas mudavam de posição a posteriori. No caso de Sergipe, os
tenentes que comandaram a revolta necessitaram depor e prender o comandante do
Vigésimo Oitavo Batalhão de Caçadores.
A
condição de vencedor em 1930 fez possível a Augusto Maynard, que fora preso em
São Paulo como foragido, desertor do Exército e líder de uma rebelião em
Sergipe receber a anistia que lhe concedeu Getúlio Vargas, ser reincorporado às
forças armadas e promovido a capitão. Sob tal condição, ele foi interventor em
Sergipe durante o governo Vargas e também integrou o Tribunal de Segurança
Nacional. Terminou a carreira militar como coronel e foi promovido a general de
brigada quando passou para a reserva.
É
verdadeiro que entre nós ainda são poucos os estudos que se debruçaram
verticalmente sobre o tema. O mais importante deles continua a ser o competente
e clássico livro do cientista político e historiador José Ibarê da Costa
Dantas, O Tenentismo em Sergipe. Antes do estudo de Ibarê Dantas, somente era
possível consultar os registros resultantes das pesquisas realizadas por Pires
Wynne e por Mário Cabral.
Alguns
trabalhos produzidos nestas duas primeiras décadas do século XXI estão
apresentando elementos que tornam possível estabelecer novas leituras de
movimentos como o da revolta dos Tenentes do dia 13 de Julho de 1924 em
Sergipe.
É
importante sublinhar que em nenhum daqueles momentos os militares foram os
únicos e exclusivos conspiradores. Falando em nome de combater a política,
sempre apresentada como o pecaminoso campo no qual se expressam do pior modo os
desmandos da condição humana, os militares estavam aliançados com distintos
agrupamentos políticos da sociedade civil e de outros tantos encastelados no
aparelho de Estado. Todos políticos, aqui entendida a política como espaço de
representação de interesses da sociedade.
Dentre
os estudos nos quais encontramos elementos que possibilitam lançar um olhar
diferenciado sobre a revolta dos tenentes sergipanos, cito o trabalho da
pesquisadora Andrezza Maynard, A Caserna em Polvorosa: A Revolta de 1924 em
Sergipe. O livro, publicado pela Editora da Universidade Federal de Sergipe,
contem o texto da sua dissertação de mestrado, defendida sob o mesmo título em
2008 no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de
Pernambuco, com orientação da Profa. Dra. Sílvia Cortez Silva.
Desde
que Walter Benjamin afirmou que “A história deve ser escovada a contrapelo”
ficaram abertas inúmeras possibilidades reflexivas postas acerca de dadas
verdades históricas comumente aceitas. O filósofo e sociólogo alemão ligado ao
movimento da chamada Escola de Frankfurt enunciou este seu entendimento ao
publicar em 1940 as suas Teses Sobre o Conceito de História. Benjamin fez este
enunciado ao discorrer sobre a sua Tese VII, na qual apresentou muitos
elementos fortes, portadores de uma elevada iconoclastia e de uma concepção alternativa
a respeito da cultura, dizendo: “O momento destruidor: demolição da história
universal, eliminação do elemento épico, nenhuma identificação com o vencedor.
A história deve ser escovada a contrapelo”.
Este
modo de olhar a História vinha se afirmando tanto por intelectuais ligados a
Escola de Frankfurt, na Alemanha, quanto por estudiosos da Escola dos Analles,
na França. Em diferentes espaços geográficos, pesquisadores começavam a esboçar
interpretações da História que assumiam posições diferenciadas, o que ganhou
muita clareza a partir da metade do século XX, na Inglaterra, nos Estados
Unidos da América e no Canadá. Assim é importante referenciar estudos como os
realizados por Norbert Elias, em Estabelecidos e Outsiders, Edward
Thompson, Eric Hobsbawm, Raymond Williams e Natalie Zemon Davis, apenas para
citar os da minha preferência.
