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PARA ONDE VAI A COLUNA SOCIAL? III

                                               Diana Spencer


 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

É claro que o colunismo social se construiu não apenas em torno do glamour, mas também mostrando um pouco facetas nada elogiáveis das relações entre os indivíduos. Brigas no high society, conflitos entre casais, comentários sobre a gravidez indesejada das filhas da elite.

Algumas vezes essa busca obsessiva pela intimidade dos influentes produziu tragédias e o mais clássico dos exemplos é, certamente, o da morte de Diana Spencer, ex-Princesa de Gales que fora casada com o Príncipe Charles e mãe do príncipe William, o segundo na linha sucessória da rainha Elisabeth.

É claro que algumas questões a respeito da vida privada de personalidades públicas merecem algum tipo de registro. Não necessariamente com o espaço que é dedicado pela mídia a esse tipo de noticiário, uma avalanche diária de reportagens, como se houvesse algo de sobrenatural na vida privada das pessoas, ou como se fosse fundamental à sobrevivência da espécie saber qual o menu da última recepção oferecida pela mulher de um importante industrial.

O colunismo social fez com que muitos jornais e revistas perdessem a sua sisudez. Foram abertos espaços para a futilidade, para o savoir vivre. Todavia, o espaço dedicado à fofoca cresceu de modo desproporcional às demais seções do noticiário, o que leva a uma reflexão indagando se aquilo que é mesmo importante do ponto de vista jornalístico é o que efetivamente vende jornal e revista.

Uma boa coluna sempre vale muito no campo político e econômico e também no marketing pessoal. Cada vez mais os jornalistas mais importantes se acostumaram a vender espaços nas suas colunas, receber elogios fáceis, homenagens e presentes para noticiarem aqueles que os brindavam com tais benesses. Informantes revelavam fatos e boatos aos colunistas.

O problema desse estilo de colunismo sempre foi de natureza ética. Os espaços das colunas sociais muitas vezes foram vendidos sem que ficasse estabelecida para o leitor a caracterização de que este estava diante de matéria paga. Nada de quadros cercados nem de avisos alertando tratar-se de "Informe Publicitário".

Para todos os efeitos aquilo não era matéria paga. Era material editorial, pautado pela coluna, que abria mão de um dos fundamentos que deveriam nortear a prática do jornalismo: a busca da imparcialidade. A transparência sumia nas colunas sociais publicadas pelos jornais e revistas. Os leitores consumiam matéria paga disfarçada de reportagem. Quem saía perdendo era o leitor. Em algumas ocasiões, a credibilidade do jornal.

Um dos problemas mais graves dentre os muitos que envolviam o colunismo era o da ética. O responsável pela coluna famosa convivia permanentemente com as dúvidas que os leitores mais críticos colocavam em relação a eventuais interesses que poderiam existir por trás daquilo que escrevia.

Ele próprio, muitas vezes, era obrigado a tentar descobrir o que se escondia por trás das informações que recebia. Este era um problema cotidiano dos formadores de opinião, principalmente numa sociedade que valorizava cada vez mais a visibilidade pública. O consumidor ingênuo de informações não tinha recursos para distinguir quando uma nota era uma notícia plantada ou um recado.

Carlos Castilho, autor do importante artigo “Jornalismo de Grife”, publicado em 1997 pelo Boletim 14 do Instituto Gutenberg, ensinou que os leitores mais desconfiados (cada vez mais numerosos) sabiam que nem tudo que brilhava era ouro e tratavam de contextualizar a informação para avaliar suas causas e consequências.

Antes mesmo dos jornais e das colunas sociais ganharem importância, discutir a vida social e prescrever regras de comportamento socialmente aceitáveis foi tarefa assumida por importantes intelectuais, principalmente filósofos e pedagogos preocupados com a educação dos jovens.

Muito daquilo que foi, principalmente no século XX, objeto especificamente abordado pelo colunismo social apareceu primeiro em livros, como o publicado em 1522, de extenso título, que tinha como autor Erasmo de Roterdam: COLÓQUIOS FAMILIARES DESTINADOS NÃO SÓ A APRIMORAR A LÍNGUA DOS JOVENS, MAS TAMBÉM A EDUCA-LOS PARA A VIDA.

No século XVII foi a vez de John Locke publicar as suas INSTRUÇÕES PARA A CONDUTA DE UM JOVEM FIDALGO, preocupado que estava com os padrões de civilidade e de convivência na Corte.

Apesar de nos jornais sergipanos a crônica social ser uma preocupação que ganhou prestígio como gênero jornalístico somente na segunda metade do século XX, é possível encontrar em publicações do início da mesma centúria e em todas as suas décadas registros de uma vigorosa crônica social.

Revistas como a quinzenal Renovação, que circulou na década de 30, mantiveram coluna assinada, na qual se falava dos encontros furtivos entre jovens, entre uma mademoiselle e um estudante de direito ou um rapaz chic. Eram textos assinados de autoria do Lord Gil – pseudônimo revelador do quanto era difícil registrar os costumes da conservadora sociedade de Sergipe à época.

Lord Gil foi um nome que ganhou importância na crônica social em Sergipe. A sua coluna, “Através das Lunetas”, começou a circular em março de 1931 e foi publicada até o mês de novembro do mesmo ano. Uma página a cada 15 dias, bem ilustrada com caricaturas de Freire Pinto, comentando o movimento dos cafés, o carnaval, o cinema, a retreta, as autoridades, as festividades, as vitalinas.

Ao interromper a publicação da coluna, em novembro de 1931, a revista informou que o Lord Gil retornara à Inglaterra. Nunca foi possível relacionar o pseudônimo ao seu autor e nem descobrir as verdadeiras razões que levaram a revista a afastar o seu primeiro colunista ou as motivações que justificassem um possível afastamento voluntário do mesmo.

Na mesma revista apareceu um outro cronista social assinando sob pseudônimo: Roland. Este publicou sua coluna quinzenal entre os meses de janeiro e maio de 1932, com alguns elementos do estilo irônico do Lord Gil. A partir de maio a revista começou a circular mensalmente e Roland passou a assinar a coluna Balcão Florido, ao lado de Amália Soares de Andrade, que assinava ASA. A coluna Balcão Florido se preocupava em comentar os hábitos das “demoiselles” românticas, registrando os seus aniversários e circulou até julho de 1932.

Por último, em 1934, apareceram na revista Renovação dois outros colunistas sociais – Eldo e Ene, responsáveis pela coluna “Indiscrições”. Eldo substituiu as “demoiselles” pelas senhoras e senhoritas e foi um duro crítico da maquiagem feminina, condenando o uso do “baton” e do “rouge”. Ene fez comentários mais picantes, acerca de um moço à espera de uma morena. Ambos registraram notas de viagens, noivados, casamentos, aniversários e falecimentos.

 

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.


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