Se
Maurício Graccho Cardoso foi momentaneamente vencido e ao mesmo tempo vencedor
em 1924, a partir de 1930 ele amargou a condição de outsider. Ficou à
margem da História até o início do processo de redemocratização em 1945. 15
anos. A revolta de 13 de julho de 1924 se fez em nome da necessidade de
moralização da gestão pública e de um programa de Educação consistente. Também
pugnavam por eleições livres e pela organização da Justiça Eleitoral.
Não
é possível retirar os méritos das inovações que Augusto Maynard trouxe à
administração pública em Sergipe. Dentre estas, no campo educacional, o
primeiro jardim de infância público do Estado, inaugurado em 1934, cujo projeto
de organização e implantação foi entregue à pedagoga Penélope Magalhães,
sergipana que havia estudado nos Estados Unidos da América e trabalhava como
professora de Inglês e Pedagogia da Escola Normal. A pedagoga Penélope
trabalhou ao lado de dois importantes reformadores da Educação do período: José
Augusto da Rocha Lima e Helvécio de Andrade.
Não
pesava no momento da revolta do 13 de Julho sobre Maurício Graccho Cardoso nenhuma
acusação consistente capaz de compromete-lo como gestor. Tanto assim que o
próprio Maynard lhe ofereceu a oportunidade de aderir aos golpistas e
permanecer no governo. A prisão de Graccho Cardoso ocorreu em face da negativa
de adesão. Não havia nada no programa dos revoltosos que fosse acréscimo ao
projeto que Cardoso vinha implementando com sucesso na condição de presidente
do Estado de Sergipe. A única e honrosa exceção é a do Jardim de Infância
público já citado.
Empossado
no Poder Executivo em 24 de outubro de 1922, Graccho construiu a imagem de
realizador e muito competente. Criou
vários grupos escolares, instalados em edifícios suntuosos que eram chamados de
palácios do saber. Construiu o edifício-sede da Prefeitura de Aracaju, na praça
Olympio Campos, e o edifício do Atheneu Pedro II, na avenida Ivo do Prado, onde
atualmente funciona o Museu da Gente Sergipana.
Maurício Graccho Cardoso foi responsável pela
obra do Mercado de Aracaju em parceria com o empresário Antônio Franco. Também
foi por sua iniciativa a construção do edifício da Associação Comercial de
Sergipe, da sede do Colégio Nossa Senhora de Lourdes e do Hospital Cirurgia, este
ao lado do médico Augusto César Leite. Ainda fundou as faculdades de Farmácia
Aníbal Freire da Fonseca e a de Direito Tobias Barreto.
Graccho criou o Instituto de Química de
Sergipe, atual Instituto de Tecnologia e Pesquisas – ITPS, onde instalou um
curso superior de Química liderado pelo reconhecido engenheiro civil e químico
Archimedes Pereira Guimarães, que mandou buscar na Faculdade de Química da
Bahia, além de criar o Instituto Parreiras Horta. Como presidente de Estado instalou
a Usina de Energia Elétrica de Sergipe.
Afastado do poder no dia 14 de Julho de 1924,
Maurício Graccho Cardoso permaneceu preso no quartel do 28 BC. Somente
retomaria o seu posto de Presidente do Estado no dia quatro de agosto do mesmo
ano, depois que os tenentes revoltosos foram vencidos, dois dias antes.
Os tenentes foram derrotados pelas tropas
comandadas pelo general Marçal Nonato de Faria, comandante da Sexta Região
Militar que à época abrangia os Estados de Bahia, Sergipe e Alagoas. Sergipe
estava vivendo sob estado de sítio e mesmo depois de haver Graccho reassumido o
governo, o general Nonato permaneceu no quartel do 28 BC com soldados
recrutados em outros Estados, enquanto os que comandaram e participaram da
revolta eram indiciados e julgados.
*Jornalista, doutor em Educação, professor aposentado do
Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia
Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
Comentários
Postar um comentário